Da mesma forma que fizemos no final dos anos de 2016[1] e 2017[2], pretendemos apresentar uma retrospectiva dos principais julgamentos proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por meio de sua Câmara Superior (CSRF), no ano de 2018, sem qualquer pretensão de esgotar os temas, bem como realizar crítica a respeito das decisões.
A menção aos precedentes do Carf, especialmente da Câmara Superior, ganhou maior relevância, pois, mais do que uma diretriz interpretativa de questões fiscais, tornou-se elemento de proteção e segurança jurídica do contribuinte a partir da alteração realizada na LINDB por meio da Lei 13.655/2018, especialmente, diante do disposto nos artigos 23 a 25.
Nesse sentido, a 1ª Turma da Câmara Superior proferiu decisões em diversas matérias de sua competência, a seguir descritas:
(i) desconsideração de operação segregando receitas em regime de tributação distintos entre empresas do grupo econômico, quando não se comprova ser aquela que recebeu os valores a efetiva prestadora do serviço (Carf, CSRF, acórdão 9101003.308);
(ii) indedutibilidade das despesas decorrentes de operações com debêntures, oferecidas e subscritas exclusivamente pelos sócios da empresa, mediante simples conversão de valores a eles devidos pela própria pessoa jurídica, e sem previsão de remuneração fixa por meio de juros, mas tão somente com remuneração atrelada aos lucros da empresa, em percentual substancial (Carf, CSRF, acórdão 9101003.310);
(iii) remessa ao exterior entre empresas do mesmo grupo econômico não configura reembolso de despesas por simples acordo informal, eis que a controlada prestou serviços, não se tratando de recuperação de custos (Carf, CSRF, acórdão 9101003.377);
(iv) inaplicabilidade de multa isolada de 50% na hipótese de compensação reconhecida como indevida realizada por meio de DCTF (Carf, CSRF, acórdão 9101003.624);
(v) dedutibilidade das despesas com a aquisição de material de campanha de vendas e de propaganda de novos produtos, como folders, panfletos e revistas entregues às revendedoras, com informações destinadas, em última instância, ao auferimento de receitas, como também a desnecessidade de que aquelas com amostras somente sejam dedutíveis caso conste CPF na nota fiscal (Carf, CSRF, acórdão 9101003.614);
(vi) a dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL dos dispêndios com prêmio na aquisição de debêntures, a despesa somente será dedutível quando for necessária à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora de receitas, e desde que seja usual ou normal no tipo de operações ou atividades (Carf, CSRF, acórdão 9101003.629);
(vii) é de vício de natureza material do lançamento aquele que atinge aspecto material da hipótese de incidência tributária, não havendo que se falar em nova contagem de prazo decadencial para eventuais novos lançamentos de ofício visando corrigir o erro (Carf, CSRF, acórdão 9101003.716);
(viii) o arbitramento de lucros, por desclassificação da escrita contábil, é procedimento que exige a prévia intimação do contribuinte de forma clara e objetiva, concedendo-lhe prazo razoável para a sua regularização (Carf, CSRF, acórdão 9101003.644);
(ix) aplicabilidade do instituto da denuncia espontânea (artigo 138 CTN) na hipótese de compensação (Carf, CSRF, acórdão 9101003.687);
(x) indedutibilidade do pagamento de multas por descumprimento de normas regulatórias (Carf, CSRF, acórdão 9101003.876);
(xi) reconhecimento aos incentivos fiscais de ICMS a natureza de subvenção para investimento, nos termos da Lei Complementar 160/2017, com a publicação, registro e depósito do incentivo estadual, inexistindo necessidade de outros requisitos (Carf, CSRF, acórdão 9101003.841);
(xii) inaplicabilidade do artigo 24 da LINDB (Carf, CSRF, processo 10600.720035/2014-67);
(xiii) legitimidade da transferência do investimento com ágio, notadamente quando existentes restrições societárias e regulatórias que orientaram a criação de empresa “veículo” (Carf, CSRF, acórdão 9101-003.609);
(xiv) o parágrafo 3º do artigo 18 da Lei 9.430/1996 veda que o cálculo do preço parâmetro pelo método PRL utilize preços praticados pela empresa com compradores vinculados, sendo que o artigo 23 da mesma Lei define as hipóteses de vinculação, estabelecendo um requisito de ordem territorial: a sede da pessoa vinculada deve ser no exterior, de tal sorte que compradores brasileiros, ainda que pertencentes ao grupo econômico do contribuinte, não são considerados vinculados para fins de aplicação do artigo 18 daquela Lei (Carf, CSRF, acórdão 9101-003.601);
(xv) quanto aos preços de transferência, o sujeito passivo poderá adotar como preço parâmetro, calculado segundo as regras relativas ao método dos Preços Independentes Comparados (PIC), aquele indicado em pesquisa efetuada por empresa ou instituição de notório conhecimento técnico, ou em publicação técnica, desde que em tal pesquisa ou publicação sejam indicados o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem encontrada, bem como identifiquem, por empresa, os dados coletados e trabalhados (Carf, CSRF, acórdão 9101-003.343).
Lembramos que, por obvio, a 1ª Turma julgou outros temas relevantes, todavia, mantiveram posicionamento já firmado durante o ano de 2016 e 2017, como o caso do ágio, limitação dos prejuízos, preço de transferência, lucros no exterior e juros sobre capital próprio, entre outros.
Por outro lado, a 2ª Turma da Câmara Superior enfrentou alguns temas previdenciários, assim decidindo[3]:
(i) a empresa deve comprovar a sua regularidade perante o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) para que não incidam contribuições sociais sobre a alimentação fornecida mediante tíquetes aos seus empregados, somente se aplicando o Ato Declaratório PGFN 03/2011 no fornecimento in natura (Carf, CSRF, acórdão 9202006.223);
(ii) os valores relativos a assistência médica integram o salário de contribuição, quando os planos e as coberturas não são igualitários para todos os segurados (Carf, CSRF, acórdão 9202006.484);
(iii) independentemente do fato do cliente pagar a comissão diretamente ao corretor de imóveis, comprovando-se a existência de vinculo de trabalho deste para com a imobiliária, é esta que deve responder pelas obrigações tributárias decorrentes do serviço prestado (Carf, CSRF, acórdão 9202006.519);
(iii) a contribuição ao Senar, destinada ao atendimento de interesses de um grupo de pessoas; formação profissional e promoção social do trabalhador rural; inclusive financiada pela mesma categoria, possui natureza de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas, em sua essência jurídica, destinada a proporcionar maior desenvolvimento à atuação de categoria específica, portanto inaplicável a imunidade das receitas decorrentes da exportação (Carf, CSRF, acórdão 9202006.510);
(iv) incide contribuição previdenciária sobre o valor da comercialização de produto rural com empresas comerciais exportadoras, ainda que com o fim específico de exportação, inaplicando a imunidade constitucional prevista no inciso I do parágrafo 2º do artigo 149 da CF/1988 (Carf, CSRF, acórdão 9202006.590);
(v) valores pagos pela contribuinte a título de aluguel e condomínio de imóveis para o uso de seus funcionários em razão do trabalho devem ser comprovadamente desta natureza, caso contrário ensejam a incidência de contribuições previdenciárias (Carf, CSRF, acórdão 9202006.506);
(vi) não se enquadra como agroindústria o produtor rural pessoa jurídica que, além da atividade rural, exercer, de forma preponderante, outra atividade econômica autônoma, seja comercial, industrial ou de serviços (Carf, CSRF, acórdão 9202006.911);
(vii) deficiência na descrição dos requisitos ensejadores da relação de emprego consiste em insuficiência de motivação que, em não havendo a possibilidade de complementação, enseja a anulação do lançamento por vício formal (Carf, CSRF, acórdão 9202007.304);
(viii) o rol descrito na instrução normativa da Receita Federal quanto às hipóteses de comprovação do termo inicial para contagem da decadência não possui caráter taxativo, mas, sim, exemplificativo, podendo o sujeito passivo demonstrar o término da obra por meio de outros documentos que não os descritos na norma (Carf, CSRF, acórdão 9202-007.025);
(ix) a descrição prevista no artigo 28, parágrafo 9º, “t” da lei 8212/91, admite a interpretação de que a educação superior estaria abrangida nos cursos de capacitação ou mesmo qualificação profissional até a edição da Lei 12.513, de 2011, que alterou o dispositivo, devendo a autoridade fiscal apresentar o descumprimento da extensão a todos ou da desvinculação das atividades na empresa para respaldar o lançamento (Carf, CSRF, acórdão 9202-006.578).
Da mesma forma, também se posicionou em outros assuntos da seguinte maneira:
IRPF
(a) impossibilidade de se alterar o critério do lançamento quanto à omissão de atividade rural para se tributar pela Lei n. 8.023 e não art. 42, da Lei n. 9.430/9 (Carf, CSRF, AC. 9202006.826);
(b) – Comprovada a origem dos depósitos bancários no curso do procedimento fiscal, ou seja, antes da constituição do crédito tributário, caberá à Fiscalização aprofundar a investigação para submetê-los, se for o caso, às normas previstas no art. 42 da Lei n° 9.430/1996. Por outro lado, se o contribuinte fizer a prova da origem após a autuação, na fase do contencioso administrativo, a presunção do art. 42 da Lei nº 9.430/1996 somente é elidida com a comprovação, inequívoca, de que os valores depositados não são tributáveis (Carf, CSRF, Ac. 9202007.233);
(c) – nas vendas a prazo o fato gerador do Imposto de Renda se realiza com o efetivo pagamento da parcela acordada pelas partes, devendo este ser considerado como termo inicial para contagem do prazo decadencial (Carf, CSRF, Ac. 9202007.154);
(d) – inaplicável ao caso o Enunciado de Súmula Carf n.º 98, pois as regras contidas no direito de família regentes do tema têm como finalidade resguardar o sustento (alimentação) daquelas pessoas que, em virtude de um vínculo de parentesco, cônjuge ou companheiro, diante de um fato jurídico, seja ele o divórcio ou a dissolução da união estável, ficam em situação de vulnerabilidade, pois a pensão alimentícia descrita na norma é, por uma interpretação lógica e sistemática jurídica, a decorrente de uma obrigação legal e não a decorrente de mera liberalidade (Carf, CSRF, AC. 9202-007.119).
Por fim, a 3ª Turma da Câmara Superior julgou diversos assuntos, em especial, quanto ao PIS/Cofins no regime não cumulativo reconheceu diversos créditos, entre eles:
Frete entre estabelecimentos da mesma empresa de produtos acabados e matérias-primas destinadas ao processo produtivo (Carf, CSRF, AC. 9303006.218);
Uniforme, vestuário, equipamento de proteção individual, combustíveis e lubrificantes (Carf, CSRF, AC. 9303006.223);
Somente dão direito a crédito no âmbito do regime da não cumulatividade os valores gastos com o consumo de eletricidade, não sendo considerados créditos os valores pagos a outro título as empresas concessionárias de energia elétrica. (Carf, CSRF, AC. 9303006.629);
Pela peculiaridade da atividade econômica que exerce, são imprescindíveis à indústria fonográfica a aquisição de direitos autorais para a produção de suas obras, razão pela qual devem ser reconhecidos como insumos (Carf, CSRF, Ac. 9303006.604);
Locação de máquinas e equipamentos (Carf, CSRF, Ac. 9303006.730);
os gastos com corretagem nas operações de aquisição de café (Carf, CSRF, Ac. 9303007.291);
Insumos utilizados na fase agrícola de atividade agroindustrial (Carf, CSRF, Ac. 9303007.535); arrendamento de imóvel rural (Carf, CSRF, Ac. 9303007.535);
As revendas, por distribuidoras, de produtos sujeitos à tributação concentrada (monofasia), ainda que as receitas sejam tributadas à alíquota zero, possibilitam desconto de créditos relativos a despesas com armazenagem e frete nas operações de venda (Carf, CSRF, Ac. 9303007.500);
Despesas com fretes para a transferência/transporte de produtos acabados entre os estabelecimentos do contribuinte, destinados à exportação, inclusive, para a formação de lote (Carf, CSRF, Ac. 9303007.286);
Frete na aquisição de insumo com alíquota zero (Carf, CSRF, Ac. 9303007.562);
Por serem imprescindíveis à existência, funcionamento, aprimoramento e à manutenção do complexo processo produtivo da plataforma petrolífera destinada à venda, que constitui o objeto do mister social da Recorrente, as locações de serviços técnicos tercerizados prestados por pessoas jurídicas domiciliadas no país e habilitadas a presta-los, se inserem no conceito de insumo, assim como seus custos se inserem obrigatoriamente no custo do produto final (plataforma petrolífera) destinada à venda (Carf, CSRF, AC. 9303-006.083);
Seja a empresa industrial ou comerciante, há direito ao creditamento, na venda a clientes finais, o frete, quando suportado pelo vendedor, sendo que se utilizando de frota própria, estão aí abrangidas as despesas com manutenção dos veículos e do combustível utilizado (Carf, CSRF, AC. 9303-005.902);
As embalagens, ainda para transporte (desde que não retornáveis), essenciais à garantia da integridade de seu conteúdo (Carf, CSRF, AC. 9303-005.938),
De outra parte negou créditos no regime não cumulativo, como por exemplo:
Não é possível a concessão de créditos sobre despesas com manutenção predial, pois nem são insumos de produção e nem são encargos de depreciação (Carf, CSRF, AC. 9303006.595);
Excetuados os gastos com disposição legal específica, apenas os bens e serviços empregados no processo produtivo e que não se incluam no ativo permanente dão direito ao crédito sobre o valor de suas aquisições, empresas dedicadas à atividade comercial não podem tomar créditos do regime não cumulativo sobre gastos com: i) embalagens (fitas adesivas incluídas nas vendas feitas pela internet); ii) combustível e manutenção de empilhadeiras utilizadas na revenda de mercadorias: iii) encargos de amortização de despesas pré operacionais, caracterizadas pela ativação de juros pagos em contrato de financiamento firmado com o BNDES para a construção de edificação; iv) taxas pagas às administradoras de cartões de crédito. (Carf, CSRF, AC. 9303006.689);
Despesas e custos decorrentes de serviços de apoio administrativo, serviços gerais, gastos com pessoal e diversos, remuneração e participação nos resultados pagos a inativos da diretoria (Carf, CSRF, AC. 9303005.528);
As despesas com o frete contratado para promover a transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica não geram créditos (Carf, CSRF, AC. 9303005.527);
Gastos com embalagens de acondicionamento, que incorporam as embalagens dos produtos produzidos, referem-se à comercialização, fase posterior à de produção. (Carf, CSRF, AC. 9303006.833);
Veículos são bens identificados e classificados em capítulo próprio, separadamente das máquinas, de modo que somente as despesas com o aluguel de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica e utilizados nas atividades da empresa, dão direito à apropriação de créditos para o contribuinte (Carf, CSRF, Ac. 9303006.864).
Ademais com relação à noção de receita e hipótese de exclusão da base de cálculo para PIS/Cofins, decidiu:
(i) os recebimentos de Notas de Crédito como decorrentes de ajustes nos preços dos fornecimentos à contribuinte para garantir sua rentabilidade/lucratividade se classificam como receitas operacionais (Carf, CSRF, AC. 9303006.245);
(ii) os valores oriundos de reembolso de despesas, quando o seu pagamento for responsabilidade da própria pessoa jurídica reembolsada, devem ser incluídos na base de cálculo do PIS/Pasep não cumulativo (Carf, CSRF, AC. 9303006.228);
(iii) – não integram a base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins não cumulativos os valores relativos aos incentivos fiscais concedidos pelos Estados da Federação à pessoa jurídica, sob a forma de ICMS diferido;
(iv) – utilização da suspensão da incidência do PIS/Cofins de que trata o art. 9º da Lei 10.925/04, desde 1º de agosto de 2004, nos termos do art. 17, inciso III, da referida Lei (Carf, CSRF, Ac. 9303007.547);
(v) – hipótese de venda de bens imóveis ou direitos a eles relativos, integra o faturamento (receita bruta) mensal, base de cálculo para a incidência da contribuição devida à Cofins, o valor total da receita auferida no mês da efetivação das vendas à vista e/ou a prazo (em prestações ou em outras modalidades de pagamento), de conformidade com o instrumento público ou particular de compra e venda ou de promessa de compra e venda (Carf, CSRF, Ac. 9303007.697);
(vi) – os repasses efetuados ao Fundo de Estabilidade do Seguro Rural FESR não se confundem com a constituição de provisões ou reservas técnicas, assim como as contribuições para o Consórcio Brasileiro de Riscos Nucleares CBRN, com o cosseguro ou o resseguro, inexistido possibilidade de exclusão da base (Carf, CSRF, Ac. 9303006.235).
Tem-se, assim, alguns precedentes relevantes do Carf por meio de sua Câmara Superior que merecem destaque no ano de 2018, sem qualquer pretensão de exaustão, sem deixar de lembrar que houve ainda a aprovação de 21 novas Súmulas.
[1] https://www.conjur.com.br/2016-dez-27/retrospectiva-decisoes-relevantes-Carf-2016
[2] https://www.conjur.com.br/2018-jan-03/royalties-creditos-pisconfins-destaques-Carf
[3] Alguns julgamentos não serão mencionados por tratarem de temas como PLR, bônus, stock e Funrural, entre outros sem modificação ou novidade na jurisprudência firmada.
Por Fábio Pallaretti Calcini
Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.
Revista Consultor Jurídico, 14 de janeiro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2019-jan-14/fabio-calcini-decisoes-relevantes-carf-ano-2018