Secretaria da Fazenda entende que pode haver incidência do Imposto se a operação não tiver propósito negocial.
Contribuintes que utilizam imóveis na integralização de capital de sociedade limitada podem ser tributados em São Paulo. A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado entende que deve haver incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) se a operação não tiver propósito negocial.
A orientação está na Solução de Consulta nº 22.070, publicada recentemente. Na decisão, a Fazenda de São Paulo afirma que “não se pode perder de vista a possibilidade da utilização do instituto da integralização de capital social e da doação (regulados pelo direito civil e empresarial) para ocultar ou simular negócios jurídicos com objetivo de se esquivar do pagamento de tributo”.
Na solução de consulta, o órgão, para explicar a possibilidade de cobrança, traz um exemplo. Fala em uma sociedade com três sócios. Dois são proprietários de um imóvel (metade cada) com valor de mercado de R$ 500 mil e valor histórico de R$ 200 mil. O contrato social da sociedade limitada estabelece que ela será formada por 300 mil cotas (com valor de R$ 1,00 cada).
Os primeiros vão integralizar o imóvel e o terceiro R$ 100 mil em dinheiro e cada um fica com cem mil cotas. Segundo a Fazenda, esse terceiro tem cotas registradas pelo valor de R$ 100 mil que, na verdade, têm valor de mercado de R$ 200 mil. Para o órgão, “é evidente” que há acréscimo patrimonial para ele e prejuízo de R$ 50 mil para os dois primeiros. “No presente caso é possível se vislumbrar todos os elementos que caracterizam a doação”, afirma.
Ainda segundo a Secretaria da Fazenda, os sócios têm a faculdade de integralizar o imóvel pelo valor de mercado ou pelo histórico. Se optarem pelo histórico sem exigir contrapartidas que compensem o prejuízo patrimonial estarão praticando um ato de liberalidade. Assim, afirma, sem o correspondente reflexo nas cotas do sócio integralizador, o valor do imóvel que ultrapassa o montante pelo qual é integralizado “acaba por se configurar como uma transferência voluntária (doação)”.
A solução de consulta foi proposta por uma holding de instituição não financeira nem imobiliária composta por irmãos. Após integralizarem o capital social da empresa, o oficial de registro de imóveis apontou a exigência do imposto.
Para a holding, tanto a lei tributária quanto a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) consideram que a transferência de propriedade de imóveis de pessoa natural, para integralização de capital social de pessoa jurídica, não se enquadra nas hipóteses de incidência previstas para o ITCMD ou o ITBI.
A situação tratada na solução de consulta é menos comum em sucessão patrimonial do que em operações de mercado, em que existem herdeiros independentes e enquanto um entra com o imóvel, o outro com capital, segundo o advogado João Victor Guedes, do escritório LO Baptista.
No entendimento do advogado, ao colocar o bem em uma sociedade e ter como contrapartida o recebimento de cotas, não existiria a possibilidade de cobrança de ITCMD. “O que vemos, já há algum tempo, é a Secretaria da Fazenda ir atrás de motivo para uma operação”, afirma. Embora se entenda que em princípio não há tributação, acrescenta, busca-se o propósito negocial dessas operações. “O raciocínio parece muito imediatista.”
Em alguns casos, o cartório trava a operação para saber se haverá cobrança de ITCMD, de acordo com o advogado. ”O cartório faz cada vez mais análises do propósito econômico de uma transação para não se responsabilizar pelo tributo devido”, diz. Cabe à secretaria, de acordo com ele, demonstrar que a operação foi feita para burlar impostos.
Do ponto de vista do risco, a solução de consulta acaba assustando interessados em planejamentos sucessórios, patrimoniais e empresas familiares que têm muitas integralizações de bens, segundo Rafael Vega, do escritório Cascione, Pulino, Boulos Advogados. “Em qualquer situação com integralização de bem em valor histórico e mais de um sócio, você pode ser autuado e ter que pagar o tributo, multa e juros”, afirma.
Existem cerca de 30 mil holdings patrimoniais no Estado de São Paulo, segundo a Secretaria da Fazenda e Planejamento. Nos últimos anos, afirma, a fiscalização tem acompanhado um número crescente de pessoas jurídicas constituídas nesta forma.
Essa é a primeira consulta sobre o assunto, mas não traz entendimento novo, explica o órgão.
Já há ações fiscais iniciais em casos em que houve integralização de cotas e que culminaram em doações sem o correto recolhimento do ITCMD, com altos montantes devidos aos cofres públicos, de acordo com o órgão. “Essas ações fornecerão dados que, combinados aos já existentes, darão ao Fisco paulista o subsídio necessário para operações de fiscalizações mais amplas”, afirma.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon, 22/10/2020