TRF 3, Apel. 0015851-73.2003.4.03.6105/SP, julg. 18/10/2017.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União Federal e ao reexame necessário e, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por (…) em face da r. sentença de fls. 193/205 que denegou a segurança no presente mandamus, objetivando assegurar a suspensão da exigibilidade do PIS, nos moldes da Lei 9.718/98, bem como da Lei nº 10.637/2.002, incidente sobre receitas decorrentes de variação cambial positiva, autorizando a compensação dos valores indevidamente recolhidos.
Em suas razões de apelo, aduz em síntese, que a ampliação da base de cálculo do PIS desde a edição da Lei 9.718/98, assim como a elevação de alíquota são inconstitucionais e ilegais. Aduz, que as a alterações da Lei 10.637/2.002, foram introduzidas por Medida Provisória, em total afronta ao art. 246 da Constituição Federal. Sustenta que as variações monetárias ou cambiais registradas no curso do contrato firmado com obrigação em moeda estrangeira não são receitas, de modo que não poderiam ser oferecidas à tributação. Pede a reforma do julgado a quo (fls. 222/248)
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte, opinando o representante do Ministério Público Federal pelo provimento parcial do recurso.
É o Relatório.
VOTO
O cerne da controvérsia travada nos autos é assegurar a suspensão da exigibilidade do PIS, nos moldes da Lei 9.718/98, bem como da Lei nº 10.637/2.002, incidente sobre receitas decorrentes de variação cambial positiva, autorizando a compensação dos valores indevidamente recolhidos.
Por primeiro, em relação à prescrição, anote-se que para as ações ajuizadas a partir de 9/6/2005 – data da entrada em vigor da LC 118/2005 -, o prazo prescricional para a repetição ou compensação de indébito é quinquenal, nos termos da orientação firmada pelo STF nos autos da Repercussão Geral no RE 566621/RS.
Uma vez que a presente ação foi ajuizada antes de 9/6/2005, aplica-se o prazo prescricional decenal.
Quanto ao mérito propriamente dito, a controvérsia cinge-se em torno do direito de a impetrante proceder ao recolhimento do PIS, tendo por base de cálculo o faturamento, afastando-se a alteração prevista no artigo 3º, §1º, e 8º, caput da Lei Federal nº 9.718/1998.
A Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, dispôs em seu art. 2º que as contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS serão calculadas com base no faturamento. Posteriormente, em seu art. 3º, estatuiu que faturamento corresponde à receita bruta da pessoa jurídica, assim entendida a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.
Todavia, até então, o artigo 195 da Constituição Federal previa a contribuição para a seguridade social incidente apenas sobre o faturamento. Cumpre ressaltar que o STF já havia se pronunciado sobre o conceito de faturamento previsto na LC 70/91, no julgamento da ADC nº 1, entendendo que este, para efeitos fiscais, compreendia apenas a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços.
Assim, o legislador infraconstitucional, ao prever a incidência das citadas contribuições sobre a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica instituiu, por meio de lei ordinária, novo tributo, sem respaldo constitucional, violando ainda o disposto no art. 110 do CTN, alterando a noção jurídica de faturamento.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998 alterou a redação do aludido inciso I do artigo 195 da Constituição da República, passando a dispor que a contribuição social do empregador poderia ter como base de cálculo a receita ou o faturamento.
Tal alteração já demonstra a diferença dos conceitos “receita” e “faturamento”.
No entanto, sendo posterior à edição da Lei 9.718/98 não tem o condão de ratificar seus termos, convalidando o vício de origem.
Segundo o art. 17 da Lei 9.718/98, esta lei entraria em vigor na data de sua publicação e produziria efeitos, em relação às contribuições em comento, a partir de 1º de fevereiro de 1999.
Assim, mesmo que os efeitos somente fossem produzidos posteriormente à alteração constitucional, em observância do princípio da anterioridade nonagesimal, a data do início de sua vigência foi a data da sua publicação, em 27/11/1998, quando ainda estava em vigor o art. 195, I em sua redação original.
Portanto, quando da sua edição e vigência, a Lei nº 9.718/1998 não tinha amparo constitucional para instituir nova contribuição social sobre a receita bruta auferida pela pessoa jurídica e não se pode considerar que a posterior alteração constitucional, pela EC nº 20/1998, antes do término do prazo para produção dos seus efeitos, teria conferido constitucionalidade superveniente à norma, pois a compatibilidade da lei com a Constituição Federal deve ser verificada ao tempo do início de sua vigência e não ao tempo em que ela começa a surtir efeitos concretos.
A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que no julgamento dos Recursos Extraordinários 357950, 390840, 358273 e 346084, decidiu pela inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo das contribuições destinadas ao PIS e à COFINS prevista no parágrafo 1º do artigo 3º da Lei 9.718, por extrapolar o conceito de faturamento ao incluir a totalidade de receitas auferidas pela pessoa jurídica.
Restou também reiterado o entendimento de que não haveria necessidade da regulamentação dar-se por meio de lei complementar, pois a Constituição não exigiu tal espécie de ato normativo para a disciplina das contribuições para Seguridade Social previstas nos incisos I, II, e III do artigo 195 a edição de lei complementar, de sorte que apenas para novas contribuições com fundamento na competência residual, faz-se necessária a edição de lei complementar nos termos do artigo 195, § 4º, da CF.
Por tal motivo, o STF afastou a inconstitucionalidade da Lei 9.715/98, bem como o artigo 8º da Lei 9.718/98, que majorou a alíquota da COFINS de 2% para 3%.
Realmente, a partir da vigência da Emenda Constitucional n.º 20/98, passou a ter fundamento constitucional a ampliação da base de cálculo da COFINS para alcançar também receitas estranhas ao conceito de faturamento.
Com a nova redação dada ao dispositivo constitucional (art. 195, I), o legislador encontrou respaldo para a edição das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, prevendo que a base de cálculo compreende a receita bruta da venda de bens e serviços e as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.
Referidas leis passaram a produzir efeitos a partir de 01/12/2002 e 01/02/2004, respectivamente.
Dessa forma, se verifica indevidos os recolhimentos efetuados a título de PIS a partir de fevereiro de 1999 (data em que passou a produzir efeitos a Lei nº 9.718/98) sobre as receitas que não as exclusivamente decorrentes do faturamento até dezembro de 2.022, fazendo jus a parte autora à sua compensação com débitos vincendos.
No tocante ao pleito de não incidência de PIS e de COFINS sobre as receitas decorrentes de variações cambiais, depreende-se dos autos (fls. 56/65 – registro de operação financeira SISCOMEX) que referidas variações teriam origem na diferença de datas entre as datas em que firmadas as obrigações ou os créditos do contribuinte e aquelas em que liquidadas as respectivas obrigações.
O tema foi objeto de análise pelo Plenário do E. Supremo Tribunal Federal que firmou entendimento, no julgamento do RE nº 627.815/PR, com repercussão geral, no sentido de que referidas receitas devem ser consideradas como decorrentes de exportação, de modo que atraem a incidência da imunidade prevista no artigo 149, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, e afastam a exigibilidade das exações, não se aplicando, desta forma, o artigo 9º da Lei nº 9.718/98 e o artigo 30 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.
A propósito, trago a ementa do referido recurso extraordinário:
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. HERMENÊUTICA. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. NÃO INCIDÊNCIA. TELEOLOGIA DA NORMA. VARIAÇÃO CAMBIAL POSITIVA. OPERAÇÃO DE EXPORTAÇÃO.
Assim, de acordo com a jurisprudência consolidada, é de ser afastada a incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas provenientes das variações cambiais.
Configurado, desta forma, o indébito fiscal, observada a prescrição quinquenal, passo à análise dos critérios referentes à compensação.
Pois bem.
A jurisprudência se consolidou pela possibilidade de utilização do mandado de segurança para declaração do direito de compensação, conforme o enunciado 213 da sua Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.
O mandado de segurança, no entanto, não é via adequada para o pleito de repetição de indébito, pela restituição, porque não é substitutivo de ação de cobrança, conforme a Súmula 269 do STF:
O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.
No presente caso, a parte postula o reconhecimento do direito à compensação e não à restituição. De tal sorte, é possível, por esta via, declarar o direito à compensação, a ser promovida na via administrativa, observados os parâmetros legais, observando-se o prazo prescricional.
Em relação ao pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos a título de PIS, sob o argumento de não se enquadrar no conceito de faturamento, nos termos em que estabelecem o art. 195, I, da Constituição Federal, anoto que em relação a prova pré-constituída, o REsp nº 1.111.164/BA – Recurso repetitivo – art. 543-C do CPC, oferece diferenciação suficiente para demonstrar que existem situações diversas, cujo encaminhamento resta direcionado de acordo com o caso concreto, ficando destacado pelo eminente relator no voto condutor no referenciado RESP que:
Do excerto anteriormente transcrito, depreende-se que o entendimento firmado sob o regime do disposto no art. 543-C do CPC, acima mencionado, apresenta plena adequação ao caso em concreto, uma vez que delineia a situação em que a jurisprudência do STJ não exige que o impetrante traga prova pré-constituída dos elementos concretos da operação de compensação, até porque o objeto da impetração não abrange juízo específico a respeito, entretanto, in casu, o impetrante juntou documentação comprobatória dos valores ora questionados a fls. 51/100.
Dessa forma, verifica-se que são indevidos os recolhimentos efetuados a título de PIS, nos moldes em que disposto no art. 3º, §1º da Lei 9.718/98, bem como a tributação do resultado positivo das variações cambiais no momento da liquidação dos respectivos contratos, ressalvado, porém, o direito da autoridade administrativa em proceder a plena fiscalização acerca da existência ou não de créditos a serem compensados, a exatidão dos números e documentos comprobatórios e o quantum, está adstrito aos valores ora questionados.
O regime aplicável à compensação tributária, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, é aquele vigente à época do ajuizamento da demanda (RESP 1.137.738/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010).
No caso concreto, o ajuizamento da ação ocorreu na vigência da Lei nº 10.637/2002, que passou a admitir a compensação entre quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, tornando desnecessário o prévio requerimento administrativo.
No entanto, somente poderá ser efetuada após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão proferido neste processo, em face do disposto no artigo 170-A do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 104/2001.
Anoto que o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.167.039, submetido à sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil/1973, é da aplicabilidade do art. 170-A, CTN, mesmo nas hipóteses de inconstitucionalidade do tributo recolhido:
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. ART. 170-A DO CTN. REQUISITO DO TRÂNSITO EM JULGADO. APLICABILIDADE A HIPÓTESES DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUTO RECOLHIDO.
A correção do indébito deve ser aquele estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do CJF, em perfeita consonância com iterativa jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, que inclui os índices expurgados reconhecidos pela jurisprudência dos tribunais, bem como a aplicabilidade da SELIC, a partir de 01/01/1996.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da impetrante, a fim de afastar a exigibilidade do PIS, em razão do inconstitucional alargamento da base de cálculo pela Lei 9.718/98, a partir da competência de fevereiro de 1999 até a vigência da Lei 10.637/2.002 e a tributação do resultado positivo das variações cambiais no momento da liquidação dos respectivos contratos, bem como o direito à compensação, nos termos da fundamentação supra.
É o meu voto.