Com a publicação da Solução Cosit nº 231 em 24 de julho deste ano, a Receita Federal do Brasil (RFB) criou uma verdadeira miscelânea de normas financeiras e tributárias, visando, como postura não pouco usual, restringir o direito dos contribuintes expressamente disposto em lei.
Em dezembro do ano passado, a RFB publicou a Solução de Consulta Cosit nº 246, o que praticamente impediu que as empresas mantivessem receitas provenientes da exportação fora do país, já que estes valores deveriam ingressar no Brasil imediatamente após o encerramento do “ciclo de exportação”, sob pena de incidência do IOF-Câmbio.
Provavelmente motivada pela grande quantidade de decisões liminares deferidas por todo o Brasil afastando o limite temporal criado, a RFB publicou a Cosit nº 231/2019 reformando a anterior, a qual, embora também tenha limitado temporalmente o ingresso de recursos provenientes da exportação, adotou como critério os prazos de liquidação do contrato do contrato de câmbio previstos em uma norma financeira, a Circular nº 3.691/2013 do Banco Central do Brasil (Bacen).
As receitas de exportação são aquelas decorrentes de fornecimento de bens ou serviços para o exterior. A manutenção dessas receitas fora do país é garantida pelo artigo 1º da Lei nº 11.371/2006 e regulamentada pela IN RFB nº 1.801/2018.Já o ingresso dessas receitas no Brasil, com incidência de alíquota zero do IOF, é autorizado pelo artigo 15-B, I, do Decreto nº 6.306/2007, sem qualquer limitação temporal.
A confusão fazendária tem início com a interpretação da IN RFB nº 1.801/2018, a qual define regras financeiras relacionadas à manutenção das receitas de exportação em contas no exterior, observados os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).A referida instrução normativa não estabelece, e nem poderia estabelecer, qualquer alteração à norma tributária que prevê a alíquota zero do imposto.
Primeiro porque o Decreto nº 6.306/2007 lhe é hierarquicamente superior. Depois, porque as normas prescritas pela IN RFB nº 1.801/2018 não dispõem sobre o IOF-Câmbio, mas acerca de prazos para que a contração e liquidação de contratos de câmbio seja válida.
O artigo 97 da mencionada Circular, adotada pela Cosit 231/2019, prescreve as hipóteses de regularização do contrato de câmbio, dentre as quais constam a liquidação, o cancelamento e baixa.Mais adiante, o artigo 99 lista os requisitos específicos da liquidação regular. Desta forma, se cumpridos os requisitos previstos no artigo 99, a liquidação do contrato será regular. Se cancelado, também. Trata-se, portanto, de limite temporal para a validade da liquidação do instrumento contratual.
Para a contratação prévia à exportação, o artigo 99, I, da Circular estabelece o prazo máximo de 750 dias para liquidação, contados de sua contratação, sendo que a exportação deve ocorrer em até 360 dias de sua assinatura. Dito de outro modo, a partir da assinatura do contrato de câmbio antes da exportação, iniciam-se, concomitantemente, dois prazos: 750 dias para liquidação e 360 dias para exportação. Entretanto, é óbvio que a norma não obriga que a exportação aconteça efetivamente, sendo que ela pode ser cancelada por diversas razões negociais.
Em verdade, o que a Circular prescreve, simples e unicamente, é que, caso a exportação não ocorra em 360 dias da assinatura do contrato de câmbio, este não será capaz de produzir seus regulares efeitos, ou seja, disponibilizar, em reais, os valores em moeda estrangeira de propriedade da empresa alocados fora do país.
Neste mesmo contexto deve ser analisado o artigo 99, II, da mesma Circular. Caso o contrato não seja liquidado até o último dia útil do 12º mês subsequente dos termos iniciais postos no inciso, o contrato de câmbio será inócuo.
Dessa forma, conclui-se que a RFB buscou limitar o prazo de ingresso de receitas provenientes de exportação localizadas no exterior com alíquota zero de IOF-Câmbio a 750 dias contados da contratação de contrato de câmbio ou ao 12º mês subsequente ao embarque das mercadorias ou da prestação do serviço.
Assim, é evidente que os mencionados prazos tratam dos procedimentos formais relativos ao contrato de câmbio, sem qualquer força modificativa dos critérios da norma tributária.
As receitas de exportação, ainda que mantidas no exterior por tempo indeterminado, mantêm sua natureza jurídica para todos os efeitos legais, fiscais e cambiais, não sendo válido qualquer ato do Poder Executivo que altere o conteúdo semântico do termo “receitas de exportação” para incidência do IOF, muito menos se apropriando indevidamente de limites temporais previstos em norma financeira.
Em outras palavras, a posição do Fisco federal reside no entendimento de que sempre que mantidos os recursos no exterior após transcorridos os prazos previstos no artigo 99 da Circular 3.691/2019 do Bacen,a natureza jurídica da operação para fins de incidência da alíquota zero do IOF seria alterada, o que atrairia a regra geral do caput do artigo 15-B do Decreto nº 6.306/2007, e não de seu inciso I, o qual prevê alíquota zero.
Esse entendimento, tal como aquele constante na Cosit 246/2018, é absolutamente equivocado e fere princípios constitucionais como o da segurança jurídica e da legalidade, além de ofender a extrafiscalidade do IOF, criando um ambiente de absoluta descrença no ordenamento jurídico pátrio.
Fonte: VALOR ECONÔMICO – Flávia Holanda Gaeta e Bruna Menani Lima – 26 de setembro de 2019