EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. CONFUSÃO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PAGAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO DIANTE DO RECONHECIMENTO DA CONFUSÃO. DESAPARECIMENTO DO VÍNCULO OBRIGACIONAL. Data: 22/10/2018.
Trata-se de consulta realizada pelo Departamento Fiscal – FISC, relacionada à extinção da obrigação tributária por meio da confusão, por considerar que o entendimento da Coordenadoria Jurídica da Secretaria Municipal da Fazenda – SF/COJUR diverge daquele já firmado por esta Procuradoria Geral do Município – PGM.
Conforme precedentes desta Assessoria Jurídico-Consultiva – AJC e da Assessoria Técnica e Jurídica da à época Secretaria de Negócios Jurídicos – SNJ, já trazidos ao presente (8578322), a confusão é uma das formas de extinção da obrigação tributária, apesar de o artigo 156 do Código Tributário Nacional – CTN não fazer menção à mesma. Isso porque, “a confusão constitui uma imposição lógica decorrente da impossibilidade de que uma pessoa deva para si mesma”.
Ao aparentemente adotar esse entendimento, a SF/COJUR considerou que a hipótese aqui tratada é de confusão, mas julgou imprescindível a realização do pagamento do tributo, dadas as vinculações constitucionais e legais pertinentes à receita pública e o princípio da universalidade: “ainda que o Município seja, na situação em comento, credor e devedor do IPTU relativo ao imóvel objeto do Termo de Comodato n° 13/SME/2012, há que se realizar a despesa pública relativa a seu adimplemento, devendo-se proceder, posteriormente, às destinações obrigatórias no tocante à respectiva receita”.
Salvo melhor juízo, parecem-nos equivocadas as conclusões da SF/COJUR, as quais, ao não tratar a confusão como forma de extinção da obrigação tributária, vão de encontro ao entendimento desta AJC.
Expliquemos.
O CTN prevê uma série de causas extintivas da obrigação tributária, entre as quais está o pagamento, entendido como a entrega ao devedor da importância pecuniária correspondente ao débito tributário.
Contudo, a confusão não está prevista entre as causas de desaparecimento do vínculo obrigacional, o que levou a uma divergência quanto à possibilidade de a mesma ser reconhecida na seara tributária quando houver a concentração em uma mesma pessoa das qualidades de credor e devedor1.
Como já demonstrado nos pareceres trazidos ao presente, esta AJC tem o entendimento de que, apesar de o artigo 156 do CTN não a ter contemplado como uma das causas de desaparecimento do liame obrigacional, a confusão é hipótese de extinção da obrigação tributária. Isso porque, como afirmado anteriormente, “a confusão constitui uma imposição lógica decorrente da impossibilidade de que uma pessoa deva para si mesma”.
Examinada a relação obrigacional do ponto de vista exclusivamente estrutural, a confusão configura imperativo lógico. Com efeito, desde que a qualidade de credor e de devedor concorrem na mesma pessoa, não é mais possível o exercício do direito e crédito, porque não se concebe que a pessoa cobre a dívida de si mesma nem que a si mesma pague.2
Se se admite a confusão como causa extintiva da obrigação tributária, deve-se compreender que a concentração em uma mesma pessoa das qualidades de credor e devedor acarretará per se a extinção do vínculo obrigacional; ou seja, caso se reconheça a confusão como uma daquelas causas, o desaparecimento da obrigação dar-se-á de pleno direito, independentemente de declaração de vontade do sujeito.
É justamente essa a razão que levou a Assessoria Técnica e Jurídica da antiga SNJ a afirmar que o eventual pagamento dos valores devidos pelo Município ao próprio Município a titulo de tributo configura mero ato material destituído de qualquer efeito jurídico:
Sob este aspecto, é de se notar que a alternativa mencionada pela Procuradoria Geral do Município, adotada em contratos de locação, não é capaz de alterar substancialmente a situação jurídica acima descrita. Com efeito, ainda que o Município venha a recolher os valores referentes ao tributo, trata-se de mero ato material destituído de qualquer efeito jurídico, adotado por motivos de facilidade operacional. Todavia, em verdade, a obrigação já estava extinta desde o momento em que a assunção da dívida produziu efeitos. Assim sendo, eventual recolhimento constitui providência tomada por simples engano, que não produz consequência prática alguma, até porque, neste caso, os recursos públicos municipais estariam sendo recolhidos ao próprio cofre público do Município. (8578322).
Apesar de indicar que compartilha de tal entendimento, as conclusões da SF/COJUR, vão, na realidade, no sentido contrário ao reconhecimento da confusão como causa extintiva. De fato, a confusão não foi tratada como uma causa de extinção do crédito tributário, mas sim como o fundamento do pagamento, como a legitimação desse. Se houve a confusão, houve o desaparecimento da obrigação, não sendo possível propugnar a extinção através do pagamento do que já se encontra extinto3.
Quanto ao possível desrespeito às vinculações constitucionais ou legais, não nos parece admissível relacionar automaticamente as noções de “extinção do crédito tributário” e de “receita de impostos”, pois não há correspondência entre ambas. A noção de receita relaciona-se à ideia de entrada financeira no patrimônio, podendo ser definida como “a soma de dinheiro percebida pelo Estado para fazer face à realização dos gastos públicos”4, não se confundindo com o patrimônio público, nem com os direitos da Fazenda Pública.
Seguindo o entendimento da SF/COJUR, chegaríamos à conclusão de que toda extinção do crédito tributário corresponderia necessária e automaticamente a um ingresso financeiro nos cofres públicos, a uma receita tributária, o que significaria a admissão do pagamento como o único modo legítimo de extinção do vínculo obrigacional e a negação de todas as demais formas.
Desse modo, reiterando o entendimento desta AJC e da antiga Assessoria Técnica e Jurídica da SNJ, especificamente o quanto exposto na Informação n. 0078/2015-SNJ.G, entendemos que a confusão, como causa extintiva da obrigação tributária, traz per se o desaparecimento do vínculo obrigacional, mostrando-se desnecessário o pagamento do débito tributário.
.1 Contrário ao reconhecimento da confusão no âmbito tributário: “O que é possível divisar no catálogo do art. 156 é a ausência de outros motivos que teriam a virtude de extinguir o liame obrigacional, como a desaparição do sujeito passivo, sem que haja bens, herdeiros e sucessores, bem como a confusão, onde se misturam, na mesma pessoa, as condições de credor e devedor.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª ed., 2005, p. 455). Em sentido oposto: “(…) a confusão, isto é, extinção determinada quando, por um fato ou ato jurídico, as qualidades de credor e devedor se reúnem na mesma pessoa, pode acontecer esporadicamente no Direito Tributário (…)” (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1276).
2 TEPEDINO, Gustavo; BARBOSA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 688.
3 A própria SF/COJUR admite que, segundo seu entendimento, a confusão não será propriamente uma causa de extinção da obrigação tributária: “é possível verificar que, a rigor, dada a particularidade que permeia o tratamento da receita pública decorrente de impostos (especificamente a existência de vinculação e a necessidade de observância do princípio orçamentário da universalidade), a extinção do crédito tributário se dá pelo pagamento e não propriamente pela confusão.” (10019267)
4 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 14ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 185.
Processo n° 6021.2018/0012250-1
Cont. da Informação n° 1256/2018-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhor Procurador Geral do Município
Encaminho-lhe o presente com o entendimento da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Procuradoria Geral, que acolho, no sentido de a confusão ser causa extintiva da obrigação tributária, mostrando-se inócuo o pagamento de débito tributário após o seu reconhecimento.
São Paulo, 22/10/2018