Ementa
ITCMD – Doação de imóvel público a empresa privada, com encargos – Base de cálculo.
I. A base de cálculo para apuração do ITCMD é o valor venal dos bens, que corresponde ao efetivo valor de mercado do imóvel, não podendo ser inferior ao valor fixado para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU (inciso I do artigo 13 da Lei 10.705/2002), quando se tratar de imóvel urbano, considerado na data da realização do ato ou contrato de doação, sem incluir o valor de edificações construídas pelo donatário após a doação.
Relato
1. A Consulente, que tem como atividade principal registrada no Cadastro de Contribuinte de ICMS do Estado de São Paulo (CADESP) a “fabricação de ferramentas” (código 25.43-8/00 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE), relata que recebeu em doação da Prefeitura do Município onde está localizada um lote de terreno sem benfeitorias e que, em novembro de 2021, a Prefeitura autorizou a outorga da escritura pública definitiva para a empresa donatária, por meio de edição de Lei Municipal.
2. Esclarece que, entretanto, ao comparecer ao Tabelionato de Notas para lavrar a escritura pública, foi informada de que o ITCMD deveria ser recolhido tendo como base de cálculo o valor venal total do imóvel, ou seja, a soma do valor venal territorial e do valor venal predial.
3. Dessa forma, discordando do entendimento do Tabelionato de Notas e alegando que recebeu em doação apenas o lote de terreno sem benfeitorias, e não a construção, solicita orientação tributária acerca da correta base de cálculo a ser utilizada no caso concreto, considerando o artigo 9º da Lei nº 10.705/2000.
4. Em seu entender, a correta base de cálculo para apuração do ITCMD é o valor venal do bem, que corresponde ao efetivo valor de mercado do imóvel, não podendo ser inferior ao valor fixado para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU (inciso I do artigo 13 da Lei nº 10.705/2002), quando se tratar de imóvel urbano, considerado na data da realização do ato ou contrato de doação, sem incluir o valor de edificações construídas pelo donatário após a doação.
5. Registre-se que foram anexadas, eletronicamente, a esta Consulta, cópias do termo de compromisso de doação de terreno firmado entre a prefeitura e a Consulente, da lei municipal que dispõe sobre a outorga de escritura definitiva a empresa, da certidão de registro de imóvel do terreno em questão, do habite-se e da certidão negativa de débitos.
Interpretação
6. Inicialmente, ressalta-se que, de acordo com o caput do artigo 541 do Código Civil, a doação, regra geral, deve ser efetuada por escritura pública ou instrumento particular.
7. Contudo, quando a doação for de bens públicos, e, portanto, realizada pela Administração Pública, não deve se sujeitar unicamente às regras de direito privado, origem do instituto, mas sim, a uma mescla entre o público e o privado, uma vez que, nesse caso, o interesse público deve prevalecer sobre o interesse particular. Nesse sentido, a Administração Pública, ao realizar doação de bens públicos, deve observar requisitos e condições específicas que envolvem os atos/contratos efetuados por entes públicos, inclusive a autorização legislativa.
8. Assim, para se efetivar a doação, autorizada por lei, é necessário um instrumento que exterioriza a doação (ex: escritura pública, instrumento particular ou qualquer outro ato administrativo que, nos termos da legislação administrativa, tenha esse condão).
9. Nesse sentido, tendo em vista o relato e as cópias dos documentos apresentados, entende-se que a doação em tela foi realizada da seguinte forma: foi celebrado entre a prefeitura e a Consulente um termo de compromisso de doação, com encargos, do referido imóvel com fundamento em uma lei municipal de 2011; posteriormente foi promulgada uma lei específica autorizando a outorga da escritura definitiva do imóvel à Consulente.
10. Isso posto, em relação à questão em tela, é necessário registrar ainda que é entendimento antigo e reiterado deste órgão que, em relação à doação de bem imóvel, ocorre o fato gerador do ITCMD no momento da celebração do ato ou contrato da doação. Isso não quer dizer, todavia, que o registro de imóveis seja irrelevante para que a transmissão não onerosa de bem imóvel por ato inter vivos se aperfeiçoe e, assim, seja definitivamente devido o ITCMD a ele relativo.
11. Com efeito, é cediço que, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, a transferência entre vivos do direito de propriedade de bens imóveis se dá mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. No entanto, para que essa transferência se concretize ela é necessariamente precedida de diversos atos solenes cujas ocorrências se dão em momentos distintos.
12. Portanto, ainda que a transmissão da propriedade do bem imóvel apenas se efetive com o registro do título translativo no Registro de Imóveis, e a partir desse ato seja oponível a terceiros, o direito subjetivo à transferência do imóvel surge em momento anterior a ela. Isso é, ainda que a transferência se concretize com o registro, esse é precedido de uma relação obrigacional já vinculante entre as partes. Tanto assim que o que se registra é justamente o título translativo. Logo, é em momento anterior ao registro que nasce o direito subjetivo à transação, ainda que esse não seja oponível a terceiros; ao registro cabe efetivar a transferência da propriedade, dando publicidade ao ato, transmutando-se, assim, o direito subjetivo em direito real com efeitos erga omnes.
13. Sendo assim, a doação de bens imóveis é um negócio jurídico, composto por diversos atos, que se inicia com a formalização jurídica do contrato de doação e termina com a transmissão da propriedade do bem imóvel quando do registro.
14. Consequentemente, o signo presuntivo de riqueza passível de tributação pelo imposto relativo à doação de bem imóvel começa a tomar forma com a formalização jurídica do ato ou contrato da doação e se condensa posteriormente com o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
15. É nesse contexto que se constata o fundamento do legislador tributário paulista para eleger o ato ou contrato como o momento de ocorrência do fato gerador do ITCMD relativo à doação, mas o condicionando à efetivação daquele ato ou contrato que lhe deu causa.
16. Feita essas considerações, nota-se, no caso concreto, que o mencionado termo de compromisso de doação, efetuado após a autorização legislativa e antes da transcrição no registro de imóveis, corresponde ao ato ou contrato de doação, de que trata a Lei 10.705/2000, e a data de sua celebração e/ou publicação corresponde ao momento da ocorrência do fato gerador do ITCMD.
17. Portanto, com relação ao valor do bem imóvel transmitido, esclarecemos que, de fato e de direito, para fins de cálculo do ITCMD, deve ser sempre observado o valor de mercado do bem transmitido, não podendo ser inferior ao valor fixado para efeito de lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU (inciso I do artigo 13 da Lei 10.705/2002), quando se tratar de imóvel urbano, considerado na data da realização do ato ou contrato de doação (artigo 9º c/c artigos 10 e 11 da Lei 10.705/2000).
18. Assim, a base de cálculo do ITCMD não deve incluir valores correspondentes a edificações construídas pela própria Consulente, em momento posterior ao da realização do contrato de doação, devendo ser considerado o valor venal do bem imóvel à data desse contrato, compreendendo o terreno com eventuais edificações então existentes.