PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FIM DE PREQUESTIONAMENTO. MULTA. DESCABIMENTO. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. ÁGIO. DESPESA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. OPERAÇÃO ENTRE PARTES DEPENDENTES. POSSIBILIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO ANTERIOR À ALTERAÇÃO LEGAL. EMPRESA-VEÍCULO. PRESUNÇÃO DE INDEDUTIBILIDADE. ILEGALIDADE.
1. Não há violação do art. 1.022, II, do CPC/2015 quando o órgão julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado, como no caso dos autos.
2. Hipótese em que a Corte Regional apresentou motivação clara e expressa a respeito: a) da possibilidade de dedução do ágio no caso concreto, visto que o instituto teria efetivamente ocorrido (e não artificialmente criado); b) da impossibilidade de criação de hipóteses de “indedutibilidade” não previstas na lei, tal como pretendeu fazer o Fisco; c) da extensão da Lei n. 9.532/1997, notadamente dos seus arts. 7º e 8º; d) da ocorrência efetiva de investimento (aporte de recursos), tendo enfrentado diretamente as questões postas em discussão e entregado a prestação jurisdicional nos limites da lide.
3. Quanto à alegada violação do art. 1.026, § 2º, do CPC, assiste razão jurídica à recorrente, uma vez que os aclaratórios foram interpostos com o objetivo de prequestionamento, pelo que aplicável a Súmula 98 do STJ no particular.
4. A controvérsia principal dos autos consiste em saber se agiu bem o Fisco ao promover a glosa de despesa de ágio amortizado pela recorrida com fundamento nos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997, sob o argumento de não ser possível a dedução do ágio decorrente de operações internas (entre sociedades empresárias dependentes) e mediante o emprego de “empresa-veículo”.
5. Ágio, segundo a legislação aplicável na época dos fatos narrados na inicial, consistiria na escrituração da diferença (para mais) entre o custo de aquisição do investimento (compra de participação societária) e o valor do patrimônio líquido na época da aquisição (art. 20 do Decreto-Lei n. 1.598/1977).
6. Em regra, apenas quando há a alienação, liquidação, extinção ou baixa do investimento é que o ágio a elas vinculado pode ser deduzido fiscalmente como custo, para fins de apuração de ganho ou perda de capital.
7. A exceção à regra da indedutibilidade do ágio está inserida nos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/1997, os quais passaram a admitir a dedução quando a participação societária é extinta em razão de incorporação, fusão ou cisão de sociedades empresárias.
8. A exposição de motivos da Medida Provisória n. 1.602/1997 (convertida na Lei n. 9.532/1997) visou limitar a dedução do ágio às hipóteses em que fossem acarretados efeitos econômico-tributários que a justificassem.
9. O Código Tributário Nacional autoriza que a autoridade administrativa promova o lançamento de ofício quando “se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação” (art. 149, VII) e também contém norma geral antielisiva (art. 116, parágrafo único), a qual poderia, em última análise, até mesmo justificar a requalificação de negócios jurídicos ilícitos/dissimulados, embora prevaleça a orientação de que a “plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer os procedimentos a serem seguidos” (STF, ADI 2446, rel. Min. Carmen Lúcia).
10. Embora seja justificável a preocupação quanto às organizações societárias exclusivamente artificiais, não é dado à Fazenda, alegando buscar extrair o “propósito negocial” das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre “partes dependentes” (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via “empresa-veículo”; ou seja, não é cabível presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações são desprovidos de fundamento material/econômico.
11. Do ponto de vista lógico-jurídico, as premissas em que se baseia o Fisco não resultam automaticamente na conclusão de que o “ágio interno” ou o ágio resultado de operação com o emprego de “empresa-veículo” impediria a dedução do instituto em exame da base de cálculo do lucro real, especialmente porque, até 2014, a legislação era silente a esse respeito.
12. Quando desejou excluir, de plano, o ágio interno, o legislador o fez expressamente (com a inclusão do art. 22 da Lei n. 12.973/2014), a evidenciar que, anteriormente, não havia vedação a ele.
13. Se a preocupação da autoridade administrativa é quanto à existência de relações exclusivamente artificiais (como as absolutamente simuladas), compete ao Fisco, caso a caso, demonstrar a artificialidade das operações, mas jamais pressupor que o ágio entre partes dependentes ou com o emprego de “empresa-veículo” já seria, por si só, abusivo.
14. No caso concreto, adotando o cenário fático narrado na sentença e no acórdão, em razão dos limites impostos pela Súmula 7 do STJ, não há demonstração de que as operações entabuladas pela parte recorrida foram atípicas, artificiais ou desprovidas de função social, a ponto de justificar a glosa na dedução do ágio.
15. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa imposta em face da interposição dos embargos de declaração.
(REsp n. 2.026.473/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 19/9/2023.)