A competência dos órgãos administrativos de julgamento de litígios tributários é decorrente de lei específica. Vale dizer, exercem a sua função jurisdicional nos limites estabelecidos pela legislação.
No âmbito do Estado de São Paulo, a Lei nº 13.457/09, em seu artigo 28, definia que, no julgamento, é vedado afastar a aplicação de lei sob a alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada em: (i) ação direta de inconstitucionalidade ou (ii) por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.
A partir do atual Código de Processo Civil (CPC), em 2015, novas hipóteses de precedentes vinculantes foram introduzidas em nosso sistema.
Com a finalidade de compatibilizar tais institutos vinculantes à lei do processo administrativo tributário paulista, a Lei Paulista nº 16.498/2017 introduziu ao artigo 28 da Lei nº 13.457/09 também a hipótese da súmula vinculante.
A despeito da tentativa de uniformizar os subsistemas processuais judicial e administrativo, a lei do processo administrativo tributário paulista não prevê que, no julgamento, seja possível deixar de aplicar a lei nas hipóteses em que sua inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em sede de julgamento de recurso repetitivo (art. 927, III, do CPC), em súmulas do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça (art. 927, IV, do CPC) ou declarada em plenário ou órgão especial do Tribunal (art. 927, V, CPC).
Isto significa que os órgãos de julgamento administrativos tributários acabam por manter decisões que contrariam tais precedentes judiciais, sobretudo por entenderem que sua aplicação não tem autorização legal.
O efeito prático é que decisões administrativas contrárias a tais precedentes judiciais acabam por autorizar a inscrição de débitos em dívida ativa e aparelham execuções fiscais em face de contribuintes, judicializando desnecessariamente as questões pacificadas no âmbito do Poder Judiciário.
O Judiciário, ao se deparar com demandas que contrariam referidos precedentes judiciais, deve julgar liminarmente improcedente o pedido da Fazenda Pública (art. 332 do CPC), deve necessariamente observar referidos precedentes (art. 927 do CPC, submetendo ainda, aos que não o fizerem, à reclamação perante os respectivos tribunais superiores (art. 988 do CPC).
Não bastasse, o fim desfavorável do processo judicial que exige crédito tributário onera a Fazenda Pública com a condenação no pagamento de custas judiciais e honorários de da sucumbência.
A ideia de sistema não permite seja assim. O atual CPC deve ser aplicado de forma supletiva e subsidiária ao processo administrativo tributário, impondo a sua vinculação aos precedentes judiciais.
Os processos administrativos e judiciais não são sistemas distintos, mas fazem parte de um único sistema processual, atuando, em harmonia, na função estatal de pacificar litígios, conferindo segurança e isonomia a todos os jurisdicionados.
Não faz sentido, ferindo a moralidade e o dever de eficiência administrativa (art. 37 da Constituição Federal), manter um crédito tributário em afronta a precedentes judiciais alçados ao “status” de vinculativos pela lei federal. O pior é que muitas destas questões sedimentadas na gama de precedentes vinculativos trazidos pelo CPC – mas contrariadas pelo órgão administrativo de julgamento (Estado) -, são objeto de reconhecimento de inexigibilidade pela própria Procuradoria deste mesmo Estado, tal como ocorre com as Orientações Normativas SubG-CTF nº 1 e nº 2 de 1 de julho de 2016.
É um comportamento contraditório do próprio Estado, enquanto entidade una, ferindo a boa-fé que lhe é inerente.
Veja-se, afinal, que se a lei maior diz que o juiz é o intérprete legítimo da lei, depreende-se que as suas decisões definem exatamente o que diz a lei. E, assim sendo, contrariar a jurisprudência pacífica é contrariar a própria lei, podendo, inclusive, acarretar em responsabilidade dos agentes públicos, julgadores ou não, por deixar de observá-la. É erro grosseiro e fundamenta exigência indevida pelos agentes públicos que insistem em tal comportamento.
FONTE: Valor Econômico – Por Eduardo Salusse – 6 de setembro de 2019