A pandemia da covid-19 e a consequente quarentena nos fizeram repensar diversos “costumes”, provocando rompimento de paradigma em diversos deles. Muitos poderiam ser citados, como “home office” e atendimento “on-line”. Deveríamos, então, aproveitar esse momento forçado de reflexão e repensar a reforma tributária. Considerando, inclusive, a queda na arrecadação gerada pela mesma quarentena.
Não é novidade de que a estrutura tributária brasileira é perversa, contribuindo para fortalecer a desigualdade social. Baseado na tributação sobre o consumo, o sistema tributário impõe uma carga maior àqueles que têm menor riqueza. O que se verifica, agora, é que a perversidade dessa estrutura é prejudicial também à arrecadação.
Obviamente, com grande parte do comércio fechado durante o período do isolamento social, os tributos sobre o consumo tiveram queda vertiginosa da arrecadação. Essa situação tende a imprimir um “novo normal” na coleta de tributos: guardar dinheiro entrou no cotidiano das pessoas, pois e se (ou quando) vier outra pandemia? É preciso ter caixa estocado. Com isso, para aqueles que podem poupar, o consumo deve reduzir. E redução do consumo implica redução da arrecadação dos tributos sobre o consumo.
Certamente, o mesmo pode ocorrer em termos de tributação sobre a renda. Afinal, as pessoas jurídicas tiveram seus lucros reduzidos e, no caso das pessoas físicas, houve demissão e redução de salário.
Esses três fatores impactam a arrecadação dos tributos sobre os rendimentos. No entanto, a recuperação dessa riqueza tende a ser mais rápida do que o consumo, por algumas razões: muitos contratos de trabalho foram suspensos e serão retomados; muitos salários que foram reduzidos serão recompostos.
Ainda que se verifique a volta da capacidade financeira dos trabalhadores, como mencionado anterior, o padrão de consumo deve se alterar, sendo parte do salário destinado aos investimentos. Nesse caso, o recolhimento de tributos sobre o consumo reduz, enquanto aumenta o recolhimento dos tributos sobre a renda. Além disso, as pessoas naturais que conseguiram passar ilesas pelo isolamento social – trabalhando de casa, aprendendo a cozinhar, lendo mais livros, assistindo a mais filmes etc. – são exatamente as que têm riqueza e podem mais contribuir para as atribuições do Estado.
Na esteira do retorno das atividades econômicas no pós-quarentena, talvez seja a hora de repensarmos profundamente a estrutura tributária brasileira, substituindo a base no consumo para a base na renda.
Fonte: Valor Econômico-11 de junho de 2020