Empresas de São Paulo têm direito ao ressarcimento dos valores de ICMS – Substituição Tributária (ST) que pagaram a mais mesmo em período anterior a outubro de 2016 – data de corte estabelecida em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). O entendimento de que o prazo não se aplica aos contribuintes paulistas foi proferido recentemente pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP).
Os ministros do Supremo definiram que as restituições só seriam devidas a partir de outubro de 2016 no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593849, que tratou sobre a Lei do ICMS de Minas Gerais. Como o processo foi julgado em repercussão geral, a decisão passou a valer para todos os demais casos que tratam do mesmo tema.
Nessa ocasião foi pacificado o entendimento de que é devida pelos Estados a devolução da diferença do imposto quando a base de cálculo efetiva da operação for menor do que a presumida (que gerou o recolhimento a maior do imposto). Aqueles contribuintes que já tinham ação judicial sobre o assunto teriam direito à restituição do que foi pago a mais nos últimos cinco anos, mas os novos pedidos ficariam, então, limitados à data de corte estabelecida.
Foi sobre esse ponto especificamente que o TJ-SP se manifestou. O Órgão Especial é a mais alta instância – tem na sua composição os 25 desembargadores mais antigos. Eles entenderam que a modulação dos efeitos da decisão do STF não atinge os contribuintes paulistas porque, na época do julgamento, a lei do ICMS de São Paulo já permitia o ressarcimento no regime de substituição tributária.
Os desembargadores levaram em conta ainda o fato de a legislação paulista também ter sido objeto de julgamento no Supremo. Os ministros, na mesma sessão em que julgaram o recurso extraordinário, declararam constitucional o trecho da Lei do Estado de São Paulo que permitia o ressarcimento (ADI 2777).
Foram apreciadas duas ações diretas de inconstitucionalidade naquela ocasião. A segunda discutia lei de Pernambuco (ADI 1675). Os próprios Estados haviam apresentado as ações e contestavam as suas leis que autorizavam a restituição. Os dois pedidos foram negados pelo STF e em nenhum deles houve modulação dos efeitos.
A decisão do Órgão Especial do TJ-SP foi unânime. Essa questão do prazo, no entanto, era apenas uma parte do processo. A discussão central tratava da constitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 66-B da Lei 6.374, de 1989 – a lei do ICMS do Estado. Esse trecho da legislação não foi objeto de discussão no STF.
O dispositivo limitava a restituição do ICMS-ST aos casos chamados de “pauta fiscal” – quando o próprio governo, a partir de uma pesquisa de preços no mercado, estabelece os valores mínimos que devem ser usados para o cálculo do imposto. Só que esse método é o menos comum. A maioria das empresas faz o cálculo com base em uma margem de valor agregado, método conhecido como MVA.
No regime da substituição tributária, uma companhia antecipa o pagamento do imposto para todas as empresas que fazem parte da cadeia produtiva. É por isso que, nessas situações, o cálculo do ICMS se baseia em um valor de venda pré-estipulado (presumido).
“O parágrafo 3º só foi incluído na lei de São Paulo em 2008. Naquela ocasião, a ADI 2777 já estava em julgamento no STF e havia um empate [cinco a cinco]”, recorda Leo Lopes, sócio do FAS Advogados. “Houve muita crítica porque já se percebia que era uma medida adotada pelo Estado para limitar o alcance de uma decisão favorável do Supremo aos contribuintes, o que veio a se confirmar em 2016”, complementa.
O Órgão Especial do TJ-SP declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da lei paulista (processo nº 0033098-49.2018.8.26.0000). Todos os julgadores acompanharam o voto do relator, desembargador Xavier de Aquino. Ele considerou que esse trecho teria caminhado “em sentido contrário ao que está previsto” na Constituição.
Essa questão é importante e dá segurança às empresas, mas não causou surpresa no meio jurídico. Isso porque já havia um comunicado do próprio governo, o CAT 14, de dezembro do ano passado, afastando a aplicação do trecho da lei que limita as hipóteses de ressarcimento.
Os advogados Nelson Monteiro e Galderise Teles, do escritório Monteiro & Neves, uma das bancas que atuou no processo, contextualizam, no entanto, que esse mesmo comunicado prevê a restituição de valores pagos a mais a partir de outubro de 2016 – aos moldes do que decidiu o STF. “E o CAT 14 é o que hoje rege as restituições no Estado de São Paulo”, diz Galderise Teles.
Por isso a parte que trata sobre o prazo tem um peso grande no julgamento do TJ-SP. “Com essa decisão do Órgão Especial começa a se formar uma jurisprudência muito forte de que o contribuinte paulista que não tinha ação judicial em curso até a data do julgamento do Supremo também pode voltar cinco anos. Ele não está limitado, como consta no comunicado, a outubro de 2016”, frisa o advogado Nelson Monteiro.
A banca já obteve inclusive uma decisão na 12ª Vara de Fazenda Pública da Capital com base no precedente do Órgão Especial (mandado de segurança nº 1025348-77.2019. 8.26.0053). O juiz Adriano Marcos Laroca afastou os efeitos do comunicado CAT 14 e permitiu a restituição dos valores que foram pagos a mais pelo contribuinte – no caso uma concessionária de veículos – em período anterior a outubro de 2016.
“O precedente do Órgão Especial é muito importante para os contribuintes. Por ser a mais alta instância do TJ-SP, a decisão acaba tendo efeito quase que vinculante”, chama a atenção o advogado Douglas Mota, do escritório Demarest. Ele diz que já impetrou dois mandados de segurança para clientes do setor varejista após a decisão.
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-SP) informa que, “em relação ao decidido pelo Órgão Especial do TJ-SP, o desfecho já era esperado tendo em vista o decidido pelo STF na ADI 2777 e no RE 593849”. E acrescenta que, “no tocante à modulação dos efeitos, o Estado opôs embargos de declaração”.
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 30/08/2019