A classificação fiscal de mercadorias é sempre recorrente tanto no judiciário quanto em âmbito administrativo, porém, longe de ser considerado indiscutível. Em âmbito judicial, um importante precedente foi estabelecido pelo STJ, no julgamento do REsp 1.555.004/SC, relatado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, de que a classificação efetuada por órgãos técnicos deve ser ponderada para que seja efetivada a correta classificação fiscal de mercadorias.
No caso examinado pelo STJ, a empresa indicou a NCM relativa a cosmético, observando o registro feito na Anvisa. A fiscalização aduaneira, no entanto, classificava o produto como medicamentos, levando a uma reclassificação majorada. Segundo decisão da 1ª Turma, por unanimidade de votos, as autoridades aduaneiras não poderiam alterar a classificação de um produto atribuída pela Anvisa, tendo em vista a competência legal deste último órgão para “regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam a saúde pública”.
A controvérsia do tema levou a Receita Federal emitir seu parecer normativo 6/18 restando clara a tendência do Fisco em atribuir a classificação que mais favoreça a arrecadação tributária.
No próprio parecer é citado o precedente do STJ comentado, mas segundo o posicionamento do órgão fazendário para fins tributários e aduaneiros, os entendimentos resultantes da aplicação da legislação do Sistema Harmonizado devem prevalecer sobre definições que tenham sido adotadas por órgãos públicos de outras áreas de competência, como, por exemplo, a proteção da saúde pública ou a administração da concessão de incentivos fiscais.
Como se verifica a matéria ainda é controversa, porém, no julgado pelo Tribunal Superior ficou assentado que a classificação prevalente é do órgão técnico e não a indicada pela Receita Federal, o que implica em afirmar que o judiciário não desconsidera a classificação fiscal devidamente amparada por posicionamento técnico e específico de quem detém competência técnica para atestar a real característica dos produtos.
Vale lembrar que, a classificação fiscal de um produto prevalece sobre todas as demais que não lhe sejam específicas, de acordo com as Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado. Este, por sua vez, é regulamentado pela Classificação das Mercadorias na Nomenclatura Comum do MERCOSUL, em razão da essencialidade que o compõe, em especial as regras nº 1 e 3 A que determinam que os títulos das seções, capítulos e subcapítulos da TEC (Tarifa Externa Comum) têm apenas valor indicativo. Mas para os efeitos legais, a classificação fiscal deve ser determinada pelos textos das posições e das notas da seção e dos capítulos em que referidos produtos estão contidos, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e notas, sendo a posição mais específica prevalente sobre a mais genérica.
Portanto, um produto sempre estará mais próximo de uma NCM adequada com a observância estrita do que dispõem as regras comentadas, sendo de suma importância que as características técnicas sejam criteriosamente analisadas para utilização da correta classificação tarifária. Não menos relevante são os manuais e laudos laboratoriais lavrados por profissionais técnicos especializados que atestam essas características, provas essas, que sem dúvidas devem ser bem fiéis em eventual divergência de classificação apontada pelo Fisco.
Isto porque, independente da competência da Receita Federal para solucionar consultas acerca da classificação fiscal de mercadorias, a reclassificação fiscal feita pelo órgão não pode ser aplicada a esmo, sem que sejam observados todos os fatores técnicos relacionados aos produtos na sua especificidade e todas as demais regras de classificação fiscal do Sistema Harmonizado, lastreada pela documentação hábil a comprovar a NCM mais adequada, pelo órgão técnico que detém vasto conhecimento de determinado produto.
Nestes termos, na eventual solução das controvérsias que envolvem o tema e pelo impacto gerado pela distorção do fisco na indicação de uma Nomenclatura Fiscal, nunca é demasiado enfatizar que o enquadramento adequado deverá sempre estar firmemente baseado nas REGRAS GERAIS PARA INTERPRETAÇÃO DO SISTEMA HARMONIZADO e corroborado pelos laudos laboratoriais elaborados por órgãos que detêm competência técnica para direcionar a codificação fiscal mais próxima e atrelada à real natureza técnica do produto. Assim, sem sombra de dúvidas, contribui para minimizar os riscos e despesas tributárias envolvidos numa reclassificação fiscal indesejada.
FONTE: Migalhas – Por Fabíola Paes de Almeida Ragazzo, 17/02/2021.