Ato praticado pela Receita Federal ao obstar o aproveitamento dos créditos pelos contribuintes é ilegal.
O presente artigo tem por objetivo tratar de outra situação extremamente preocupante, que já está sendo vivenciada por vários contribuintes e que, por ora, não se vislumbra uma solução a curto prazo. Trata-se de pedidos de ressarcimento/compensação de créditos de PIS/Cofins decorrentes da sistemática não-cumulativa que estão sendo sumariamente indeferidos pela Receita Federal, em razão da existência da ação judicial que discute o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.
No entender do órgão fazendário, aplicar-se-ia a vedação do artigo 59 da Instrução Normativa nº 1.717, de 2017 (IN 1.717/17), uma vez que o cálculo do crédito pleiteado pode ser afetado quando da recuperação do indébito objeto da ação judicial.
Segundo a redação de tal dispositivo, “é vedado o ressarcimento ou a compensação do crédito do trimestre-calendário cujo valor possa ser alterado total ou parcialmente por decisão definitiva em processo judicial ou administrativo fiscal de determinação e exigência de crédito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins”. Este é o único argumento utilizado pelo Fisco Federal, sem qualquer prova acerca dos reais impactos sobre o crédito.
De uma forma geral, os créditos de PIS/Cofins, objeto desses pedidos, decorrem de situações previstas em lei, no qual se permite a manutenção ou o cálculo de um crédito presumido para ressarcimento em dinheiro ou compensação com outros tributos, além da dedução na base de cálculo (sistemática crédito e débito). Dentre as situações, pelo menos três casos merecem destaque.
Em primeiro lugar, os créditos originários das receitas de exportação, cuja operação é imune ao PIS/Cofins, mas a lei permite a manutenção do crédito. Nesse caso, há permissão para que tais créditos sejam deduzidos na operação própria, compensados com outros tributos federais ou ressarcidos em dinheiro (§§ 2º e 3º, do artigo 6º, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003).
Ao lado dessa hipótese, deve-se ainda considerar os créditos presumidos calculados com base em um percentual sobre a receita de venda no mercado interno ou externo de determinados produtos do setor agropecuário, inclusive se desonerados do PIS e da Cofins (artigo 31, da Lei nº 12.865/2013) e, por fim, os créditos decorrentes das vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência do PIS/Cofins, em que há lei permitindo sua manutenção (artigo 17 da Lei nº 11.033/2004) e também seu aproveitamento via compensação com outros tributos ou ressarcimento em dinheiro (artigos 16 da Lei nº 11.116/2005).
Evidentemente que esses créditos não têm relação direta com os processos judiciais que discutem o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Enquanto os pedidos tratam do creditamento de PIS/Cofins em razão das operações de entrada, as ações referem-se à formação da base de cálculo com as operações de saída. Portanto, indevida a aplicação da vedação da IN 1717.
Ainda que se pretenda argumentar que o cálculo do crédito depende das operações de saída (receita de venda), o ponto é que as operações consideradas não estão sujeitas ao PIS/Cofins (imunes, com suspensão, alíquota zero, isentas, não tributadas ou sem incidência) ou estão sujeitas a um regime próprio (sobre o metro cúbico no caso do óleo diesel).
Ou seja, mesmo que o contribuinte busque a recuperação do indébito tributário quando do trânsito em julgado da sua ação judicial, estas operações já não seriam consideradas no cálculo do crédito a recuperar, uma vez que só as receitas tributáveis são consideradas.
Por outro lado, conforme destacamos, o crédito pleiteado decorre da sistemática não-cumulativa do PIS/Cofins, sendo que os Tribunais Superiores já reconheceram que a não-cumulatividade aplicável ao ICMS e ao IPI é distinta da sistemática do PIS/Cofins, sendo que a relação jurídica do crédito é segregada da relação jurídica do débito, cabendo ao legislador definir as hipóteses de dedução.
À luz desses fundamentos, a conclusão não poderia ser outra senão a ilegalidade do ato praticado pela Receita Federal ao obstar o aproveitamento dos créditos pelos contribuintes tentando vincular a exclusão do ICMS da saída ao crédito da entrada.
Não por outro motivo há precedentes judiciais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça[1], reconhecendo que os pedidos de ressarcimento/compensação não estariam atrelados ao crédito da ação judicial do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins e determinando o prosseguimento da análise do mérito do crédito pelo Fisco Federal[2].
Por fim, não podemos deixar de apontar que, ainda que a discussão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins venha a afetar esse crédito, percebam que o impacto depende do contribuinte pleitear a repetição do indébito do passado após o trânsito em julgado, nos termos do artigo 170-A do Código Tributário Nacional.
Ainda assim, o Fisco Federal poderia questionar o montante do indébito e não desde já o montante do crédito do ressarcimento – que é líquido e certo – como está fazendo.
Trata-se, portanto, de mais uma excrescência da Receita Federal na tentativa de reduzir o impacto que o tema ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins trará aos cofres públicos. Mas estamos alertas e não permitiremos que atos ilegais do Poder Público atinjam o direito dos contribuintes.
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[1] Recurso Especial nº 1.689.920/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, da Segunda Turma, de 5.10.2017.
[2] Liminar no Mandado de Segurança nº 5016329-49.2019.4.03.6100; acórdãos do TRF 3ª Região nos Agravos de Instrumento nºs 5008105-89.2019.4.03.0000 (Juíza Federal Convocada Leila Paiva Morrison, de 11.02.2020, 6ª Turma) e 5025041-29.2018.4.03.0000 (Des. Cecília Marcondes, de 25.3.2019, 3ª Turma); e decisões singulares dos Desembargadores Federais Marli Ferreira (AI nº 5026598-17.2019.4.03.0000) e Souza Ribeiro (AI nº 5028199-58.2019.4.03.0000).
Fonte: Jota – Por Fernanda Ramos Pazello – 9 de abril de 2020.