RETENÇÃO DOS VEÍCULOS. ART. 75, § 1º, DA LEI 10.833/2003. CONDICIONAMENTO DA DEVOLUÇÃO DOS VEÍCULO AO PAGAMENTO DE MULTA. AFASTAMENTO DO ART. 75, § 1º, DA LEI 10.833/2003, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, COM BASE NAS SÚMULAS 323 E 547 DO STF, SEM OBSERVÂNCIA DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA SÚMULA VINCULANTE 10/STF. AGRAVO INTERNO PROVIDO, PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. I. Na hipótese dos autos, trata-se, na origem, de Mandado de Segurança, no qual se impugna a aplicação de multa e a retenção de dois ônibus de propriedade da impetrante, em decorrência de estarem transportando mercadorias estrangeiras, destituídas de documentação comprobatória de ingresso regular no território nacional, nos termos da Lei 10.833/2003. Constam da petição inicial, como causas de pedir, de um lado, a arguição de ilegalidade da retenção dos ônibus da impetrante, por suposta ofensa aos arts. 270, § 5º, da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e 84, parágrafo único, do Decreto 2.521/98 (que dispõe sobre a exploração, mediante permissão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros), e, de outro lado, a arguição de inconstitucionalidade do art. 75 da Lei 10.833/2003, por suposta ofensa aos arts. 5º, LIV, e 150, IV, da Constituição Federal e aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Na inicial requereu-se, expressamente, “seja declarada a inconstitucionalidade do art. 75 e seus parágrafos, da Lei 10.833, de 2003, por violação aos artigos 5º, inciso LIV e 150, inciso IV, todos da Constituição da República”, inclusive ao fundamento de a “retenção do veículo da Impetrante ter sido realizada com o objetivo de garantir o pagamento de multa”. Após o regular processamento do feito, sobreveio a sentença, na qual foi denegada a segurança. Interposta Apelação, o Tribunal de origem deu parcial provimento ao aludido recurso, para manter a multa, mas determinar a liberação dos veículos apreendidos. Opostos Embargos de Declaração, foram eles rejeitados. No Recurso Especial, a Fazenda Nacional sustentou a existência de omissão, não suprida pelo Tribunal de origem. Alegou que o Tribunal de origem “incorreu em vício de procedimento, ignorando o direito ao procedimento adequado, subvertendo o procedimento demarcado formalmente na Constituição Federal para declaração da inconstitucionalidade de leis, afrontando o direito ao devido processo legal, assegurado no art. 5º inciso LIV da Constituição Federal/88”. Asseverou que o transporte irregular de mercadorias é causa suficiente para a aplicação da multa, prevista no art. 75 da Lei 10.833/2003, sendo prevista, no § 1º do mesmo dispositivo, a medida de retenção do veículo utilizado para o transporte dos produtos, até o pagamento da multa aplicada ou o provimento do recurso administrativo porventura interposto. Na decisão agravada foi negado provimento ao Recurso Especial, com fundamento no art. 932, IV, a, do CPC/2015, ao entendimento de que: a) ausente ofensa ao art. 535 do CPC/73, “pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida”; b) a reforma do aresto recorrido exigiria “incursão no contexto fático-probatório dos autos, defeso em recurso especial, nos termos do enunciado 7 da súmula desta Corte de Justiça”. Foi interposto o presente Agravo interno, no qual a Fazenda Nacional defende a inaplicabilidade da Súmula 7/STJ e a necessidade de observância da Súmula Vinculante 10/STF. II. No caso, as circunstâncias fáticas da causa estão claramente delineadas, no acórdão impugnado pelo Recurso Especial. Não há dúvida ou questionamento quanto à ocorrência do transporte de mercadorias de procedência estrangeira, sujeitas a pena de perdimento, ainda que tenha ocorrido a identificação dos passageiros como proprietários dessas mercadorias, o que ensejou a aplicação da multa, prevista no art. 75 da Lei 10.833/2003, bem como a retenção dos veículos de propriedade da empresa impetrante, até o pagamento da sanção. Conclui-se, do quadro apresentado, que a pretensão deduzida no Recurso Especial – o reconhecimento da alegada legitimidade da retenção dos veículos – não demanda reexame de provas, mas discussão de tese jurídica, devendo ser afastada a aplicação da Súmula 7 desta Corte ao caso. III. In casu, a multa foi aplicada em razão de estarem as mercadorias, transportadas nos veículos de propriedade da agravada, sujeitas à pena de perdimento, tendo em vista suas características e quantidade, conforme destacado no voto condutor do acórdão exarado pelo Tribunal de origem: “No caso concreto, o termo de retenção e lacração do veículo descreve que os ônibus apreendidos transportavam ‘mercadorias de procedência estrangeira sem prova de introdução regular no país, em quantidades e características externas que revelavam destinação comercial’ (fl. 62), restando clara, portanto, a regularidade da aplicação da multa, ainda que tenha ocorrido a identificação de passageiros como proprietários dos volumes”. Por outro lado, o § 1º do art. 75 da Lei 10.833/2003 é expresso ao prever que, “na hipótese de transporte rodoviário, o veículo será retido, na forma estabelecida pela Secretaria da Receita Federal, até o recolhimento da multa ou o deferimento do recurso a que se refere o § 3º”. Ocorre que, ao afastar a incidência do § 1º do art. 75 da Lei 10.833/2003, o órgão fracionário do Tribunal de origem o fez apenas com fundamento nas Súmulas 323 (“É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”) e 547 do STF (“Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”), ou seja, afastou a aplicação do art. 75, § 1º, da Lei 10.833/2003, sem declarar expressamente a sua inconstitucionalidade. Não obstante a aplicação dos aludidos enunciados sumulares do STF, impõe-se a conclusão de que, diante da arguição de inconstitucionalidade do art. 75 da Lei 10.833/2003 – oportunamente suscitada, tanto na petição inicial, quanto na Apelação –, deveria a Corte a quo ter observado o procedimento previsto no art. 97 da Constituição Federal, segundo o qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. No mesmo sentido o teor da Súmula Vinculante 10 do STF: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Precedente, em caso idêntico: STF, AI-AgR 849.152, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJe de 07/03/2012. IV. Agravo interno provido, para dar parcial provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional, tão somente para que seja submetida a arguição de inconstitucionalidade do art. 75, § 1º, da Lei 10.833/2003 ao órgão competente do Tribunal de origem. AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.584.669 – SP, DJ 04/02/2019.