Proposta amplia as hipóteses em que a administração pública deve seguir entendimento consolidado da Justiça. Um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pode reduzir custos e tempo do contribuinte que questiona cobranças de tributos no Estado, especialmente as relacionadas ao ICMS. Com parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Projeto de Lei nº 367, de 2020, amplia as hipóteses em que a administração pública deve seguir entendimento consolidado do Judiciário.
Para advogados que defendem contribuintes, a proposta é benéfica porque incentiva o encerramento de disputas na esfera administrativa, e evita a judicialização de questões pacificadas. Evita-se custas judiciais, de 1% ou 2% sobre o valor da causa, honorários de advogados e de peritos se a causa exigir produção de provas. Além de apresentação de garantias ou de depósito judicial.
“São gastos relevantes e que podem ser evitados com o alinhamento da administração com a jurisprudência dos tribunais”, afirma o tributarista Pedro Demartini, do escritório Souto Correa. Ele acrescenta que quando uma empresa ou uma pessoa física perde uma discussão na esfera administrativa há a inscrição do débito em dívida ativa e o ajuizamento da execução fiscal.
Atualmente, o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), que julga recursos de contribuintes na esfera administrativa, só é obrigado a aderir ao entendimento do Judiciário quando a aplicação da norma é afastada por meio de súmula vinculante, ação direta de inconstitucionalidade ou na hipótese em que, depois de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado venha a suspender a execução do dispositivo. Essa é a previsão do artigo 28 da Lei nº 13.457, de 2009, que rege o processo administrativo tributário em São Paulo.
O projeto de lei altera a redação desse artigo para ampliar o rol de decisões judiciais que devem ser seguidas. O TIT passaria a ter a obrigação de observar também súmulas e decisões proferidas em repercussão geral e recurso repetitivo, respectivamente, pelo Supremo e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O tribunal administrativo também teria que respeitar orientações do Plenário ou do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), bem como decisões em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas.
O projeto espelha o Código de Processo Civil (CPC) ao processo administrativo tributário paulista. Em vigor desde 2016, o CPC fortaleceu o sistema de precedentes ao exigir dos juízes que observem decisões dos tribunais que ultrapassam o interesses das partes que figuram no processo.
Advogados citam pelo menos uma dezena de casos em que o TIT mantém cobranças de tributos, a despeito de decisões favoráveis ao contribuinte no Judiciário. Um dos mais emblemáticos, dizem, é o da aplicação de juros de mora superiores à taxa Selic. O TIT considera legítima a exigência, mesmo depois de o órgão especial do TJ-SP a ter declarado inconstitucional.
Outra discussão em que não há sintonia entre as esferas administrativa e judicial é em relação à exigência do ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. A Câmara Superior do TIT tem posição firme pela tributação. O STJ, por outro lado, fixou na Súmula nº 166 que essa movimentação não constitui fato gerador do imposto. Em abril, o Supremo declarou inconstitucionais dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) que determinavam a incidência do ICMS nas operações interestaduais do mesmo contribuinte (ADC 49).
Apesar da orientação pacífica dos tribunais da mais alta cúpula do Judiciário, a advogada Tatiana Chiaradia, que é juíza do TIT, afirma que não pode anular autuações fiscais nessas operações. Isso porque as decisões do STF e do STJ não afastaram a aplicação da lei estadual que exige o ICMS nesses deslocamentos.
“Apenas com a aprovação do projeto de lei os julgadores teriam respaldo para aplicar os precedentes”, afirma a sócia do Candido Martins Advogados, acrescentando que o procedimento atual não atende à eficiência do processo administrativo, da economia processual e do interesse público.
O que ocorre é que quando o contribuinte ganha a disputa judicial, a Fazenda Pública é obrigada a pagar honorários de sucumbência à parte vencedora. Pelo CPC, esses valores variam de 1% a 20% do valor da causa. “Isso atenta contra a própria administração pública e, consequentemente, contra a sociedade”, afirma Daniella Zagari, sócia do Machado Meyer.
Em nota, a Secretaria de Fazenda de São Paulo, órgão ao qual o TIT está vinculado, diz que considera o projeto de lei inconstitucional ao autorizar a administração a deixar de aplicar normas vigentes, o que afrontaria o princípio da legalidade. Para a secretaria, o artigo 28 não poderia contemplar decisões judiciais de natureza interpretativa, que a despeito de reiteradas, não retiram a norma do sistema jurídico.
Caso assim se efetive, estaremos diante de dispositivo inconstitucional, na medida em que estaria autorizando a administração pública a deixar de aplicar norma válida, vigente e eficaz, o que não se admite. Não obstante, tal cautela, com a devida vênia, não se verifica no PL 367/2020”, afirma na nota.
Para o tributarista Anderson Mainates, do Souto Correa, a exigência prevista no projeto de lei de alinhamento da administração com as decisões do Judiciário pode ter como efeito justamente a alteração das leis. “Esse movimento certamente suscitará ao Executivo e ao Legislativo a necessidade de rever a legislação do ICMS, corrigindo-se disposições que contrariam o entendimento jurisprudencial.”
Valor Econômico – Por Bárbara Pombo, 10/05/2021.