Em novembro de 2018, foi publicada nesta coluna um artigo de minha autoria, no qual tratei da impropriedade do estado de Minas Gerais exigir a complementação do ICMS/ST, nos casos de venda de mercadoria em valor superior àquele presumido. A pretensão constava no Decreto 47.530/18, que, embora revogado pelo Decreto 47.547/18, foi reproduzida por esta nova legislação.
Na ocasião, a conclusão foi no sentido de ser descabida a cobrança complementar do imposto, pois o regime jurídico da substituição tributária progressiva, delineado no artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição Federal, prevê somente a possibilidade de restituição do imposto em favor do contribuinte – inclusive a restituição parcial, conforme decidido pelo STF no Recurso Extraordinário 593.849/MG. Este dispositivo não autoriza a complementação.
Outro ponto controverso da nova legislação estadual, diz respeito ao procedimento que o contribuinte deve observar para que obtenha a restituição do ICMS/ST, nos casos de preço de venda inferior ao preço presumido. Este tema será analisado adiante, em contraposição à garantia contida no mesmo dispositivo constitucional referido acima, segundo a qual, para indébitos ocorridos na sistemática da substituição tributária, deve ser “assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga”.
Até o final de 2017, o Regulamento do ICMS/MG previa três formas de restituição do imposto indevidamente pago via substituição tributária (artigo 24[1]): ressarcimento do crédito junto ao sujeito passivo por substituição, abatimento do crédito com imposto devido pelo próprio contribuinte a título de substituição e creditamento na escrita fiscal.
Para operações envolvendo combustível derivado de petróleo, havia previsão específica no sentido de que o ressarcimento do ICMS/ST deveria ser efetivado junto ao fornecedor da mercadoria (parágrafo 1º do artigo 24[2]).
Na realidade dos postos de combustíveis, por exemplo, a opção legislativa era a mais acertada, na medida em que as duas primeiras formas de restituição praticamente inviabilizariam a devolução do crédito. De fato, considerando-se que os combustíveis estão inseridos no regime da substituição tributária progressiva, no qual o ICMS é recolhido antecipadamente pelas refinarias ou pelos distribuidores, os postos, na qualidade de revendedores varejistas, não apuram o ICMS na venda dos combustíveis. Portanto, não têm débitos de ICMS próprio, ou débitos de ICMS/ST, para que possam ser compensados com os créditos de ICMS/ST.
Daí a adequação da terceira forma de restituição. Nela, o contribuinte substituído (varejista) obtém a restituição do ICMS/ST junto ao fornecedor, através da emissão de uma nota fiscal, tendo este como destinatário. O fornecedor, por sua vez, recupera o respectivo valor perante o Estado, mediante o lançamento do crédito na escrita fiscal. Na condição de grandes contribuintes do ICMS, as refinarias/distribuidoras sempre têm débitos para serem abatidos.
Como se pode notar, este procedimento previsto para a efetivação da restituição prestigiava a regra constitucional que assegura a imediata a preferencial devolução do imposto indevidamente pago via substituição.
Ocorre que, desde a edição do Decreto 47.530/18 (sucedido pelo Decreto 47.547/18), o RICMS/MG passou a prever que, especificamente para o crédito que tiver como fundamento o valor de venda inferior à base presumida, a restituição do ICMS/ST deve ser feita unicamente por meio de abatimento do imposto devido pelo contribuinte a título de substituição tributária. Segue a nova previsão do Regulamento:
Art. 31-C – Nos casos em que o fato gerador se realizar por um valor inferior ao da base de cálculo presumida do ICMS ST, o contribuinte que houver praticado a operação interna de circulação da mercadoria a consumidor final fará jus à restituição, observado o disposto nesta subseção.
(…)
§ 4º – O valor apurado nos termos do caput ou dos §§ 1º e 2º será restituído por meio do abatimento do imposto devido pelo próprio contribuinte a título de substituição tributária, observadas as condições estabelecidas nesta subseção.
A legislação ainda prevê que na hipótese do contribuinte apurar saldo credor de ICMS/ST num determinado período, este saldo “poderá ser utilizado nos períodos subsequentes”.
No entanto, como já referido acima, para determinados segmentos, como o comércio varejista de combustível, os contribuintes substituídos não têm débitos de ICMS/ST para serem compensados com seus créditos. Portanto, é certo que sempre haverá saldo credor. E a transposição do crédito para períodos seguintes, obviamente, não atende ao mandamento constitucional da restituição ser imediata e preferencial.
Dessa forma, a prevalecer a legislação atual, o contribuinte irá acumular saldo credor por indefinidos períodos e não terá a disponibilidade econômica sobre um crédito que, por força da Constituição, deveria lhe ser entregue imediatamente.
Analisando situação similar à presente, o TJ-SP já demonstrou de forma clara porque a utilização do crédito, somente pelo próprio contribuinte substituído, não atende ao comando constitucional de que a restituição deve ser imediata[3]:
Na prática as empresas substituídas, em regra, não realizam qualquer outro tipo de operação (todas submetidas à antecipação), de forma que quando conquistam créditos do imposto, não possuem forma ou condição para COMPENSA-LOS com débitos. Assim, imperiosa a concessão e reconhecimento do direito à TRANSFERÊNCIA para terceiros, vez que INEXISTE caminho para a restituição em pecúnia.
Assim, a TRANSFERÊNCIA de CRÉDITO foi a forma utilizada para que o fisco estadual cumprisse a determinação constitucional relativa à “preferencial restituição”. A transferência por óbvio também deve atender ao requisito constitucional, deve ser PREFERENCIAL, ou seja, deve ser apta a recompor contemporaneamente a perda que o contribuinte experimentou ao arcar com tributo maior do que o efetivamente devido.
Sabe-se que a Lei 6.763/75, que consolida a legislação tributária do estado, autoriza o Executivo a estabelecer forma de ressarcimento do ICMS/ST distinta da regra geral[4]. Porém, esta previsão não é uma carta branca. A Constituição, ao tratar da substituição tributária progressiva, prevê de forma categórica que deve ser imediata e preferencial a restituição da quantia paga, caso não se realize o fato presumido. Disso se conclui que não pode haver substituição, sem a restituição imediata. Em outras palavras, só se admite a cobrança antecipada do imposto se for assegurada a devolução preferencial da antecipação feita à maior.
A cláusula de restituição imediata, portanto, é elemento que integra o instituto da substituição tributária progressiva. E esta garantia é perfeitamente justificável, pois visa afastar uma tributação indevida caracterizada pelo confisco. Não se trata de um crédito escritural acumulado pelo contribuinte em função de sua atividade econômica, ou de um pagamento indevido decorrente de mero erro contábil. O indébito nasce de uma imposição do estado, que não raras as vezes abusa ao fixar as MVA/PMC.
Fica absolutamente claro, à vista do exposto, que o Estado busca se furtar à satisfação de um direito assegurado aos contribuintes e que foi reafirmado pelo Supremo; primeiro, ameaçando os contribuintes de cobrar-lhes a complementação; após, simplesmente inviabilizando a restituição.
Não obstante, são consistentes os argumentos para questionar judicialmente a nova legislação.
[1] “Art. 24. O valor do imposto poderá ser restituído mediante:
– ressarcimento junto a sujeito passivo por substituição inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS deste Estado;
II – abatimento de imposto devido pelo próprio contribuinte a título de substituição tributária;
III – creditamento na escrita fiscal do contribuinte.”
[2] “§ 1° Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, em se tratando de combustível derivado de petróleo, o ressarcimento será efetivado junto ao fornecedor da mercadoria.”
[3] Apelação Cível 299.604-5/2-00, relator desembargador Venício Salles, 1ª Câmara de Direito Público, julgado em 30/05/2006.
[4] Protocolo de pedido de restituição, que, não sendo decidido em 90 dias, permite o creditamento do valor – artigo 22, parágrafos 13 e 14.
Por Leandro Araújo Guerra
Leandro Araújo Guerra é sócio do Araújo Guerra Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2019.
https://www.conjur.com.br/2019-fev-04/opiniao-restituicao-icmsst-minas-gerais-capitulo