ICMS – Obrigações acessórias – Conserto de respiradores hospitalares para o Sistema Único de Saúde (SUS), a título gratuito – Documentos fiscais. I. O serviço de conserto de bens de terceiro, relacionado no subitem 14.01 do Anexo Único da Lei Complementar nº 116/2003, sujeita-se à incidência do ISSQN, exceto quanto às peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS. II. Aplica-se a isenção do ICMS às saídas de mercadorias em decorrência de doação a entidade governamental, para assistência a vítimas de calamidade pública declarada por ato de autoridade competente. III. Em atendimento à legislação tributária, devem ser emitidas Notas Fiscais para acobertar as operações de entrada de respiradores no estabelecimento executante do conserto e de retorno para os hospitais, consignando, inclusive, a saída das partes e peças empregadas, ainda que a título gratuito. Da mesma forma, devem ser emitidas Notas Fiscais para o registro da remessa de respiradores à empresa certificadora e de seu retorno ao estabelecimento executante do conserto. IV. A consulta tributária não é o meio próprio para solicitar a dispensa de emissão de documentos fiscais ou a adoção de procedimentos não autorizados pela legislação. É possível pleitear, para a referida dispensa, Regime Especial, instrumentalizado nos termos dos artigos 479-A e seguintes do RICMS/2000, combinado com a Portaria CAT 43/2007. Data: 24/04/2020.
Relato
1. A Consulente, que tem sua atividade principal vinculada ao código 29.10-7/01 (fabricação de automóveis, camionetas e utilitários) da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), relata que, em razão do estado de calamidade pública decretado no território brasileiro, devido à disseminação do COVID-19, voluntariou-se para “doação” de respiradores recuperados aos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS).
2. Informa que tal operação dar-se-á por meio do conserto de respiradores recebidos dos hospitais, incluindo a realização dos testes necessários à sua certificação, com a emissão do laudo de certificação, executado por empresa certificadora (no estabelecimento da própria Consulente ou da empresa certificadora)e, após sua completa recuperação, tais equipamentos serão “doados” ao Estado. Ressalta que tal operação “está destituída de qualquer valor econômico”.
3. Descreve que o fluxo da operação ocorrerá da seguinte forma:
3.1 Os hospitais, não contribuintes do ICMS, enviarão os respiradores à Consulente acompanhados de “Declaração de Saída de Equipamento”.
3.2 A Consulente receberá os respiradores e manterá controle e arquivo das Declarações de Saída que os acompanharam, realizando os procedimentos para sua recuperação. Destaca que com relação aos materiais adquiridos e/ou recebidos em doação, para serem empregados no conserto, a Consulente irá atribuir o processo regular de entrada com registro da Nota Fiscal, a qual será devidamente escriturada no livro de entrada, sem a manutenção de créditos do imposto.
3.3 Após o conserto, os respiradores devem ser testados e certificados por empresa certificadora a qual emitirá laudo técnico verificando o seu devido funcionamento. Esse teste poderá ser realizado internamente, no estabelecimento da Consulente, com funcionários da certificadora, ou na própria empresa responsável, hipótese em que a Consulente remeterá o material recuperado para a realização dos testes e certificação.
3.4 A Consulente enviará os respiradores recuperados, testados e certificados aos hospitais da rede pública de saúde.
4. Para formalizar a completa ausência de valor econômico da operação, a Consulente esclarece que está em fase de inscrição junto ao Estado de São Paulo para atendimento ao Edital de Chamamento Público nº 01/2019 – Processo SPDOC nº 301699/2019, declarando que a doação será feita dentro de todos os permissivos legais, inclusive com a isenção da tributação estadual em razão do estado de calamidade declarado.
5. Contudo, explica que o referido Edital deixou de prever as regras para operacionalização da doação, não dispondo acerca da necessidade ou da dispensa de emissão de Nota Fiscal para viabilização do processo.
6. Diante do exposto, faz os seguintes questionamentos:
6.1. Se é possível receber os respiradores dos hospitais sem emissão de Nota Fiscal de entrada e consequentemente sem escrituração no Livro Registro de Entradas, mas apenas mantendo controle e arquivo das Declarações que os acompanharam.
6.2. Se é possível remeter os respiradores para a empresa certificadora sem emissão de Nota Fiscal de saída, mas apenas com “Declaração de Saída”.
6.3. Se é possível receber os respiradores da empresa certificadora, quando assim for o caso, apenas com a “Declaração de Retorno” emitida por ela, sem escrituração no Livro Registro de Entradas.
6.4. Se é possível entregar os respiradores recuperados e certificados nos hospitais da rede pública de saúde sem a emissão de Nota Fiscal de saída, mas apenas com a emissão de “Declaração de Retorno”.
Interpretação
7. Inicialmente, é importante esclarecer que tanto a excepcionalidade da situação de calamidade pública estadual como a realização de operações com mercadorias de forma gratuita não permitem, por si só, a flexibilização das regras postas na legislação quanto às obrigações tributárias, principais e acessórias. Nesse ponto, cumpre-nos lembrar que operações com circulação de mercadorias, a qualquer título, são tributadas (artigo 2º, inciso I do RICMS/2000), podendo a exigência do ICMS ser afastada somente mediante autorização em convênio, conforme artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g” da Constituição Federal.
8. Registre-se que, pelas informações prestadas pela Consulente, entendemos que a situação fática relatada não se caracteriza como uma “doação de respiradores”, uma vez que tais aparelhos já pertencem aos próprios hospitais que os receberão de volta, após o reparo. Diversamente, depreende-se que de fato ocorrerá uma prestação de serviço abrangida pelo subitem 14.01 do Anexo Único da Lei Complementar nº 116/2003, sujeita, portanto, à incidência do ISSQN, mas com exceção expressa quanto ao emprego de peças e partes no conserto, sujeito, a princípio, ao ICMS:
“14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS)”.
8.1. Dessa forma, esclarecemos que a presente resposta: (i) versará sobre a operação sujeita à incidência do ICMS, qual seja, o emprego de partes e peças na realização dos serviços de reparo e conserto abrangidos pelo item 14.01 da Lista de Serviços Anexa à Lei Complementar nº 116/2003; (ii) não se manifestará sobre a tributação do serviço de conserto/reparo em si, uma vez que tal prestação está compreendida na competência tributária municipal, nos termos da Lei Complementar nº 116/2003 – eventuais dúvidas sobre a tributação de tal serviço deverão ser dirigidas ao órgão competente do município em que ocorre tal prestação; e (iii) abordará apenas operações internas (realizadas dentro do Estado de São Paulo), uma vez que operações realizadas em outras Unidades da Federação devem observar a respectiva legislação.
9. Em primeiro lugar, cabe observar que a remessa e retorno de equipamentos (no caso, dos respiradores), bem como de suas partes e peças, com destino a outro estabelecimento para conserto e restauração, está fora do campo de incidência do ICMS, conforme preceitua o artigo 7º, incisos IX e X, do RICMS/2000.
10. Isso posto, frise-se que a Consulente deve emitir Nota Fiscal, sem destaque do imposto, para consignar a entrada do bem no seu estabelecimento, observado o artigo 136, inciso I, alínea “a”, do RICMS/2000, considerando que os hospitais que enviam os respiradores não são contribuintes do imposto e, portanto, não são obrigados à emissão de documentos fiscais, e efetuar o registro dessa Nota Fiscal em sua escrituração fiscal. Para maior clareza, segue a transcrição do dispositivo citado:
“Artigo 136 – O contribuinte, excetuado o produtor, emitirá Nota Fiscal (Lei 6.374/89, art. 67, § 1°, e Convênio de 15-12-70 – SINIEF, arts. 54 e 56, na redação do Ajuste SINlEF-3/94, cláusula primeira, XII):
I – no momento em que entrar no estabelecimento, real ou simbolicamente, mercadoria ou bem:
a) novo ou usado, remetido a qualquer título por produtor ou por pessoa natural ou jurídica não obrigada à emissão de documentos fiscais;” (grifo nosso)
10.1. Assim, em atendimento à legislação tributária, o documento mencionado pela Consulente, “Declaração de Saída de Equipamento”, não pode ser utilizado para acobertar a entrada de bem em estabelecimento de contribuinte do imposto.
11. Um aspecto que torna ainda mais particular o caso em análise é o fato de parte do serviço realizado pela Consulente – a certificação dos respiradores após o reparo – ser executada por terceiros. De plano, é importante esclarecer que esse tipo de serviço (certificação) pode estar abrangido pela competência tributária municipal, nos termos da Lei Complementar nº 116/2003, sendo, portanto, matéria sobre a qual este órgão não se manifestará (conforme já exposto no subitem 8.1 supra).
11.1. Nos termos do artigo 125, incisos I e IV e do artigo 136, inciso I, do RICMS/2000, na remessa dos respiradores para o estabelecimento da empresa certificadora e no seu retorno para a Consulente devem ser emitidas Notas Fiscais (referentes à saída e entrada, respectivamente), não podendo ser utilizadas apenas declarações internas de saída e entrada, conforme solicitado pela Consulente.
11.2. Em uma interpretação teleológica dos incisos IX e X do artigo 7º do RICMS/2000, destaca-se que não há imposto a ser destacado nesses documentos, uma vez que a realização dos testes para a certificação dos equipamentos é apenas uma etapa do processo da prestação do serviço de conserto, sujeita ao ISSQN, e específica para esse tipo de equipamento (respiradores). Entretanto, a citada não incidência do imposto está condicionada a que: (i) os respiradores retornem ao estabelecimento da Consulente para que sejam entregues aos hospitais; e (ii) não haja o emprego de qualquer parte ou peça nessa etapa de certificação. Sugerimos, para maior segurança jurídica, que seja mencionado o número desta resposta em tais documentos fiscais.
11.3. Por óbvio, caso a certificação ocorra no próprio estabelecimento da Consulente, não há que se falar em emissão de documento fiscal relacionado ao ICMS, posto que não há circulação de mercadorias.
12. Da mesma forma, no retorno dos respiradores consertados com destino aos hospitais, a legislação exige a emissão de Nota Fiscal de saída dos equipamentos (artigo 125, inciso I, do RICMS/2000).
13. O emprego das peças ou partes no conserto deve ser analisado em duas frentes. Em primeiro lugar, a aquisição de tais peças pela Consulente – por meio de compra ou doação de terceiros – é operação normalmente tributada, devendo o remetente emitir o documento fiscal correspondente e a Consulente proceder à correspondente escrituração.
13.1. Na emissão da Nota Fiscal em nome do proprietário do bem (hospital), por ocasião do retorno dos respiradores, tais peças devem estar devidamente discriminadas e, em regra, com o devido destaque do ICMS. No caso em tela, contudo, a operação poderá ser realizada ao abrigo da isenção prevista no artigo 83 do Anexo I do RICMS/2000, se atendidos os requisitos nele estabelecidos: (i) saída de mercadoria em decorrência de doação; (ii) destinada a entidade governamental ou a entidade assistencial reconhecida como de utilidade pública e que atenda aos requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, portadora do “Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos” fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social; (iii) para fins de assistência a vítimas de calamidade pública declarada por ato de autoridade competente:
“Artigo 83 (VÍTIMAS DE CALAMIDADES – DOAÇÃO) – Saída de mercadoria em decorrência de doação a entidade governamental ou a entidade assistencial reconhecida como de utilidade pública e que atenda aos requisitos previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, portadora do “Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos” fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, para assistência a vítimas de calamidade pública declarada por ato de autoridade competente, bem como a prestação de serviço de transporte daquela mercadoria (Convênio ICM-26/75, com alteração do Convênio ICMS-58/92, e Convênios ICMS-39/90 e ICMS-151/94, cláusula primeira, VI, “g”).
Parágrafo único – Não se exigirá o estorno do crédito do imposto relativo à mercadoria beneficiada com a isenção prevista neste artigo.”
13.2. Note-se que a Consulente não forneceu informações suficientes sobre os destinatários dos respiradores que permitissem a este órgão consultivo uma manifestação conclusiva a respeito da aplicação da isenção mencionada. Caberá à própria Consulente, portanto, a verificação de tais condições ao caso concreto para fins de aplicação do benefício isentivo.
14. Saliente-se também que, nos termos do parágrafo único do artigo 83 do Anexo I do RICMS/2000, não se exigirá estorno de eventual crédito do imposto referente à entrada de peças e partes adquiridas e utilizadas pela Consulente no conserto dos respiradores, desde que atendidas as normas previstas nos artigos 61 e seguintes do RICMS/2000.
15. Vale ressaltar que as operações transcritas nos itens 12 e 13 retro podem ser documentadas por meio de uma única Nota Fiscal, nos termos do artigo 127, §19, do RICMS/2000.
16. Por fim, é necessário ressaltar que o instrumento de consulta a este órgão consultivo serve, exclusivamente, ao esclarecimento de dúvida pontual sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária paulista vigente, nos termos do disposto nos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000. Portanto, foge à competência deste órgão autorizar a dispensa de emissão de documentos fiscais ou a adoção de procedimentos não autorizados pela legislação. Não obstante, a Consulente poderá pleitear Regime Especial, instrumentalizado nos termos dos artigos 479-A e seguintes do RICMS/2000, combinado com a Portaria CAT 43/2007 para solicitar a dispensa de emissão dos referidos documentos fiscais.