Por determinação da Constituição de 1988, o contribuinte apenas poderá usufruir dos créditos de ICMS quando houver autorização da legislação complementar. Por isso, é constitucional a lei complementar que prorroga a compensação de créditos relativos a bens adquiridos para uso e consumo no próprio estabelecimento do contribuinte. A prática não viola o princípio da não-cumulatividade.
Com esse entendimento, o Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo estado do Rio Grande do Sul com o objetivo de impedir a compensação de créditos por uma empresa que fabrica véu ou manta de fibras ou filamentos. O caso tramitou sob o regime da repercussão geral.
A não-cumulatividade do ICMS está definida pelo artigo 155, parágrafo 2º, inciso I da Constituição, segundo o qual será compensado o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. O texto não estabelece critério temporal.
Já a alínea C do inciso XII do mesmo artigo determina que compete à lei complementar regulamentar o regime de compensação do ICMS. Isso foi feito pela LC 87/1996, conhecida como Lei Kandir, segundo a qual o creditamento do ICMS só poderia ocorrer para as mercadorias destinadas ao uso do próprio contribuinte que ingressassem em seu estabelecimento a partir de 1º de janeiro de 1998.
A partir daí e sempre via lei complementar, houve sucessivas modificações estendendo a data a partir da qual o contribuinte poderia fazer a compensação. O recurso julgado diz respeito à LC 122/2006, que empurrou a data para 1º de janeiro de 2011. Atualmente, essa data é 1º de janeiro de 2033, conforme a LC 171/2019.
Na prática, o STF sinaliza a amplitude dos limites da legislação complementar para regulamentar o ICMS, um precedente relevante na medida em que muitas outras questões relacionadas ao conflito entre o que diz o legislador complementar e a Constituição ainda tramitam em peso no Judiciário. Enquanto isso o contribuinte, embora detentor de um certo crédito, não pode utilizá-lo no mês de apuração do ICMS.
Divergência
Prevaleceu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, para quem o princípio constitucional da não-cumulatividade, por si só, não permite o amplo e irrestrito creditamento relativo a material de uso e consumo ou a bens destinados ao ativo permanente das empresas.
“A meu ver, o contribuinte apenas poderá usufruir dos créditos de ICMS quando houver autorização da legislação complementar. Logo, o diferimento da compensação de créditos de ICMS de bens adquiridos para uso e consumo do próprio estabelecimento não viola o princípio da não cumulatividade”, concluiu.
Acompanharam o voto vencedor os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio, acompanhando pelo ministro Luiz Edson Fachin. Para eles, o legislador complementar acaba por limitar o princípio da não-cumulatividade, levando ao um “contexto meramente lírico”. O relator define a prática ainda como “maldade tributária”.
“Se, em relação aos bens integrantes do ativo fixo, o legislador prescreveu doses homeopáticas de não cumulatividade, no tocante aos bens de uso ou consumo, prorrogou sucessivamente a observância ao princípio. Cumpre ao Supremo declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 33, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1996, na redação dada pela Lei Complementar nº 122/2006”, concluiu.
Teses fixadas
Assim, por maioria, o Plenário virtual definiu a seguinte tese:
Não viola o princípio da não cumulatividade (art. 155, §2º, incisos I e XII, alínea “c”, da CF/1988) lei complementar que prorroga a compensação de créditos de ICMS relativos a bens adquiridos para uso e consumo no próprio estabelecimento do contribuinte
O voto do ministro Alexandre de Moraes ainda aborda alegação do autor do recurso extraordinário, segundo o qual, diante da possibilidade de lei complementar impor restrição ao direito do contribuinte de compensar os créditos do ICMS, convém analisar se a incidência da norma deve observar o prazo de 90 dias da data da publicação que prorrogou o direito à compensação.
A regra é definida no artigo 150, III, alínea c, da Constituição, segundo o qual o Estado não pode cobrar tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
Segundo o ministro Alexandre, a lei complementar não institui nem aumenta tributos, mas em vez disso prorroga o prazo para compensação de crédito. Por isso, não está sujeita à norma constitucional. Assim, uma segunda tese foi fixada:
Conforme o artigo 150, III, “c”, da CF/1988, o princípio da anterioridade nonagesimal aplica-se somente para leis que instituem ou majoram tributos, não incidindo relativamente às normas que prorrogam a data de início da compensação de crédito tributário
Clique aqui para ler o voto do ministro Alexandre de Moraes
Clique aqui para ler o voto do ministro Marco Aurélio
RE 601.967
Por Danilo Vital
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 18 de agosto de 2020.