A redação do projeto de lei da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) possibilita a tributação de dividendos recebidos por holdings. A brecha no texto, porém, é considerada por advogados tributaristas um equívoco e não uma manobra intencional do governo para tributar os valores em 12%.
O governo, de acordo com o Ministério da Economia, poderá fazer ajustes no texto para esclarecer esse ponto. Sem a alteração, a interpretação que a Receita Federal poderá fazer do dispositivo preocupa tributaristas. O medo tem como base o passado de disputas com o órgão.
Eles destacam como exemplo a discussão da amortização de ágio gerado com privatização. Apesar de haver previsão legal, diversas empresas foram autuadas para o pagamento de Imposto de Renda e CSLL por causa da forma como foram realizadas as operações. Algumas conseguiram vencer os processos ainda na esfera administrativa.
A brecha, segundo tributaristas, está no artigo 2º do Projeto de Lei nº 3.887, apresentado recentemente. Pelo texto, a contribuição incidiria sobre a receita bruta,definida no artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977. O dispositivo afirma que a receita bruta compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço da prestação de serviços em geral, o resultado auferido nas operações de conta alheia e as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.
O problema está no último item, afirmam os especialistas. No caso de holdings criadas para investir em outras empresas – geralmente reunindo uma família, com a finalidade de facilitar a sucessão -, a receita principal são os dividendos. E pelo texto do projeto de lei, acrescentam, poderiam ser tributados pela CBS.
A expressão “receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica” dá uma ideia ampla, de qualquer atividade da empresa, mesmo sem estar no objeto social, de acordo com a tributarista Renata Emery, sócia do escritório Stocche Forbes Advogados. “Depois que está na lei fica aberto para interpretação do pessoal da Receita Federal”, afirma a advogada.
Para Renata, com essa redação, a possibilidade de tributação dos dividendos distribuídos a holdings que têm participação em empresas operacionais é certa. “Não há dúvida de que o dividendo da holding que tem participação em outras empresas é tributado por esse projeto. Já o dividendo de forma geral depende da interpretação mais ou menos ampla da Receita”, diz.
Se o termo “atividade” for interpretado de forma mais ampla, acrescenta Renata, há o risco de tributação. “Eu não diria categoricamente que o cliente não será tributado no caso.”
Além dos dividendos, Renata vê o risco de incidir a contribuição social sobre equivalência patrimonial e receita de venda de bens do ativo imobilizado, que são excluídos expressamente na legislação do PIS e da Cofins. “Tudo que está claro, expresso nas leis do PIS e da Cofins, eu não tenho no projeto de lei da CBS”, afirma.
A advogada entende que a brecha impacta diretamente a atração de investimentos. “Vai ser um desastre se passar desse jeito. Mas acredito que seja um equívoco e não proposital.
Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia e uma das principais formuladoras da reforma tributária do governo, diz que a CBS não incide sobre dividendos, equivalência patrimonial ou receita de bens do ativo imobilizado. “É renda e não consumo. A confusão existe porque o PIS/Cofins misturava consumo e renda. Hoje a ideia é limitar ao desenho do consumo para alinhar débito e crédito”, afirma. “Estudamos ajustes, se forem necessários.”
Sócio da área tributária do escritório BMA Advogados, Daniel Loria entende que dividendos e equivalência patrimonial não são tributados pela CBS, mas reforça que a redação do projeto está deixando as empresas preocupadas.
“Precisa deixar claro no projeto de lei, não em entrevista, power point. Para ter a segurança jurídica que o governo quer, é preciso estar na lei”, diz Loria. O fato gerador para tributação pela CBS é a receita bruta de operação, mas o projeto não define o que é operação, o que já traria mais segurança se fosse feito, segundo o advogado. “Entre quem faz a lei e quem aplica há um mundo e anos de distância.”
Segundo Mauricio Maioli, sócio do escritório Feijó Lopes Advogados, a maioria das empresas têm alguma holding familiar em seu quadro de sócios. “A holding em sinão vende bens nem produtos, mas tem como atividade principal participar de outras empresas”, diz.
A maior preocupação hoje para o uso de holdings familiares está na tributação de dividendos, acrescenta o advogado, seja pelo Imposto de Renda ou qualquer outro tributo, como a CBS.
O tributarista Breno Vasconcelos, sócio no escritório Mannrich e Vasconcelos e professor na FGV-SP, acredita que intenção do governo não parece ser a de cobrar CBS sobre receita das holdings pelo que consta na exposição de motivos do projeto. “Entendo que há a brecha interpretativa, mas seria um desvirtuamento de toda a estrutura da CBS”, diz.
Para o tributarista, não há a exclusão expressa como existe para o PIS e a Cofins porque a equipe econômica propôs uma legislação mais enxuta. “É uma brecha sim, mas seria um descalabro daqui a um tempo a Receita Federal tentar tributar dividendos.”
O professor reconhece que a origem da desconfiança está no próprio sistema tributário brasileiro. “Há uma desconfiança porque é assim que a gente vê o país nos últimos 20, 30 anos”, afirma.
Temos no Brasil a cultura da redundância, diz Edison Fernandes, sócio do escritório FF Advogados. “Tudo precisa estar escrito para não ter problema”, afirma ele, acrescentando que a remissão ao artigo 12 não inclui equivalência patrimonial, dividendo ou receita financeira. “Receita bruta não é atividade. A CBS não expandiu o que existe para o PIS e a Cofins.”
Apesar de acreditar que a Receita Federal não cobraria CBS sobre dividendos ou receita de holdings, o advogado pondera que o conceito que está no projeto de lei deixa aberta a possibilidade de existir mais contencioso. “Se já existe questionamento enquanto é projeto, se permanecer assim será judicializado”, diz.
Valor Econômico – Por Beatriz Olivon – 12 de agosto de 2020