O PL 1.397/2020, que institui medidas de caráter emergencial mediante alterações transitórias de dispositivos da lei de recuperação judicial (11.101/2005), tem dividido a opinião de especialistas da área. Para alguns, a proposta vai proteger os empresários durante a crise econômica decorrente da epidemia do coronavírus. Para outros, o texto vai sobrecarregar o Judiciário e prolongar por muito mais tempo os processos de recuperação judicial.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em sessão virtual na semana passada e agora será enviado ao Senado. O texto prevê, por exemplo, um sistema de prevenção à insolvência, com a suspensão legal imediata, pelo período de 30 dias, e um procedimento de negociação preventiva entre credores e devedores. As medidas têm vigência até 31 de dezembro de 2020, ou enquanto durar o estado de calamidade pública.
Há quem veja as medidas com bons olhos. A advogada Samantha Mendes Longo, sócia do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados, destacou a possibilidade de negociação entre credores e devedores durante a epidemia. “O projeto está em sintonia com legislações de vários países no enfrentamento à epidemia e valoriza a negociação, melhor alternativa neste momento de crise”, disse.
Por outro lado, o juiz Paulo Furtado, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, acredita que o PL 1.397 incentiva a judicialização, além de não ter mecanismos que exijam a boa-fé do devedor na negociação preventiva. Para o magistrado, “falta foco” na proposta, que beneficia os devedores e deixa os credores em situação ruim, uma vez que não podem acionar a recuperanda na Justiça durante os 30 dias de suspensão legal.
“Depois dos 30 dias de suspensão legal, com efeito de moratória, se você não conseguiu um acordo, pode pedir a negociação preventiva. Isso tem que ser requerido ao juiz. Mas por que o juiz tem que examinar essa questão se a negociação é extrajudicial? A lei joga todo mundo para o Judiciário. O que faria mais sentido: dar um prazo para o devedor negociar, e, depois, o credor que quiser a execução, tem que ir ao juiz e mostrar que não recebeu uma proposta razoável. Assim, só provoca o Judiciário o credor que verificou que o devedor agiu de má-fé”, disse.
Proteção aos empresários
Para o advogado Roberto Keppler, sócio-fundador do escritório Keppler Advogados Associados, a aprovação do projeto de lei é “providencial” e vai suprir uma “importante lacuna de proteção ao empresariado”, a reboque de medidas econômicas, como a liberação de fomento pelo BNDES e a renegociação de passivo por instituições financeiras.
“Essas medidas econômicas, muito embora tenham sido anunciadas com pompa, não se mostraram exitosas, visto que poucas foram as empresas que se beneficiaram ante a quantidade de exigências que são impostas para uso da dita benesse”, disse. Keppler afirmou que o PL 1.397/2020 garante aos empresários melhores mecanismos para a proteção de sua atividade, inclusive aqueles que já se encontram em recuperação judicial.
O projeto, afirmou o advogado, possibilita a renegociação de passivo extraconcursal, “o que por certo contribuirá para o fomento do ambiente econômico como um todo, beneficiando não apenas os empresários, mas todos os cidadãos”. Samantha Mendes Longo completou: “Sem diálogo entre os personagens principais, os problemas decorrentes dos descumprimentos dos contratos não serão solucionados a tempo de salvar as empresas da falência”.
Pandemia do Judiciário
O advogado Domingos Fernando Refinetti, sócio na área de recuperação judicial do escritório WZ Advogados, acredita que o projeto incentivará os devedores a se utilizarem dos dispositivos da maneira mais ampla possível.
“O período de suspensão legal vem free of charge para os devedores, porque, se durante o período de moratória de 30 dias ele não buscar a renegociação ou, buscando, se não a atingir, nada acontece e ele nada terá perdido com isso, muito pelo contrário. Passa ele a ter acesso ao período de negociação preventiva, também free of charge, onde, em tese, tentará conseguir aquilo que já não conseguira antes. Somente aí, a sua moratória terá durado no mínimo 90 dias, sem obrigação alguma de resultado”, completou Refinetti.
Para o advogado, “será, basicamente, a pandemia da saúde transfigurada em pandemia do Judiciário”. O juiz Paulo Furtado concorda e prevê grande aumento no número de demandas judiciais se o projeto for sancionado. “Não dá para fazer um projeto que incentive a judicialização sob o pretexto da negociação. O Judiciário tem que ser o último recurso do conflito”, disse.
Fonte: CONJUR – 26 de maio de 2020