Reforma: preocupação sobre conceito de contribuinte para comércio em plataformas
7 DE JUNHO DE 2024
Em webinar, Appy debateu como um critério objetivo e informações sobre as operações podem contribuir para a fiscalização
O PLP 68/24, que regulamenta a reforma tributária do consumo, introduz no Brasil a responsabilização das plataformas digitais pelo recolhimento do IBS e da CBS relativos às operações realizadas por seu intermédio. No entanto, a definição de contribuinte tem gerado preocupação entre as plataformas. Neste caso específico, o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, debateu como um critério objetivo e informações sobre as operações podem contribuir para a fiscalização.
Appy reconhece que há dificuldade em distinguir uma pessoa física que faz uma venda esporádica de uma pessoa que usa esse tipo de comércio de forma regular. O secretário comentou o tema em webinar promovido em 15 de maio pelo escritório Mannrich Vasconcelos, em parceria com a LCA Consultoria Econômica.
“É claro que a plataforma não pode saber tudo o que aquela pessoa faz fora dela. A não ser que a própria administração tributária informe. Então, se uma pessoa vende por várias plataformas, a administração tributária disponibilizaria um informe, dizendo que ‘esse CPF aqui já realizou operações no montante de tanto através de várias plataformas no Brasil ao longo desse ano’. Se tiver um critério objetivo e ele ultrapassar esse valor, a plataforma acho que tem que saber o que foi feito através dela. Ela tem que ter essa informação, saber o quanto aquele CPF vendeu através da plataforma nos 12 meses anteriores”, afirma o secretário.
Appy tranquiliza quem tem um bem novo ou usado e que decidiu revendê-lo por uma plataforma. “Obviamente, essa pessoa não é um contribuinte porque não faz isso de forma regular. A regra é mais abrangente, fala em habitualidade de forma profissional”, diz.
A preocupação, segundo o secretário, é que uma pessoa física atue como uma empresa. “Se ela está comprando e vendendo mercadorias o tempo inteiro, nesse caso é uma atividade econômica e deve ser tributada. A ideia de usar critérios objetivos é interessante para reduzir o risco de deixar interpretações subjetivas que caracterizem se é um contribuinte ou não.”
O ideal, na avaliação dele, é que o comerciante esteja formalizado como MEI, Simples ou no regime geral. “Se ele estiver dentro do limite do Simples, tem que ser registrado. E se tiver obviamente acima do limite Simples, tem que ser registrado como contribuinte do regime”, disse.
O que diz a lei
O artigo 23 do PLP 68/24 estabelece à plataforma a responsabilidade integral pelo pagamento do IVA, quando o fornecedor for estrangeiro. Já em relação aos fornecedores que estão no Brasil, prevê que a responsabilidade da plataforma é solidária.
Ou seja, ela responde junto com o fornecedor e, se esse fornecedor não estiver inscrito como contribuinte do IBS da CBS ou se ele não emitiu os documentos fiscais, ela é responsável.
A ideia, que também está sendo discutida na União Europeia, afeta especialmente empresas, mas também pode atingir pessoas físicas que comercializam bens e serviços por meio de plataformas. A definição de contribuinte estabelecida na reforma é ampla e gera dúvidas sobre o que acontece, por exemplo, com pessoas físicas que disponibilizam imóveis para alugar por temporada por meio de plataformas digitais ou transporte terrestre por aplicativo.
Experiência internacional
Autora da pergunta sobre a tributação de comércio por meio de plataformas no webinar, a advogada Thaís Shingai explicou ao JOTA que existe um movimento mundial de atribuir responsabilidade às plataformas, especialmente às de comércio eletrônico, de locação de curta temporada e de transporte de passageiro via terrestre, pelo pagamento do IVA devido pela empresa que usa a plataforma para vender mercadorias ou prestar algum serviço.
Na União Europeia, se os estados membros entrarem em acordo, essas medidas podem ser implementadas até 2030, com intenção de evitar que a plataforma seja usada como uma válvula de escape do IVA.
“A intenção é evitar que o comerciante use a plataforma de maneira informal e deixe de recolher o IVA sobre as vendas que ele faz por meio daquela plataforma. Para isso, se atribui a plataforma a responsabilidade de fiscalizar o recolhimento daqueles fornecedores que atuam por meio dela. Com isso, cada vez que o comerciante se inscrever na plataforma, ela vai precisar pedir um número de cadastro desse comerciante no cadastro geral do IVA e vai pedir para esse comerciante uma declaração de que ele vai recolher o imposto sobre as operações feitas por meio da plataforma”, explica.
De acordo com Shingai, uma diferença em relação à União Europeia é o dispositivo do texto que diz que a plataforma fica responsável pelo recolhimento do IVA em que o fornecedor não tenha emitido a nota fiscal correspondente. “Isso também é uma preocupação porque imagina a quantidade de operações que acontecem dentro dessas plataformas e a responsabilidade de fiscalizar operação a operação se houve a emissão do documento fiscal”, argumenta.
Shingai ressalta que, nesse caso, a alternativa adotada pela União Europeia foi simplesmente exigir que a plataforma demande do fornecedor essa declaração de que ele vai recolher o IVA.
Para o diretor jurídico da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), Guilherme Martins, este item da proposta não surpreende. “Já existe essa intenção de responsabilizar em algum nível o marketplace, então, a gente não recebeu essa notícia com muita surpresa. Além disso, quando nós olhamos para países que têm um modelo de IVA semelhante ao que nós estamos implementando por meio da Emenda Constitucional 132, muitos deles já vem estabelecendo mecanismos de cooperação das plataformas digitais em relação às vendas dos sellers. Não é uma inovação brasileira e não é um problema exclusivamente nosso. O mundo todo vem repensando como tributar uma economia digitalizada”, analisa.
De acordo com Martins, na Austrália, por exemplo, os marketplaces são responsabilizados pelo GST (como é chamado o IVA deles) de maneira direta. “É um pouco mais extremo do que se propõe no Brasil. Já no Canadá, o marketplace é responsável quando o vendedor não tem o equivalente à nossa inscrição [para recolhimento de imposto], portanto, quando ele não assume a condição de contribuinte, são sellers muito pequenos. No Brasil, talvez o correspondente a um vendedor não habitual, que a gente sabe que hoje existe, por exemplo, em plataformas digitais de venda de artigos de luxo usados”, exemplifica.
Neste caso, em que o vendedor é uma pessoa física, que não faz daquela venda a sua fonte de receita, e que não estará inscrita no cadastro, Martins avalia que faz sentido que o próprio marketplace apoie no papel de fiscalizar e cobrar esse imposto. “Na Alemanha, existe um um modelo que eu acredito que seja parecido com o propósito no PLP 68, que é uma corresponsabilização de caráter subsidiário quando o seller deixar de proceder ao recolhimento ou deixar de emitir o documento fiscal. Aí sim, o marketplace é chamado para suprir essa falha do vendedor”, explica.
Para ele, o projeto merece ser criticado quanto à previsão do inciso II do artigo 23, que determina a responsabilidade solidária das plataformas quando o vendedor não estiver no cadastro único ou não emitiu o documento fiscal correspondente da operação. “Entendo que o ideal seria o estabelecimento de uma responsabilidade subsidiária, porque a solidária não tem benefício de ordem. Quando é subsidiário, você tenta primeiro exigir do responsável tributário de fato e só se ele não admitir, que se busca esse responsável subsidiário”, sugere.
O PLP 68/24 está em análise por um grupo de trabalho (GT) da Câmara dos Deputados. O GT pretende entregar relatório até julho, antes do recesso do Legislativo.