O revisionismo afobado parece ter se tronado esporte nacional. Convém recordarmos a gênese da Lei n° 12.973, de 2014, o atual marco do IRPJ e que incorpora as normas juscontábeis.
Circula em fóruns especializados, um rascunho de proposta de alteração na legislação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). Nessa proposta não são tratadas a redução da alíquota ou a tributação de dividendos, mas, se pretende mudar a relação entre tributação e normas contábeis.
A ideia colocada é a implementação do que se chamou de “resultado fiscal”, isto é, um lucro apurado de acordo com as normas tributárias, diferente, portanto, daquele apurado pelo direito contábil. Parece uma volta ao tempo do FCont: existência de duas contabilidades. Impressiona, além do conteúdo, o argumento de que seria essa uma forma de simplificar a apuração do IRPJ.
O revisionismo afobado parece ter se tronado esporte nacional. Convém recordarmos a gênese da Lei n° 12.973, de 2014, o atual marco do IRPJ e que incorpora as normas juscontábeis.
A partir de 2008, o marco regulatório da contabilidade no Brasil passou a ser os International Financial Reporting Standards (IFRS). Dada a mudança (revolução?) tanto nas ciências contábeis quanto nas ciências jurídicas, foi necessário o período de transição de sete anos para que a legislação tributária estivesse adaptada ao “novo” padrão contábil.
E o trabalho feito pela Receita Federal em conjunto com especialistas da sociedade civil, desde a Medida Provisória 627 até sua conversão na Lei 12.973, foi primoroso e bastante rigoroso tecnicamente. A conclusão desse trabalho coroou a experiência de mais de trinta anos do Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur), mantendo as demonstrações financeiras como única e para efeitos de direito empresarial (societário, contratual, trabalhista, administrativo), e os ajustes necessários à apuração da base de cálculo dos tributos sobre o lucro (IRPJ e CSLL) em livros próprios. Não sem algum embate interno, venceu a ideia de manter os ajustes tributários em livro próprio e apartado da escrituração contábil.
Agora, esse embate parece voltar: como dito, a mais nova proposta, ao que tudo indica, apresentada nas fileiras da Receita, pretende recriar dois controles contábeis. Seria quase como um terceiro turno na eleição da política tributária ocorrido no ainda recente ano de 2014 (haja vista que o lançamento do primeiro ano de adoção da Lei 12.973 está em vias de prescrever).
A elaboração de duas contabilidades, uma para fins empresariais e outra para fins tributários, traz uma série de prejuízos, dos quais cito apenas alguns:
- Dúvida quanto ao valor a ser distribuído a título de dividendos;
- Necessidade de duas estruturas digitais;
- Insegurança sobre o que compõe o “resultado fiscal”.
O mais importante, contudo, é a distinção entre o que é riqueza para os empresários e para os demais stakeholders. Ou seja, o que eles percebem como riqueza, e o que é riqueza para fins tributários.
Essa segregação de um único conceito (renda) implica questionamento jurídico de várias ordens, inclusive constitucional. Portanto, o melhor é seguirmos na tradição do Lalur.
FONTE: Valor Econômico – Por Edison Fernandes – 17 de julho de 2019