Uma reforma tributária eficiente, que ajudasse a diminuir a litigiosidade, tornaria a temática processual de menor importância.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi recentemente incumbido de sugerir uma remodelagem do processo tributário brasileiro, considerado ineficiente. A ineficiência é uma realidade, mas sua maior causa é o grau de complexidade do próprio modelo tributário brasileiro.
Uma reforma tributária eficiente, que ajudasse a diminuir a litigiosidade, tornaria a temática processual de menor importância. Reformar apenas o processo tributário é como apreender a arma ao invés de prender o bandido.
Uma reforma tributária eficiente, que ajudasse a diminuir a litigiosidade, tornaria a temática processual de menor importância
Para além da carga tributária, pesquisas apontam que os contribuintes se preocupam mais com a segurança jurídica e com o tempo desperdiçado no atendimento de obrigações principais e acessórias.
Assim, no âmbito da agora invocada “reforma do processo tributário”, caberia pensar em procedimentos de consultas prévias, instantâneas ou de rápida resposta, que sustentassem os atos e negócios jurídicos pretendidos. Deve-se alçar a segurança jurídica e o bom atendimento aos contribuintes a um nível mais elevado, como se pretendeu com até aqui tímidos programas de conformidade ensaiados nas esferas federal e estadual de São Paulo, por exemplo.
Em suma, trata-se de enaltecer o freguês contribuinte, dando-lhe um pouco mais de credibilidade, qualidade de informação, enfim, satisfação. Esse esforço ajudaria a diminuir a litigiosidade “naturalmente”.
De toda forma, sempre são possíveis reformas legais que melhorem o que se tem hoje em termos de processo tributário. Atualmente, dispomos das vias administrativa e judicial para lidar com o contencioso tributário. Dentre tantas alterações que poderiam ser examinadas, vale checar se o anseio de melhorar o processo não o tornaria mais injusto e menos atento a princípios e regras constitucionais garantidoras dos direitos fundamentais dos contribuintes.
Sejamos então proativos e propositivos. É de se pensar na eliminação da primeira instância administrativa das diversas esferas de julgamento, atraindo maior responsabilidade para os filtros de lançamentos – que são os órgãos paritários de controle de legalidade e qualidade de lançamentos diversos (tribunais administrativos propriamente ditos).
Essa esfera única poderia se aprofundar e iniciar sua missão com a aproximação das partes em uma espécie de conciliação, diminuindo a assimetria de informações de parte a parte, para, após, se necessário, seguir-se um julgamento em que o órgão decisório já teria também uma maior maturação e conhecimento do tema sob análise.
Tanto o Fisco poderia reconhecer um superdimensionamento do lançamento, por exemplo, colhendo impressões quanto à intenção do contribuinte, como este último poderia se convencer de que a composição em termos justos é preferível ao litígio para o qual atualmente ambos são “empurrados” pela marcha fria do lançamento baseado no binômio termo de notificações versus respostas, estas invariavelmente espremidas entre prazos exíguos e tolhidas pela necessidade de se pisar em ovos para evitar autuações disparatadas.
O próprio processo civil judicial, em sua grande última reforma (cujo resultado é o Código de 2015), teve como norte o caráter conciliatório, que pode e deve ser opção ao longo de todo e qualquer trâmite processual.
Alterações no processo judicial tributário, a nosso ver, seriam pontuais. Deve se ter cuidado para que não sejam confundidos problemas de processo tributário com problemas (que existem) no sistema recursal geral e no rito específico das execuções fiscais. Deixaria aqui apenas o indicativo de que mudanças devem ser no sentido de baratear a Justiça, também no tocante a custas e despesas processuais, mas, sobretudo quanto ao custo das garantias necessárias em determinados litígios fiscais. Certamente o credor fisco pode ser protegido sem que necessariamente o contribuinte tenha uma expressiva onerosidade.
Falta maior lealdade e racionalidade. Vejam o que ocorre com processos aduaneiros, por exemplo, em casos de discussão de classificação tarifária. Persiste nessas situações a prática arcaica de sanção política com retenção de mercadorias, onerando-se o comércio não apenas com tributos, mas também com armazenagem, inadimplementos contratuais, juros, multas etc, para, mais adiante, ainda se correr o risco de perecimento do produto.
Ou seja, para se discutir quem tem razão em uma importação isolada, arrisca-se a própria existência da empresa, que deixa de honrar com compromissos diversos. Arranha-se, ainda, a imagem do país no exterior – o Brasil já é considerado há décadas uma distopia em termos fiscais e burocráticos.
Em essência, a presunção de legitimidade do ato administrativo não pode mais ser usada como meio de tornar temas comezinhos em contenciosos custosos e longos (tempo é dinheiro). Justamente por ser uma presunção relativa, não deveria ser tratada como se absoluta fosse no cotidiano das autoridades.
Qualquer melhoria em um cenário tão caótico é louvável, inclusive aperfeiçoamentos no processo contencioso tributário. Há, porém, outros gargalos mais urgentes que surtiriam efeitos positivos muito mais imediatos e radicais sobre o próprio rito do processo tributário.
Por Flávio Sanches
Flávio Sanches é responsável pela área de direito tributário do CSMV Advogados, graduado pela Universidade Mackenzie
Fonte: Valor Econômico – Por Flávio Sanches – 01/04/2021.