Os executivos de empresas que firmaram acordos de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (MPF), em recentes operações da Polícia Federal, correm o risco de serem autuados. Em uma primeira orientação sobre o assunto, a Receita Federal entendeu que incide Imposto de Renda sobre as quantias transferidas a funcionários para o pagamento de multas. A decisão está na Solução de Consulta nº 311, de 26 de dezembro de 2018, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
A orientação vincula toda a fiscalização e surpreendeu advogados tributaristas. Não há ainda julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o assunto, segundo informou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
“A solução de consulta, além de curiosa e inédita, é preocupante para as pessoas físicas envolvidas nesses recentes escândalos. Elas podem ser autuadas por não recolher Imposto de Renda sobre esses valores”, diz o advogado Matheus Bueno de Oliveira, sócio do PVG Advogados.
De acordo com ele, como a Operação Lava-Jato completa cinco anos neste mês, autuações podem começar a aparecer a partir de agora. A fiscalização, acrescenta, tem esse mesmo prazo para autuar.
No pedido de solução de consulta, o contribuinte alega que, entre as obrigações que assumiu em acordo de colaboração premiada, está a de pagar uma multa que deve ser depositada em juízo no prazo de 30 dias ou em um ano com correção pela Selic, desde que apresente garantias. Segundo ele, essas obrigações devem gerar danos materiais, “na medida que implicarão diminuição do patrimônio”, que decorreriam de “sua atuação a favor da empresa”.
Para o contribuinte, o valor transferido pela empresa seria isento por ter natureza indenizatória e não representar acréscimo patrimonial. E poderia, segundo ele afirma no pedido, ser interpretado ainda como doação, se não fosse considerado como indenização pela Receita.
Para embasar sua argumentação, ele cita julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de relatoria do ministro Teori Zavaski. Na decisão (REsp 638.389), a 1ª Turma foi unânime ao entender que indenização que não acarreta em acréscimo patrimonial ou que simplesmente reconstitui a perda patrimonial não configura fato gerador para o Imposto de Renda.
Ao analisar o caso, a Receita Federal deixou claro que o órgão se limita a apresentar sua interpretação a partir dos fatos narrados pelo contribuinte e que alguns pontos não foram esclarecidos, como a sua atuação a favor da empresa e sua relação com a indenização.
Na solução de consulta, o órgão concluiu que “o fato de dois particulares celebrarem acordos em geral, seja qual for o objeto respectivo, e qualificarem como ‘indenização’ os pagamentos efetuados de um para o outro por força do que entre eles restou acordado, sem qualquer comprovação fática ou jurídica que possibilite eventual enquadramento de tais pagamentos em algum dispositivo da legislação tributária que os classifique como rendimentos isentos, imunes ou não sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda, não altera em nada a constatação de que a pessoa que recebeu esses pagamentos (e não importa a destinação que a eles foi dada) teve acréscimo em seu patrimônio”.
Com relação à hipótese de o valor ser enquadrado como doação, a Receita afirmou na solução de consulta que a Coordenação-Geral de Tributação esclareceu, em diversas oportunidades, que para que haja a caracterização não pode haver qualquer espécie de vantagem para o doador.
Apesar de a solução de consulta indicar a tributação, segundo o advogado Matheus Bueno de Oliveira, não houve no caso analisado, como destacado pela Receita, informações sobre os detalhes do ocorrido. “Talvez o Fisco tenha deixado de lado os precedentes que tratam de indenização quando não há acréscimo patrimonial e se agarrou ao fato de não haver comprovação sobre isso”, diz.
No entendimento do advogado, nas situações em que se comprovar que o valor recebido pelo contribuinte foi exatamente o desembolsado para o pagamento da multa, pode haver chance de defesa de que se trata de indenização não tributável.
Ana Carolina Monguilod, sócia do escritório PGLaw, também concorda. “É uma solução de consulta importante com efeito vinculante, mas temos que analisar com cuidado e com uma certa ressalva já que, em certa medida, a Receita decide sem decidir porque ao longo da solução de consulta aponta um suposto desconhecimento dos fatos. Não se sabe o que exatamente aconteceu”, afirma. Ela acrescenta que a jurisprudência do STJ é muito clara no sentido de que valores pagos para recompor patrimônio devem ser considerados indenização e, portanto, não tributáveis.
Por Adriana Aguiar | De São Paulo
Fonte : Valor-12/03/2019