No último ano, a discussão acerca da validade de estrutura usualmente adotada pelos contribuintes em operações de alienação de ativos alcançou a Câmara Superior (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Trata-se da prévia transferência de investimento detido pela pessoa jurídica à pessoa física quotista/acionista por meio de redução capital com posterior alienação desse ativo por esta, resultando em redução da carga tributária incidente sobre o ganho de capital decorrente da operação.
As operações supra são, via de regra, fundamentadas no artigo 22 da Lei 9.249/1995, que permite a entrega de bens e direitos do ativo da pessoa jurídica a título de devolução de capital, pelo valor contábil ou de mercado. Segundo a norma, na transferência por valor contábil, não há tributação imediata, a qual ocorrerá somente quando da eventual alienação do ativo pelo quotista/acionista por valor superior àquele por qual o recebeu, aplicando-se alíquota progressiva do Imposto de Renda da Pessoa Física de 15% a 22,5%.
Já na alienação pelo valor de mercado, a diferença entre este e o montante pelo qual o ativo está registrado na contabilidade da pessoa jurídica é tributada nesta à alíquota agregada do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 34%, assim como na venda do bem pela entidade a terceiros.
A despeito da expressa previsão legal acima mencionada, operações dessa natureza vêm sendo questionadas pelas autoridades fiscais sob o argumento principal de “ausência de propósito negocial”, ou seja, que seria planejamento tributário abusivo com finalidade exclusiva de redução da carga tributária incidente sobre a operação de venda de 34% para 15%. Importa frisar que a autoridade fiscal usualmente se utiliza do parágrafo único do artigo 116, o qual, em tese, permitiria à administração “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”.
Em julgamento recente da CSRF, ao analisar operação realizada no Processo 10920.723414/2014-96, os conselheiros entenderam que a redução de capital da pessoa jurídica com entrega de investimento à pessoa física que posteriormente aliena esse ativo configuraria “desvirtuamento da norma prevista no artigo 22 da Lei 9.249, quando se busca deliberadamente a incidência artificial mediante a operação societária visando exclusivamente se esquivar integral ou parcialmente do ganho de capital”. Adicionalmente, constou que a redução de capital não está sujeita à liberalidade do contribuinte, podendo ocorrer somente nas hipóteses de (i) perdas irreparáveis ou (ii) excessividade do capital em relação ao objeto social da pessoa jurídica.
Em julgamento anterior envolvendo operação similar discutida nos autos do Processo 16561.720127/2015-18, a CSRF entendeu por tributar o ganho de capital da venda no balanço da pessoa jurídica, desconsiderando a redução anterior pela ausência de propósito negocial na operação. Merece destaque que, contrariamente à decisão da Dipil, aqui a questão foi solucionada por maioria e que o próprio voto vencedor reconhece que “a redução de capital social está prevista em lei e consiste em uma opção dos sócios da pessoa jurídica”. Desse modo, a desconsideração teve como fundamento única e exclusivamente o fato da negociação e definição de preço serem anteriores à efetiva redução com entrega da participação ao sócio.
O racional supra merece questionamento sob duas óticas que podem inclusive ser consideradas complementares.
A primeira delas é que a norma antielisiva do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional e aplicada pela CSRF no primeiro caso, permite a desconsideração de atos ou negócios jurídicos pelas autoridades fiscais mediante a aplicação dos “procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Tais procedimentos, entretanto, não existem na legislação atualmente em vigor, de modo que a utilização de tal norma se mostra incabível.
O segundo é que o conceito de propósito negocial, tão frequentemente invocado para a desconstituição das operações e utilizado como justificativa no segundo caso, é conceito puramente jurisprudencial, não possuindo qualquer base legal em vigor (vale lembrar que a previsão que existia na Medida Provisória 66/2002 não foi mantida na sua conversão na Lei 10.637/2002). Atualmente, tem-se apenas a previsão de nulidade de ato jurídico simulado, com base na lei civil (artigo 167 do Código Civil), cujas hipóteses envolvem a efetiva dissimulação da ocorrência do fato propriamente dito.
Nesse contexto, entendemos que, apesar de frequentes, questionamentos relativos à redução de capital de sociedade seguidas da alienação da participação recebida pela pessoa física, com base na inexistência de propósito negocial, invocado pela prerrogativa do artigo 116 do CTN, não devem prevalecer, na medida em que tal argumentação carece de respaldo legal.
Por Marcos de Almeida Pinto e Barbara Baiôco de Magalhães
Marcos de Almeida Pinto é advogado do escritório ASBZ Advogados.
Barbara Baiôco de Magalhães é advogada do escritório ASBZ Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-mar-04/opiniao-carf-planejamentos-envolvendo-reducao-capital