Já se passaram quase dois anos da repatriação legal de ativos no exterior (RERCT) e pareceu-nos conveniente levantar um balanço da situação daqueles que aderiram e dos que não o fizeram. Até o momento não se percebeu um movimento orquestrado das autoridades fiscais contra os aderentes e não aderentes, embora elas tenham acesso a diversas informações, para tal desiderato.
Continuam prevalecendo as pouquíssimas posições anteriores da jurisprudência administrativa, derivadas de esparsas autuações cuja fontes de informações foram as quebras de sigilos bancários do exterior nas “operações criminais coletivas”, como Banestado e HSBC. Entende-se que as provas dos depósitos têm que se originar de documentos referendados por autoridades públicas estrangeiras.
Há precedentes no sentido de que é imperativo que o depósito no exterior recaia em conta corrente bancária sob a titularidade da pessoa física, não se prestando conta de propriedade de offshore.
A Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) é o único documento obrigatório para evitar a penalização
Se o contribuinte fez a remessa ao exterior impõe-se identificar o destinatário para que seja caracterizado o acréscimo patrimonial a descoberto.
Ainda que se trate de depósitos no exterior, o rito de fiscalização deve ser idêntico ao de depósitos no Brasil, inclusive quanto à alocação mensal dos valores para apuração do valor tributável (IN SRF nº 246/02).
Os rendimentos financeiros no exterior são tributados no Brasil de forma semelhante aos daqueles produzidos internamente, ou seja, pelo regime de caixa, na medida em que realizados: dividendos e juros recebidos e investimentos resgatados. O Imposto de Renda (IRF) deve ser recolhido mensalmente, como se tivesse sido retido na fonte.
Os rendimentos de juros e dividendos produzidos no exterior não são tributados no Brasil, e existe um complexo cálculo exemplificativo da SRFB na Resposta nº 602/18 no site da instituição.
Àqueles que pretendam mudar de residência fiscal para o exterior convém que procedam às entregas da declaração de saída definitiva e última declaração de IRPF com baixa do CPF.
Ocorre que algumas pessoas físicas relutam em atender a essas formalidades, em face das dificuldades existentes, como por exemplo a necessidade de informar a todas as fontes pagadoras, designar um procurador com CPF registrado na Receita Federal e, pior, superar os obstáculos incompreensíveis impostos pelas instituições financeiras para transformar as contas bancárias de residentes para não residentes.
Devemos lembrar que a lei prevê que o ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no país. E que as alienações de ativos situados no Brasil, por não residentes, ainda que para outros não residentes, são aqui tributadas, por meio do procurador designado, que responde pela obrigação tributária.
A decisão de mudar definitivamente de residência deve considerar os impactos fiscais do país de destino. Por exemplo, uma pessoa física que recebe juros ou dividendos no Brasil e se muda para os Estados Unidos passará a tributar esses rendimentos naquele país, daí porque se recomenda um planejamento tributário prévio a essa tomada de decisão.
Por meio de solução de consulta, a Cosit se posicionou no sentido de que a devolução de capital na extinção da investida declarada no exterior pelo RERCT é tributável pelo Imposto de Renda pela alíquota progressiva, como se rendimento fosse.
As autoridades fiscais confundiram a posse de depósitos bancários com a titularidade de investimento em coligada ou controlada no exterior, e pretenderam igualar o tratamento fiscal, de forma ilegal. E criaram uma situação esdrúxula, na medida em que querem tributar como rendimento a diferença entre o custo declarado e valor devolvido, situação tipificada na lei como ganho de capital.
O rendimento é tributado integralmente, sem custo abatível, porquanto é fruto do capital, enquanto que na extinção da empresa há devolução desse mesmo capital.
Posicionamento infeliz, que vai desencadear um contencioso que poderia ser evitado.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e alguns tribunais regionais têm decidido que a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) é o único documento obrigatório para evitar a penalização por falta de declaração de ativos e passivos possuídos no exterior. E há precedente que inocentou quem apresentou espontaneamente as últimas cinco DCBEs.
Há expectativas de que sobrevenha uma futura tributação dos dividendos, donde pode surgir a tentativa de ressuscitar o IRPF dos lucros de sociedades estrangeiras, recusado pelo Congresso no artigo 89 da MP nº 627/13.
Importa destacar alguns pontos que merecem atenção sobre essa inusitada pretensão: a) os países de tributação favorecida não adotam princípios contábeis rígidos, admitem até que a contabilidade das empresas seja feita em outro país, e na moeda deste; b) como a tributação seria sobre o lucro contábil e não fiscal, várias despesas poderiam ser alocadas sem o requisito da necessidade/usualidade; c) provisões para desvalorização de ativos também seriam cabíveis, restando muito pouco ou quase nada a tributar; e d) a quebra de sigilo bancário de uma offshore num terceiro país é complicadíssima.
Por último, o STJ recusou efeitos cíveis a um truste pactuado no Brasil, com as características formais observadas nos países onde ele é aceito. Extrapolando-se essa interpretação para outras situações fáticas, tem-se que não será exequível desconsiderar um truste no Brasil para alcançar os ativos por ele detidos e tampouco seus beneficiários, em caso de morte do instituidor.
Essa dificuldade atingirá tanto as pessoas físicas interessadas como o próprio Fisco.
Por Plinio J. Marafon
Plinio J. Marafon é sócio de Marafon, Soares, Nagai e Marsilli Advogados
Fonte : Valor-13/08/2018