ITCMD – Integralização de capital com transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para sociedade limitada. I. A transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade limitada para integralização do capital social da empresa não é hipótese de incidência prevista na legislação do ITCMD. II. Quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa. Data: 11/08/2020.
Relato
1.A Consulente, pessoa jurídica, informa que tem sua atividade vinculada ao código 64.62-0/00 (“holdings de instituições não financeiras”) da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e apresenta dúvida relacionada à necessidade de recolhimento do ITCMD em relação às transferências de imóveis para integralização do capital social de sociedade limitada, considerando que recebeu de Oficial de Registro de Imóveis nota de devolução sobre exigência do pagamento do imposto.
2. Informa que as transferências efetuadas ocorreram do patrimônio dos sócios, todos irmãos, para integralização do capital social da empresa, que não tem sua atividade preponderante relacionada à venda ou locação de propriedade imobiliária ou à cessão de direitos relativos à sua aquisição.
3. Menciona os artigos 35 a 37 do Código Tributário Nacional, artigos 2º, 7º, 15 a 18 da Lei Estadual 10.705/2000, artigo 156 da Constituição Federal e artigo 538 do Código Civil, além de precedentes jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para alegar que, em seu entendimento, a transferência de propriedade de imóveis de pessoa natural, para integralização de capital social de pessoa jurídica, não se enquadra nas hipóteses de incidência previstas para o ITCMD ou o ITBI, inclusive em relação a eventual diferença entre valor de quotas com o valor correspondente aos imóveis utilizados para transferência.
4. Diante do exposto, questiona se é possível o registro do título de imóveis sem a exigência do recolhimento do ITCMD.
Interpretação
5. Inicialmente, registre-se que não é possível conhecer a integralidade da situação de fato que originou a dúvida, pois a Consulente não informa elementos essenciais para a compreensão do caso concreto a ser analisado, como a distribuição das quotas do capital social entre os sócios e os valores dos imóveis a serem transferidos para integralização do capital social. Dessa forma, essa consulta será respondida somente em tese.
6. Isso posto, cumpre esclarecer que, a princípio, a transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade limitada para integralização do capital social da empresa não é hipótese de incidência prevista na legislação do ITCMD.
7. Contudo, ressalta-se que, na hipótese de integralização de capital acima do valor que cabe a cada sócio, sem o correspondente reflexo em sua participação na sociedade, esta Consultoria Tributária entende que pode haver doação de bens ou direitos, portanto sujeita à incidência do ITCMD.
8. Para melhor explicar esse último item, passamos a um exemplo:
8.1. Dois senhores, A e B, proprietários de um imóvel (na proporção de 50% cada um), com valor de mercado de R$ 500.000,00 e valor histórico (constante das declarações de Imposto sobre a Renda) de R$ 200.000,00 resolvem, juntamente com um terceiro, C, constituir uma sociedade limitada. Para tanto, estabelecem no contrato social que o capital da empresa, formado por 300 mil quotas (com valor de R$ 1,00 cada quota) será realizado mediante a integralização do referido imóvel, por parte dos dois senhores, A e B, e por R$ 100.000,00 em dinheiro integralizado por C. As quotas serão divididas da seguinte maneira: 100 mil quotas para cada sócio.
8.2. Pode-se perceber, nesse caso, que:
8.2.1. Houve integralização do imóvel pelo valor histórico (permitida pelo artigo 23 da Lei 9.249/1995).
8.2.2. O valor (de mercado) das quotas resultantes da incorporação do imóvel ao capital social não é igual ao valor de mercado do imóvel integralizado. A empresa, que não tem nenhum passivo, possui como ativos um imóvel de valor R$ 500.000,00 e R$ 100.000,00 em dinheiro, somando R$ 600.000,00 de valor de mercado. As quotas sociais pertencentes aos senhores A e B estão registradas por R$ 200.000,00, no entanto, possuem valor de mercado de R$ 400.000,00.
8.2.3. O terceiro C, que integralizou o valor de R$ 100.000,00 em dinheiro, passou a ser proprietário de quotas sociais registradas pelo valor de R$ 100.000,00, mas que possuem valor de mercado de R$ 200.000,00.
8.3. Os senhores A e B possuíam um patrimônio de R$ 250.000,00 cada um (metade do imóvel que possuía valor de mercado de R$ 500.000,00) e com a constituição da empresa, nos termos estabelecidos, passaram a ter um patrimônio de R$ 200.000,00 cada um, representado por 100.000 quotas do capital social da empresa. As 100.000 quotas, conforme indicamos, estão registradas por R$ 100.000,00 reais, mas possuem valor de mercado de R$ 200.000,00 (33,33% do valor total de mercado da empresa, que é de R$ 600.000,00). É evidente que ambos sofreram um prejuízo patrimonial da ordem de R$ 50.000,00 cada um.
8.4. O terceiro C, por outro lado, sofreu um acréscimo patrimonial de R$ 100.000,00, uma vez que integralizou o valor de R$ 100.000,00 em dinheiro para a constituição da empresa e passou a ser titular de 100.000 quotas do capital social que, conforme indicamos, possuem valor de mercado de R$ 200.000,00.
8.5. No presente caso é possível se vislumbrar todos os elementos que caracterizam a doação, quais sejam:
8.5.1. Natureza contratual (existe um contrato social para constituição da entidade, que modifica direitos patrimoniais dos contratantes).
8.5.2. Aceitação (todos assinam o contrato de comum acordo).
8.5.3. Transferência patrimonial (os sócios A e B sofrem prejuízo patrimonial de R$ 50.000,00 cada um ao passo em que o sócio C tem um acréscimo patrimonial de R$100.000,00).
8.5.4. Animus donandi (os sócios têm a faculdade de integralizar o imóvel pelo valor de mercado ou pelo valor histórico. Optando pelo valor histórico sem exigir quaisquer contrapartidas que compensem seu prejuízo patrimonial estarão praticando um ato de liberalidade).
8.5.5. Se fizerem pelo valor histórico e receberem uma compensação financeira de R$ 50.000,00 cada um, do terceiro C, não há que se falar em doação, visto não ter havido nem prejuízo patrimonial, nem liberalidade. Se fizerem a integralização pelo valor de mercado, por sua vez, não haverá prejuízo patrimonial.
9. Nota-se, assim, que, sem o correspondente reflexo nas quotas do sócio integralizador, o valor do imóvel que ultrapassa o valor pelo qual ele é integralizado acaba por se configurar como uma transferência voluntária (doação) do patrimônio dos sócios integralizadores para o outro sócio, caracterizando-se, portanto, como hipótese de incidência do ITCMD.
10. Com efeito, não se pode perder de vista a possibilidade da utilização do instituto da integralização de capital social e da doação (regulados pelo direito civil e empresarial), para ocultar ou simular negócios jurídicos com objetivo de se esquivar do pagamento de tributos. Nessa situação, de acordo com o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, a autoridade fiscal está autorizada a desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Consequentemente, quando verificada na situação concreta a utilização formal de atos e negócios jurídicos estruturados desprovidos de essência negocial ou ainda, eivados de vícios para encobrir materialmente outros, de natureza diversa, para, assim, suprimir o real fato gerador da obrigação tributária, então, esses negócios poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, para que haja a autuação de acordo com o fato gerador materialmente praticado.
11. Ressaltamos que, em que pese este órgão consultivo, vinculado à Coordenadoria da Administração Tributária, ser parte integrante do sistema de fiscalização tributária da Secretaria da Fazenda e Planejamento, destaca-se que o instituto da consulta se apresenta como meio impróprio para confirmação da necessidade de pagamento do ITCMD, principalmente quando faltam elementos essenciais para determinação do caso concreto, devendo a Consulente, em caso de dúvida, buscar orientação no Posto Fiscal a esse respeito, apresentando a situação de fato e os documentos pertinentes, com todas as informações necessárias para que o caso concreto seja analisado.
12. Por fim, em função do período atual da crise de saúde, sugerimos a leitura da Portaria CAT 34/2020, que dispõe sobre o atendimento não presencial, por meios remotos de prestação de serviços, no âmbito da Secretaria da Fazenda e Planejamento, em decorrência da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).