É consenso, na sociedade, que o sistema tributário brasileiro deve ser urgentemente reformado, tendo em vista a sua complexidade legislativa, onerosidade operacional e ineficiência. Por outro lado, é enorme o dissenso sobre quais medidas devem ser implementadas.
A atenção, há tempos, encontra-se voltada para análise de projetos de alterações legislativas, de importância inegável, mas com a desconsideração de outro tipo de avanço, que também é imprescindível.
Trata-se da mudança de postura dos principais atores da sistemática tributária: governos, fiscos e contribuintes, tendo em vista a realidade de extremado grau de conflituosidade tributária.
A mudança de posturas é também imprescindível para a tão desejada e necessária melhoria do sistema tributário
O elevadíssimo número de processos administrativos e judiciais tributários em curso é o exemplo mais claro dessa situação. A publicação “Justiça em Números” do CNJ informou que, no fim de 2017, havia 31,1 milhões de execuções fiscais, que correspondiam à 39,22% dos processos em trâmite na Justiça. Segundo números divulgados pela PGFN, em 2018, o valor inscrito em dívida ativa era de R$ 2 trilhões. O Carf informa que o valor de crédito discutidos na esfera administrativa tributária federal, em abril de 2018, montava R$ 614 bilhões. Números grandiosos e que não consideram os contenciosos estaduais e municipais.
Também caracteriza o nosso sistema, o elevado patamar de sonegação fiscal. Estimativas do Sindicato do Procuradores da Fazenda Nacional fixam em torno de R$ 500 bilhões o valor anualmente sonegado de tributos no Brasil (2016). Como consequência direta desse contexto, temos o aumento da complexidade da legislação tributária e incremento cada vez maior de obrigações acessórias. O que implica na necessidade de grande aparato fiscalizatório e de uma legislação punitiva rigorosa em matéria tributária, que aumento o risco dos contribuintes no cumprimento das suas obrigações.
Esse estado de coisas é alimentado pela postura, em diversas situações, dos referidos atores, que enxergam a tributação exclusivamente pela ótica dos seus interesses.
O agir dos envolvidos na atividade tributária, entretanto, deve imprescindivelmente partir da compreensão de que no Estado Democrático de Direito as garantias jurídicas como a separação dos poderes, legalidade, igualdade, segurança jurídica, além dos clássicos direitos fundamentais, encontram-se conjugadas com os direitos sociais, que buscam a realização da igualdade material e justiça social, o que demanda a arrecadação de recursos que viabilizem o cumprimento do projeto de nação instituído pela Constituição.
A prevalência da ótica dos interesses próprios é identificada em situações diversas. Quando, por exemplo, o legislador institui normas tributárias cuja a incompatibilidade com o sistema tributário (Constituição e CTN, principalmente) é flagrante ou o risco da sua invalidação pelo Poder Judiciário é bastante alta. Motivado por interesses arrecadatórios do Executivo, que aposta na esperada demora de que a norma tenha uma análise final pelo Poder Judiciário e também no fato de que grande parte dos contribuintes não deverá ajuizar demandas, o que lhe garante o efeito arrecadatório imediato, que lhe trará vantagens no curso do seu governo, com a transferência do “esqueleto” para governos vindouros.
Também em momentos nos quais autoridades fiscais tomam medidas visando exclusivamente interesses arrecadatórios, mesmo em detrimento da correta aplicação da Constituição Federal, dos princípios tributários e das limitações constitucionais ao poder de tributar, caso da aplicação das chamadas sanções políticas (como a obstacularização infundada na obtenção de certidão de regularidade fiscal, pelos contribuintes ou a postergação na devolução de créditos tributários), o que contribui fortemente para a conflituosidade tributária.
Ou mesmo em situações em que contribuintes não cumprem o seu dever de colaboração para com a autoridades fiscais ou lançam mão de “planejamentos tributários” artificiais ou irrazoáveis, com o único intuito de evitar ou reduzir o montante de tributo, que nos termos da legislação, deveria recolher.
Apesar de existirem avanços na postura adotadas por representantes dessas categorias, não se visualiza patamar de melhora na relação entre Fisco e contribuinte que leve a consequências de amplitude, concretas e relevantes no que se refere à maior aderência às obrigações tributárias (contribuintes), à administrações fiscais mais eficientes e vinculadas ao respeito dos direitos dos contribuintes e à boa-fé (administração fiscal), e à construção de uma legislação menos complexa e de melhor qualidade, que leve à uma tributação menos regressiva e com redução dos privilégios fiscais injustificáveis (legisladores e governos).
A mudança dessas posturas, que demanda maior educação tributária, com a conscientização de que a tributação está inserida na construção de uma sociedade justa e solidária, devendo sempre prevalecer o interesse público e o respeito aos princípios e garantias constitucionais, é também imprescindível para a tão desejada e necessária melhoria e evolução do nosso sistema tributário.
Por Alessandro Mendes Cardoso
Alessandro Mendes Cardoso é advogado, sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, doutorando em Direito Público na PUC/MG e mestre em Direito Tributário pela UFMG.
Fonte : Valor-26/04/2019