Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) emitiram pareceres com posicionamentos divergentes sobre a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgar, em repetitivo, a discussão sobre o ICMS que deve ser excluído do cálculo do PIS e da Cofins. Eles se manifestaram em três dos quatro recursos destacados: em dois deles a favor da admissibilidade e em um contra.
Esse é mais um capítulo de uma novela que perdura por mais de duas décadas. O episódio final seria o de março de 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o imposto estadual não poderia integrar a base do PIS e da Cofins.
Porém, para a União, não ficou claro qual o ICMS deve ser retirado do cálculo: se o destacado na nota fiscal, como defendem os contribuintes, ou o efetivamente recolhido – geralmente menor -, como entende a Receita Federal.
Esse questionamento foi feito em embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em outubro de 2017, sete meses depois do julgamento (RE 574706). O recurso ainda está pendente de análise.
Ontem, no entanto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, liberou o processo e advogados acreditam que o julgamento possa ocorrer neste semestre, apesar de o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, já ter definido a pauta do plenário até o mês de novembro e não ter incluído o tema.
A questão sobre qual ICMS deve ser retirado do cálculo é discutida em cerca de 30 mil ações, segundo a PGFN. E uma parcela já começou a subir para o STJ – são principalmente recursos da Fazenda contra decisões proferidas no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, no Sul do país.
A PGFN enviou ofício para a 1ª Seção do STJ alertando sobre a quantidade de processos e pedindo para que o tema seja julgado em repetitivo. O pedido já foi atendido, em parte, pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Como presidente da Comissão Gestora de Precedentes, cabe a ele fazer um primeiro exame do que pode ser afetado. Trata-se de uma análise preliminar com base na quantidade de processos somente.
Sanseverino destacou quatro recursos que poderiam ser afetados (REsp 1822256, REsp 1822254, REsp 1822253 e REsp 1822251), mas a decisão de levar a votação para o Plenário Virtual da 1ª Seção é do relator desses processos, que ainda não foi sorteado.
Por enquanto, corre o prazo para que as partes envolvidas nessas ações e o MPF se manifestem se são contra ou a favor do julgamento em repetitivo. Por isso já existem os pareceres apresentados pelos procuradores.
O subprocurador-geral da República João Heliofar de Jesus Villar posicionou-se pelo não conhecimento do recurso em parecer emitido no REsp 1822256. Ele diz entender como relevantes os fundamentos da União, já que o valor destacado nas notas fiscais não corresponde ao que foi efetivamente recolhido ao Estado a título de ICMS – em razão do caráter não cumulativo do imposto -, mas afirma que quem deve decidir sobre isso é o Supremo.
“Note que qualquer decisão adotada pelo STF no julgamento dos embargos interpostos pela União inevitavelmente prejudicará o julgamento deste recurso especial e de todos os que tiverem o mesmo objeto”, afirma no texto. “Aliás, nem é caso de relação de prejudicialidade, mas de identidade da própria tese debatida neste recurso com a que pende de aclaramento no RE 574706, o que mostra que a competência para a solução da questão é realmente daquela Corte”, completa.
Já Maria Caetana Cintra Santos e Denise Vinci Tulio, que também atuam como subprocuradoras-gerais da República, ao se manifestarem no REsp 1822251 e no REsp 1822253, respectivamente, entenderam pela admissibilidade dos recursos. As duas constataram a “presença dos requisitos legalmente exigidos” e levaram em conta “a notícia de multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) não vê problemas em haver entendimentos diferentes. Por meio de nota, afirma que, apesar de terem o mesmo tema, os processos são distintos e ao chegarem para o órgão são distribuídos aos subprocuradores conforme o ofício de atuação. “Desta forma, também respeitando o princípio da independência funcional, pode haver diferentes entendimentos dos membros de acordo com a sua convicção jurídica e interpretação do processo”, diz o texto.
Já para os contribuintes, a indefinição acarreta “mais insegurança jurídica”. O entendimento de advogados que acompanham o tema é o de que o acórdão do Supremo não deixou dúvidas sobre o ICMS que deve ser excluído e, para eles, a argumentação da Fazenda é “mera estratégia” para reduzir a conta. “Estão tentando uma outra via para discutir a questão”, afirma a advogada Cristiane Romano, do Machado Meyer.
Luis Augusto Gomes, do escritório Viseu Advogados, diz que o entendimento da Receita, sobre excluir somente o imposto que foi recolhido pelo contribuinte, não é o mais adequado porque o que importa para PIS e Cofins é o valor que consta na nota fiscal. “Se for da forma como a Receita entende, o contribuinte vai permanecer pagando mais do que deve”, afirma.
O entendimento do Fisco sobre esse assunto foi formalizado na Solução de Consulta nº 13, publicada pela Coordenação Geral de Tributação (Cosit) em outubro. Em razão do risco de ter seus pedidos não homologados pela Receita Federal, empresas com ações transitadas em julgado estão fazendo as compensações (quitação de tributos com créditos) com base na decisão do órgão.
“Os contribuintes estão fazendo isso de forma conservadora”, contextualiza Luis Augusto Gomes. “Mas eles têm impetrado mandados de segurança preventivos para afastar a solução de consulta e ter direito aos valores cheios. Parte dessas ações está, agora, subindo para o STJ.”
A liberação dos embargos para julgamento pela ministra Cármen Lúcia pode dar força para que a questão permaneça no STF, segundo Saul Tourinho Leal, do Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia. “O Supremo já conhece a matéria e, pelo apelo que tem, acredito que o presidente [Dias Toffoli] ainda poderá incluir na pauta do semestre”, afirma. (Colaborou Beatriz Olivon)
Fonte: Valor-04/07/2019
Por Joice Bacelo