A desoneração das exportações ganhou destaque nas últimas semanas com a inclusão em pauta do Recurso Extraordinário 759.244 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.735, em que se discute, à luz do artigo 149, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal, a constitucionalidade da incidência de contribuição social sobre as receitas decorrentes de exportações, quando realizadas de forma indireta, ou seja, efetuadas por intermédio de trading companies.
No referido caso, discute-se a validade do artigo 170, parágrafos 1º e 2º, da Instrução Normativa 971/09[1], no qual a Receita Federal, em relação ao Funrural, restringiu o alcance da imunidade apenas aos casos em que a comercialização da produção rural se realiza de forma direta entre produtor e adquirente, excluindo as exportações intermediadas por trading companies.
A controvérsia também está relacionada à redação do artigo 22-A da Lei 8.212/91, na medida em que, ao instituir a contribuição devida pela agroindústria incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, no percentual de 2,5%, o dispositivo restou silente acerca da imunidade das exportações indiretas.
Destacamos, desde logo, que o fato de a Lei 8.212/91 ter tratado ou não da questão nada altera nossas conclusões. Isto porque, caso a lei tivesse restringido a imunidade prevista no parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição Federal para as receitas decorrentes da exportação, ela seria inconstitucional.
É importante enfatizar que a referida norma por sua natureza se inclui no rol de abrangência da imunidade prevista no artigo 149, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal, uma vez que trata de contribuição incidente sobre a receita.
Ao analisar casos semelhantes, o Supremo Tribunal Federal decidiu, ao julgar o RE 566.259, relator ministro Ricardo Lewandowski, que a CPMF não foi contemplada pela referida imunidade, porquanto a sua hipótese de incidência — movimentações financeiras — não se confunde com as receitas. No mesmo sentido, ao julgar o RE 564.413, relator ministro Marco Aurélio, decidiu que a imunidade prevista no inciso I do parágrafo 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas exportadoras, julgando válida a incidência da CSLL.
É interessante que, no primeiro caso, o voto-vista da ministra Ellen Gracie deixa claro que a imunidade das exportações é objetiva, buscando-se a imunização das “receitas de exportação”, e não das “empresas exportadoras”. Esclarece ainda que receita de exportação é o ingresso de uma operação de exportação de bem ou serviço.
Em nosso entendimento, independentemente do silêncio da legislação acerca da extensão da imunidade às receitas de exportação intermediadas por trading companies, a questão deve ser compreendida e enfrentada a partir do princípio do destino. Isto porque, em linha com Ricardo Lobo Torres, entendemos que as imunidades tributárias nas exportações representam efetivação do princípio do país do destino, garantindo a neutralidade no fluxo internacional de mercadorias e serviços[2].
Note-se que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a necessidade da interpretação teleológica com o objetivo de conferir efetividade ao princípio do país do destino:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICMS. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA. TRANSPORTE DE MERCADORIAS CUJA DESTINAÇÃO FINAL É A EXPORTAÇÃO. ART. 3º, II, DA LC N. 87/1996. DIREITO. 1. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp 710.260/RO, consignou que a isenção prevista no art. 3º, II, da LC n. 87/1996 não seria exclusiva das operações que destinam mercadorias diretamente ao exterior, alcançando outras que integram todo o processo de exportação, inclusive as parciais, como o transporte interestadual. 2. Hipótese em que a recorrente pretende o reconhecimento do direito a créditos de ICMS em razão da aquisição de insumos essenciais às atividades de exportação, especialmente de óleo diesel e de óleo combustível, utilizados em sua atividade de transporte de cargas destinadas ao exterior, bem como o direito de proceder à atualização monetária desses créditos. 3. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, a fim de reconhecer à transportadora recorrente o direito ao benefício fiscal quanto às mercadorias transportadas que, comprovadamente e ao final, destinarem-se à exportação.[3]
A decisão reconhece o caráter duplo da regra de imunidade das exportações, confirmando que a imunidade é de toda a cadeia produtiva exportadora, e não apenas em relação às receitas auferidas pela empresa exportadora.
Partindo de tal premissa, o Pleno do STF, nos autos do RE 627.815, sob a relatoria da ministra Rosa Weber, manifestou-se pela interpretação mais ampla possível da imunidade, ao asseverar que o legislador constituinte — ao contemplar na redação do artigo 149, parágrafo 2º, I, da Lei Maior, as “receitas decorrentes de exportação” — conferiu maior amplitude à desoneração constitucional, suprimindo do alcance da competência impositiva federal todas as receitas que resultem da exportação, que nela encontrem a sua causa, representando consequências financeiras do negócio jurídico de compra e venda internacional. A intenção plasmada na Carta Política é a de desonerar as exportações por completo, a fim de que as empresas brasileiras não sejam coagidas a exportarem os tributos que, de outra forma, onerariam as operações de exportação, quer de modo direto, quer indireto.
Qual a teleologia dessa norma? Isso a nosso ver é respondido pelo princípio do destino. Nessa linha se posicionou o ministro Edson Fachin no julgamento do RE 723.651: “Tal problemática deve ser solucionada na ambiência da harmonização tributária entre entes soberanos em dinâmica de comércio exterior, para que não haja pluritributação, isto é, sobre o mesmo fato incida uma pluralidade de normas de ordenamentos jurídicos diversos”.
O princípio do destino prescreve que as riquezas devem ser tributadas exclusivamente pelo país do não residente, significa dizer do país em que se realiza a importação[4], visando à neutralidade e à desoneração da exportação dos serviços, anulando todas as incidências internas anteriores à exportação ou restituindo os montantes pagos em todas as etapas da cadeia de circulação, no caso de se manter a cobrança, bem como pela instituição de imposto compensatório, no caso das importações[5].
Nas corretas palavras de Bevilacqua: “As desonerações das exportações não consubstanciam qualquer prática de concessão de incentivos fiscais; trata-se, na realidade, de ‘desoneração estrutural’, consistente na eliminação do ônus fiscal sobre bens e serviços destinados ao exterior como decorrência da própria conformação do poder de tributar pela Constituição ao assimilar o princípio do país do destino[6]”.
Nessa senda, entendemos que o princípio do destino “é a norma que determina a desoneração da tributação indireta na cadeia exportadora que, por opção do constituinte derivado (ECs 3/1993, 33/2001, 37/2002 e 42/2003), é instrumentalizado através de regras de imunidade tributária”[7].
E, ao que nos parece, essa foi justamente a premissa adotada no recente julgamento do RE 759.244. Com efeito, durante o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes foi preciso ao afirmar que a imunidade das exportações busca justamente evitar a exportação de tributos. Em outras palavras, o objetivo da imunidade é propiciar iguais condições de competitividade das mercadorias produzidas no território nacional no comércio internacional, não se limitando aos grandes produtores.
Por esse motivo correta a extensão da imunidade aos exportadores indiretos, permitindo que pequenos e médios produtores destinem sua produção ao exterior, salvaguardando, inclusive, o princípio da livre concorrência.
Assim, andou bem o Supremo Tribunal Federal ao decidir que determinada a hipótese de incidência do Funrural como sendo a receita, mais especificamente, a receita decorrente da exportação, correta a desoneração, sob o manto da imunidade prevista no parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição.
A adoção do princípio do destino na Constituição Federal deve ser levada em consideração quando verificada a extensão da imunidade das receitas decorrentes da exportação. Tal princípio também deve ser utilizado como premissa para elaboração de propostas legislativas, o que, entretanto, não parece ser o caso da Proposta de Emenda à Constituição 42/2019, que revoga a não incidência de ICMS na exportação de produtos não-industrializados e semielaborados, o que traria grande prejuízo às empresas brasileiras atuantes no mercado internacional.
[1] Art. 170. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior.§ 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.
[2] TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da não-cumulatividade e o IVA no direito comparado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O princípio da não-cumulatividade. São Paulo: RT, 2004. p. 161.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial 851.938. Julgado em 9 de agosto de 2016.
[4] BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais às exportações: Desoneração da tributação indireta na cadeia exportadora e concorrência fiscal internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 177.
[5] TAKANO, Caio Augusto. Tributação sobre o consumo nas importações – neutralidade, competitividade e limitações constitucionais. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, ano 12, nº 67, Belo Horizonte, janeiro/fevereiro de 2014, p. 81-82
[6] BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais às exportações: Desoneração da tributação indireta na cadeia exportadora e concorrência fiscal internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 273.
[7] BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais às exportações: Desoneração da tributação indireta na cadeia exportadora e concorrência fiscal internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 61.
Por Michell Przepiorka, Caio Augusto Takano, Daniel de Paiva Gomes e Eduardo de Paiva Gomes
Michell Przepiorka é Mestrando em Direito Tributário (IBDT); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) Especialista em Direito Tributário Brasileiro (IBDT); professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.
Caio Augusto Takano é mestre e doutor em Direito Tributário (USP); Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo; juiz do Conselho Municipal de Tributos da Prefeitura de São Paulo; e sócio de Takano e Przepiorka Advogados.
Daniel de Paiva Gomes é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, mestre em Direito Tributário (FGV Direito/SP); especialista em Direito Tributário Internacional (IBDT) e em Direito Tributário brasileiro (PUC-COGEAE), professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB – Seção Central de São Paulo e Subseção de Pinheiros.
Eduardo de Paiva Gomes é sócio do Vieira, Drigo e Vasconcellos Advogados, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), mestrando em Direito Tributário pela FGV-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB – Seção Central de São Paulo e Subseção de Pinheiros.
Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-fev-20/opiniao-principio-destino-imunidade-exportacoes-funrural