ESTABELECE, PARA FINS DA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA NO TERRITÓRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, O ENTENDIMENTO ACERCA DA INTERPRETAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE TRATA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PARA LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO, QUE PASSA A SE ESTENDER AO LIVRO ELETRÔNICO (E-BOOK) E AOS SUPORTES EXCLUSIVAMENTE UTILIZADOS PARA FIXA-LO. DOE-RJ 01.02.2019.
O SUPERINTENDENTE DE TRIBUTAÇÃO, no uso da atribuição conferida pelo inciso II, do art. 82 da Resolução SEFAZ nº 89, de 30 de junho de 2017,
CONSIDERANDO:
– a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 330.817, transitada em julgado em 13 de março de 2018, em que foi fixada a tese: “A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixa-lo”, e
– o disposto no Processo nº E-04/006/150/2018,
R E S O L V E:
APROVAR O PARECER A SEGUIR:
Senhor Superintendente,
A discussão acerca da extensão da imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alínea ‘d’, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) aos livros digitais não é recente. A referida norma dispõe:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Entretanto, em 13 de março de 2018, transitou em julgado decisão do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 330.817, cuja matéria teve sua repercussão geral reconhecida pelo Tribunal:
“Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 593 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: ‘A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo’.” (1)
De acordo com o voto do Relator, Ministro Dias Toffoli, o referido dispositivo visa “imunizar o bem utilizado como veículo do pensamento, da informação, da cultura e do conhecimento”. Nesse sentido, o papel torna-se apenas a forma por meio da qual o conteúdo é disseminado, motivo pelo qual, segundo o Relator, a imunidade alcança não apenas o livro digital (e-book), mas também o audiolivro, e o aparelho específico para leitura de livros digitais (e-reader). Entretanto, a imunidade não alcança os aparelhos multifuncionais, como tablets, smartphones e laptops, visto que estes não são usados apenas para a leitura de livros digitais.
O Ministro assinala ainda que deve ser feita uma interpretação evolutiva da norma, de modo que, em função da realidade na qual está inserida, a norma pode adquirir novos significados, mesmo que mantenha inalterada sua estrutura formal. Assim, evita-se o esvaziamento da norma apenas em função da passagem do tempo.
De acordo com o voto do Relator, Ministro Dias Toffoli:
“(…) o constituinte não objetivou conferir um benefício a editoras ou a empresas jornalísticas, mas sim imunizar o bem utilizado como veículo do pensamento, da informação, da cultura e do conhecimento (…)
Dessa perspectiva, não me parece que o art. 150, VI, d, da Constituição, refira-se apenas ao método gutenberguiano de produção de livros. Nem penso que o vocábulo “papel” seja essencial ao conceito desse bem final. Com efeito, o suporte das publicações é apenas o continente (corpus mechanicum) que abrange o conteúdo (corpus misticum) das obras, não sendo ele o essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade. (…)
Também me parece dispensável para o enquadramento do livro na imunidade em questão que seu destinatário (consumidor) tenha necessariamente que passar sua visão pelo texto e decifrar os signos da escrita. Quero dizer que a imunidade alcança o denominado “audio book”, ou audiolivro (livros gravados em áudio, seja no suporte CDRom, seja em qualquer outro). Historicamente, o processo de leitura associava-se à declamação e à escuta, e isso perdurou por muito tempo. (…) Note-se que essa conclusão é harmônica com a teleologia da norma e está intimamente ligada à liberdade de ser informado, à democratização e à difusão da cultura, bem como à livre formação da opinião pública.
(…)
O avanço na cultura escrita tem apontado, outrossim, para o advento de novas tecnologias relativas ao suporte dos livros, como o papel eletrônico (e-paper) e o aparelho eletrônico (como o e-reader) especializados na leitura de obras digitais, com os quais se intenta, justamente, imitar a leitura em papel físico. Em meu entendimento, elas estão igualmente abrangidas pela imunidade em tela (…). Como se vê, o argumento de que a vontade do legislador histórico foi restringir a imunidade ao livro editado em papel não se sustenta em face da própria interpretação histórica e teleológica do instituto e, mesmo que se parta da premissa de que o legislador constituinte de 1988 teria querido restringir a imunidade, é de se invocar, ainda, a interpretação evolutiva, método interpretativo específico das normas constitucionais apontado em obra doutrinária pelo Ilustre Ministro Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição. Saraiva, 137): “O que é mais relevante não é a occasio legis, a conjuntura em que editada a norma, mas a ratio legis, o fundamento racional que a acompanha ao longo de toda a sua vigência. Este é o fundamento da chamada interpretação evolutiva. As normas, ensina Miguel Reale, valem em razão da realidade de que participam, adquirindo novos sentidos ou significados, mesmo quando mantidas inalteradas as suas estruturas formais”.
(…) Assim, a interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, evita-se o esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal, além de se propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos.
CONCLUSÃO: Sintetizando e já concluindo, considero que a imunidade de que trata o art. 150, VI, d, da Constituição alcança o livro digital (e-book). De igual modo, as mudanças históricas e os fatores políticos e sociais presentes na atualidade, seja em razão do avanço tecnológico, seja em decorrência da preocupação ambiental, justificam a equiparação do “ papel”, numa visão panorâmica da realidade e da norma, aos suportes utilizados para a publicação dos livros. Nesse contexto moderno, contemporâneo, portanto, a teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers) confeccionados exclusivamente para esse fim, ainda que, eventualmente, estejam equipados com funcionalidades acessórias ou rudimentares que auxiliem a leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do tipo e do tamanho da fonte etc. Embora esses aparelhos não se confundam com os livros digitais propriamente ditos (e-books), eles funcionam como o papel dos livros tradicionais impressos e o propósito é justamente mimetizá-lo. Enquadram-se, portanto, no conceito de suporte abrangido pela norma imunizante. Esse entendimento, como se nota, não é aplicável aos aparelhos multifuncionais, como tablets, smartphone e laptops, os quais vão muito além de meros equipamentos utilizados para a leitura de livros digitais.”
Ante o exposto, conclui-se que, para os efeitos da legislação tributária fluminense, em consonância com decisão do STF, a imunidade tributária constante do art. 150, inciso VI, alínea ‘d’, da CRFB/1988, aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo.
Coordenadoria de Estudos e Legislação Tributária, em 25 de janeiro de 2018.