Dois projetos de lei (PL) protocolados na Câmara dos Deputados, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela criminalização da conduta do empresário que declara e não recolhe ICMS, poderão esvaziar o entendimento adotado pelos ministros. Os parlamentares pretendem alterar a Lei n 8.137, de 1990, que trata sobre crime contra a ordem tributária, para estabelecer que a medida não se aplica aos casos de inadimplemento.
“Apresentamos o presente PL para excluir da incidência do tipo penal do artigo 2, inciso II, da Lei 8.137, de 1990, a conduta considerada típica pelo STF no julgamento do RHC 163334”, afirma o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), autor de um dos projetos, na justificativa da proposta.
O PL nº 6.529 foi protocolado pelo parlamentar no dia 18 de dezembro — a mesma data em que os ministros concluíram o julgamento na Corte. O STF decidiu pela criminalização, por sete votos a três, mas somente para os casos em que for demonstrado dolo (intenção) e comportamento reiterado por parte do contribuinte.
O deputado Kim Kataguiri propõe, no entanto, que a criminalização seja aplicável somente às situações em que o não pagamento do tributo envolver fraude. Ele sugere acrescentar um “parágrafo único” ao artigo 2 para que isso fique claro na legislação.
“O mero ato de não recolher um imposto, mesmo que possa e deva gerar sérias repercussões na esfera administrativa, não traz ou não deveria trazer a incidência do direito penal”, afirma o parlamentar no projeto apresentado à Câmara.
Kataguiri acrescenta que “as Fazendas têm à sua disposição amplo rol de instrumentos legais para cobrar impostos” e cita o pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, que não permite hipótese de prisão civil.
O outro PL, n 6.520, foi protocolado no dia 17 de dezembro, véspera da conclusão do julgamento no STF e quando já havia maioria de votos pela criminalização.
Dois deputados do partido Novo, Alexis Fonteyne (SP) e Lucas Gonzalez (MG), são os autores da proposta. Eles sugerem alterar dois trechos da lei: a redação do inciso II do artigo 2 da Lei n 8.137 e — assim como o PL de Kataguiri — a criação de um novo parágrafo. Os novos textos livrariam os empresários que declaram e não recolhem ICMS de responder por crime.
A redação atual do inciso II estabelece como crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação que deveria recolher aos cofres públicos”.
Com a mudança sugerida, esse inciso ficaria restrito aos casos de substituição tributária — quando um contribuinte recolhe o imposto pela cadeia de produção e comércio — e nas situações em que se demonstra o “fim de fraudar a fiscalização tributária”.
A nova redação trata como crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado de substituto tributário, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos, a fim de fraudar a fiscalização tributária”.
Já o parágrafo único, também previsto no PL, consta que “não configura o crime de que trata o inciso II o mero inadimplemento de tributo regularmente declarado”.
Os parlamentares restringem a responsabilização do contribuinte aos casos de substituição tributária porque, segundo eles, somente nesta hipótese há recolhimento de imposto devido por terceiro. “Não se pode dizer que o comerciante comete o delito de apropriação indébita porque não há apropriação de tributo devido por terceiro, o tributo é devido por ele mesmo e em nome próprio”, afirmam nas justificativas ao PL.
Acrescentam que a “mera inadimplência” deve ser tratada no âmbito da legislação civil e tributária. Para esses casos, dizem, já existe a execução fiscal e a penhora de bens. “O direito penal não pode ser um instrumento alternativo de arrecadação tributária, por mais nobres que sejam os fins do Fisco, pois não se pode transgiversar com a taxatividade e com a legalidade em matéria penal. Pelo contrário, entendemos que a banalização e a exasperação do direito penal tem efeitos nocivos sobre o Estado de Direito e sobre a democracia.”
Nenhum dos dois projetos teve andamento na Câmara. Os parlamentares entraram em recesso no dia 23 e retornam às atividades no dia 3 de fevereiro.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 9 de janeiro de 2020