Se for comprovado que o plano coletivo de previdência complementar não tem propósito previdenciário, sobre ele incide Imposto de Renda Retido na Fonte. O entendimento foi fixado, por voto de qualidade, pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
No caso, uma empresa de comercialização e processamento de produtos agrícolas foi autuada por sonegar impostos em 2009 e 2010. Conforme a fiscalização, o plano de contribuição variável da empresa não tinha o intuito de garantir complementação dos benefícios do regime geral da Previdência Social e estava sendo usado como “conta corrente” dos participantes, que resgatavam os valores após o depósito da contribuição.
Prevaleceu o entendimento do conselheiro Reginaldo Paixão Emos. Para ele, houve ofensa ao artigo 202 da Constituição Federal.
De acordo com a norma, “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes”.
Para o conselheiro, ficou demonstrada a prática de sonegação, pois o contribuinte teria utilizado formas jurídicas capazes de contornar ou diminuir a tributação. A multa aplicada ao caso foi de 150% do valor do tributo devido.
O conselheiro entendeu que os valores dos aportes a planos coletivos de previdência complementar de entidade aberta, ainda que ofertado plano diferenciado a grupo ou categoria distinta de trabalhadores da empresa, não caracterizam remuneração, desde que não utilizados como instrumento de incentivo ao trabalho, concedidos a título de gratificação, bônus ou prêmio.
“Para um plano ser considerado de previdência complementar, nos termos do artigo 202 da CF exige-se que o regime seja baseado na formação de reservas para garantia do benefício previdenciário contratado e que as entidades de previdência complementar tenham por objetivo instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário”, afirma.
Segundo ele, no caso concreto, em razão da expressividade dos aportes e de seus resgates, bem como a falta de comprovação do propósito previdenciário do plano, “ficou caracterizada a natureza remuneratória do plano, implicando incidência de IRRF sobre as contribuições efetuadas pela empresa instituidora ao plano de previdência aberta”, diz.
Voto vencido
Em voto vencido, o relator, conselheiro Marcelo Freitas de Souza Costa, afirmou que diante da ausência do caráter contraprestacional, a CF/88, a legislação ordinária, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a natureza assistencial e/ou previdenciária de tais prestações, que, assim, por natureza não integram o salário, nem a remuneração dos empregados para nenhum efeito.
“Este é o caso das prestações no âmbito da previdência privada em causa que, a despeito das mencionadas normas constitucionais, o Fisco pretende indevidamente incluir na base de cálculo do Imposto de Renda”, diz.
Para o relator, não há vedação para que os planos das entidades abertas sejam instituídos para grupos de pessoas constituídos por uma ou mais categorias específicas de empregados de um mesmo empregador.
“Além disso, o resgate da previdência privada configura item de previsão obrigatória, constituindo um direito do participante. Dessa forma, as contribuições são livres na medida em que se trata de um plano de previdência na modalidade de contribuição variável, no qual é inerente a possibilidade de as contribuições da instituidora serem feitas em qualquer valor e a qualquer tempo”, explica.
Regulamentação fixada
De acordo com a advogada Mírian Lavocat, do escritório Lavocat Advogados, nos termos do artigo 35 do Decreto 9.580/2018, que regulamenta a atividade administrativa fiscal sobre o Imposto de Renda, “são isentas as contribuições empresariais pagas pelos empregadores referentes ao programa de previdência privado em favor de seus empregados e seus dirigentes”.
Para a especialista, não é possível extrair da redação do dispositivo o que, exatamente, seria este propósito previdenciário. “Se um Plano de Previdência Complementar está em absoluta convergência com a legislação específica e foi aprovado pela Superintendência de Seguros privados (SUSEP), isto é, possui plena eficácia e validade perante ao órgão responsável pela sua regulamentação, a presunção deveria ser que há a pretensão previdenciária, e, jamais, que, de maneira dolosa, excluiu-se este propósito”, explica.
Controvérsia
A advogada Isabella Flügel M. Paschoal, do escritório Caputo, Barbosa & Zveiter Advogados, lembra que a controvérsia relativa à sujeição ou não das contribuições a Plano Coletivo de Previdência Complementar e respectivos resgates foi resolvida pelo Superior Tribunal de Justiça em 2008, no REsp 1.012.903.
“O STJ reconheceu que tais montantes não devem ser tributados pelo Imposto de Renda. Para o Fisco, não basta que o plano complementar esteja de acordo com a lei e com as normas, mas é necessário, ainda, que as contribuições possam efetivamente subsidiar renda futura aos beneficiários”, diz.
A especialista ainda alerta que a análise do Fisco é, na maioria das vezes, subjetiva, e há uma linha muito tênue entre a sonegação fiscal e técnicas de planejamento tributário.
“É preciso que o contribuinte fique atento aos meios empregados para reduzir a carga tributária, bem como aos autos de infração lavrados pela Autoridade Fiscal, tanto para evitar futuros questionamentos, quanto para se defender de interpretações equivocadas”, aponta.
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Por Gabriela Coelho
Gabriela Coelho é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2019.
https://www.conjur.com.br/2019-abr-13/plano-complementar-proposito-previdenciario-pagar-ir