CREDITAMENTO PIS/COFINS. NÃO-CUMULATIVIDADE. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS. ENCARGOS COM DEPRECIAÇÃO/AMORTIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31 LEI 10.865/04 NÃO CONFIGURADA. APELAÇÃO DA IMPETRANTE IMPROVIDA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PROVIDAS
– Não resta configurada a inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº 10.865/2004, pois inexiste violação ao principio da não-cumulatividade, uma vez que a CF/88 deixou a cargo do legislador sua definição. Ademais, o direito ao aproveitamento dos créditos de despesas com depreciação/amortização configura-se verdadeiro benefício fiscal, que pode ser modificado ou revogado, também por lei, a qualquer tempo, como ocorreu no presente caso, sem que se configure retroatividade da lei revogadora, ofensa ao direito adquirido ou à segurança jurídica.
– A Constituição não definiu o que seja não cumulatividade, deixando a cargo do legislador o estabelecimento de seus parâmetros.
– Com relação às limitações impostas pela Lei 10.865/04, quanto ao desconto de créditos do PIS e da COFINS sobre despesas de depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos pelas pessoas jurídicas até 30 de abril de 2004, compete ao legislador dar concretude a não-cumulatividade do PIS e da COFINS. Ou seja, não decorre diretamente do texto constitucional o direito ao crédito, mas da legislação infraconstitucional, que estabelecerá seus critérios.
– O direito de desconto de créditos apurados sob o abrigo das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, no que se refere à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos antes de 30 de abril de 2004, na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS, configura-se pleno benefício fiscal, de maneira que, diante de sua natureza, poderia ser modificado ou revogado também por lei, assim como ocorreu com a edição da Lei 10.865/04, sem que tal medida afrontasse suposto direito adquirido.
– A revogação do favor fiscal previsto nas Leis nº 10.637/2002 e n° 10.833/2003, ou sua limitação, por não ser condicionada, pode ocorrer a qualquer tempo, sem que se configure qualquer retroatividade da lei revogadora ou ofensa ao direito adquirido ou à segurança jurídica.
-Não prospera o argumento de que a Lei nº 10.865/2004 retroagiu em ofensa ao princípio da segurança jurídica, pois, se a lei anterior previa certa dedução da base de cálculo do tributo, não se tem, em relação ao futuro, senão expectativa de direito, na medida em que é a lei vigente no momento do fato gerador e quando da apuração da base de cálculo que determina a forma de proceder a essa operação.
– Apelação da Impetrante improvida.
– Remessa Oficial e Apelação da União Federal providas.
TRF 3, Apel. 0005550-66.2009.4.03.6102/SP, julg. 20/09/2017.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação da Apelante, e dar provimento à remessa oficial e à apelação da União Federal, nos termos do voto da Desembargadora Federal Mônica Nobre (Relatora), com quem votaram os Desembargadores Federais Marcelo Saraiva e Marli Ferreira e, na forma dos artigos 53 e 260, §1.º do RITRF3, o Desembargador Federal Johonson Di Salvo. Vencido o Desembargador Federal André Nabarrete. Fará declaração de voto o Desembargador Federal André Nabarrete.
São Paulo, 20 de setembro de 2017.
MÔNICA NOBRE
Desembargadora Federal
DECLARAÇÃO DE VOTO
Remessa oficial e apelos da União Federal e do impetrante contra sentença (fls. 673/685) que julgou procedente em parte o pedido para assegurar a apuração de créditos de PIS e COFINS, no regime da não-cumulatividade, disciplinado pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, respectivamente, relativamente aos bens do ativo imobilizado, independentemente de serem ou não utilizados na produção de bens ou prestação de serviços, adquiridos e contabilizados entre 1º de dezembro de 2002 e 30 de novembro de 2005 (PIS), e a partir de 01 de fevereiro de 2004 (COFINS); assegurar, ainda, a apuração de créditos da COFINS, no regime da não-cumulatividade (Lei 10.833/2003), para quitação de despesas de financiamento ou empréstimo, relativamente aos pagamentos ou creditamento realizados até o nonagésimo dia da vigência da Lei nº 10.865/2004, bem como determinar que a impetrada se abstenha de aplicar qualquer espécie de sanção em decorrência das referidas operações e que os valores não utilizados deverão ser corrigidos pela SELIC, desde o inicio da eficácia da Lei nº 10.865/2004, observado o art. 170-A do CTN.
A ilustre desembargadora federal relatora deu provimento ao recurso da União e à remessa e desproveu o do impetrante. Divirjo, todavia.
– DO DIREITO AO CRÉDITO INSTITUÍDO PELAS LEIS Nº 10.637/2002 e Nº 10.833/2003
Dispõe o artigo 195, § 12, da Constituição Federal:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
…
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Tal comando, incluído na Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 42/2003, instituiu a não-cumulatividade para o PIS e a COFINS, sem, contudo, fixar os critérios a serem observados, visto que deixou a cargo do legislador ordinário a fixação do regime de tributação.
No tocante ao PIS, a não-cumulatividade foi instituída pela Medida Provisória nº 66/2002, convertida na Lei nº 10.637, de 30/12/2002 e, quanto à COFINS, foi prevista na Medida Provisória nº 135/2003, convertida na Lei nº 10.833, de 29/12/2003. Referidos textos legais disciplinaram em seus artigos 3º, em sua redação original, quais os créditos que poderiam ser descontados para fins de apuração da base de cálculo dessas contribuições, verbis:
Lei nº 10.637/2002.
“Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a
I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do § 3º do art. 1º;
II – bens e serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou à prestação de serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes;
III – (VETADO)
IV – aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;
V – despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples);
VI – máquinas e equipamentos adquiridos para utilização na fabricação de produtos destinados à venda, bem como a outros bens incorporados ao ativo imobilizado;
VII – edificações e benfeitorias em imóveis de terceiros, quando o custo, inclusive de mão-de-obra, tenha sido suportado pela locatária;
VIII – bens recebidos em devolução, cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei.
IX – energia elétrica consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 10.684, de 30.5.2003)
IX – energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica. (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007)
X – vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção. (Incluído pela Lei nº 11.898, de 2009)
§ 1o O crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no art. 2o sobre o valor:
I – dos itens mencionados nos incisos I e II do caput, adquiridos no mês;
II – dos itens mencionados nos incisos III a V do caput, incorridos no mês;
III – dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados nos incisos VI e VII do caput, incorridos no mês;
IV – dos bens mencionados no inciso VIII do caput, devolvidos no mês.” (g.n.)
Lei nº 10.833/03.
“Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do § 3º do art. 1º;
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes;
III – energia elétrica consumida nos estabelecimentos da pessoa jurídica;
IV – aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;
V – despesas financeiras decorrentes de empréstimos, financiamentos e o valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES;
VI – máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado adquiridos para utilização na produção de bens destinados à venda, ou na prestação de serviços;
VII – edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas atividades da empresa;
VIII – bens recebidos em devolução cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei;
IX – armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.
X – vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção. (Incluído pela Lei nº 11.898, de 2009)
§ 1º O crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no art. 2º sobre o valor:
I – dos itens mencionados nos incisos I e II do caput, adquiridos no mês;
II – dos itens mencionados nos incisos III a V e IX do caput, incorridos no mês;
III – dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados nos incisos VI e VII do caput, incorridos no mês;
IV – dos bens mencionados no inciso VIII do caput, devolvidos no mês.” (g.n.)
Importante salientar que o princípio da não-cumulatividade, no caso das contribuições sociais, não acarreta o creditamento de valores destacados nas operações anteriores, mas, sim, consiste na apuração de créditos calculados sobre bens e serviços utilizados na atividade empresarial.
Para dar efetividade a tal princípio, o legislador ordinário estabeleceu, nos dispositivos anteriormente colacionados, o direito ao creditamento do PIS e da COFINS sobre o montante utilizado para aquisição de máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços, o qual será calculado mediante a aplicação da alíquota prevista nos artigos 2º das citadas normas sobre os encargos de depreciação e amortização dos referidos bens. Não se trata de faturamento, base de cálculo das contribuições sociais, mas, sim, de despesas necessárias à realização do objeto social e, por consequência, à obtenção da receita sobre a qual incidirá os tributos.
Posteriormente, sobreveio a Lei nº 10.865, de 30/04/2004, que vedou o desconto de créditos relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos até 30/04/2004, e de despesas financeiras decorrentes de empréstimo e financiamento, verbis:
“Art. 21. Art. 21. Os arts. 1o, 2o, 3o, 6o, 10, 12, 15, 25, 27, 32, 34, 49, 50, 51, 52, 53, 56 e 90 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, passam a vigorar com a seguinte redação:
…
“Art. 3o……………………………………………………………
V – valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES;
§ 1o Observado o disposto no § 15 deste artigo, o crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do art. 2o desta Lei sobre o valor:
……………………………………………………………
§ 2o Não dará direito a crédito o valor:
I – de mão-de-obra paga a pessoa física; e
II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.
……………………………………………………………
§ 6o……………………………………………………………
I – seu montante será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de alíquota correspondente a 80% (oitenta por cento) daquela constante do caput do art. 2o desta Lei;
……………………………………………………………
§ 13. Deverá ser estornado o crédito da COFINS relativo a bens adquiridos para revenda ou utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, que tenham sido furtados ou roubados, inutilizados ou deteriorados, destruídos em sinistro ou, ainda, empregados em outros produtos que tenham tido a mesma destinação.
§ 14. Opcionalmente, o contribuinte poderá calcular o crédito de que trata o inciso III do § 1o deste artigo, relativo à aquisição de máquinas e equipamentos destinados ao ativo imobilizado, no prazo de 4 (quatro) anos, mediante a aplicação, a cada mês, das alíquotas referidas no caput do art. 2o desta Lei sobre o valor correspondente a 1/48 (um quarenta e oito avos) do valor de aquisição do bem, de acordo com regulamentação da Secretaria da Receita Federal.
§ 15. O crédito, na hipótese de aquisição, para revenda, de papel imune a impostos de que trata o art. 150, inciso VI, alínea d da Constituição Federal, quando destinado à impressão de periódicos, será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no § 2o do art. 2o desta Lei.” (NR)
Art. 31. É vedado, a partir do último dia do terceiro mês subsequente ao da publicação desta Lei, o desconto de créditos apurados na forma do inciso III do § 1º do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados adquiridos até 30 de abril de 2004.
§ 1º Poderão ser aproveitados os créditos referidos no inciso III do § 1º do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, apurados sobre a depreciação ou amortização de bens e direitos de ativo imobilizado adquiridos a partir de 1º de maio. 2º O direito ao desconto de créditos de que trata o § 1º deste artigo não se aplica ao valor decorrente da reavaliação de bens e direitos do ativo permanente.
3º É também vedado, a partir da data a que se refere o caput, o crédito relativo a aluguel e contraprestação de arrendamento mercantil de bens que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica.
Referida regra modificou o sistema de apuração de crédito do PIS e da COFINS ao reduzir o alcance do direito estabelecido nas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003. Porém, essa vedação violou preceitos constitucionais, mormente os princípios do direito adquirido e da irretroatividade, dado que a ocorrência por si só de quaisquer das hipóteses mencionadas nos artigos 3º anteriormente citados é suficiente para fazer surgir o crédito a favor do contribuinte, o qual poderia ser exercitado no próprio mês ou nos subsequentes. Esse entendimento é o que melhor se subsume no conceito de direito adquirido existente no ordenamento jurídico brasileiro, pois consoante ensinamento de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
“Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade.” (In Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1961, v. 1, p. 125)
Tal direito configura uma garantia constitucional, prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, assim redigido:
CF. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Ele é exercitável a qualquer tempo segundo a vontade do seu titular e, caso não seja exercido e sobrevenha lei nova, esta não poderá extingui-lo. Nesse sentido leciona CRETELLA JÚNIOR:
“Quando, durante a vigência de determinada lei, alguém adquire um direito, este se incorpora ao patrimônio do titular mesmo que este não o exercite, de tal modo que o advento de lei nova não atinge o status conquistado, embora não exercido ou utilizado, como, p. ex., o agente público que, após trinta anos de serviço, adquire direito à aposentadoria, conforme a lei então vigente, e não atingido pela lei nova que fixe em trinta e cinco anos o requisito para a aposentadoria. O não – exercício do direito, nesse caso, não implica a perda do direito, adquirido na vigência da lei anterior. Ao completar, na vigência da lei antiga, trinta anos de serviço público, o titular adquiriu o direito subjetivo público de requerer a aposentadoria, em qualquer época, independentemente de alteração introduzida pela lei nova, que não mais o atinge. Qualquer ameaça ou medida concreta de cercear tal direito encontraria a barreira constitucional do direito adquirido. O direito adquirido, em virtude da relação de função pública, denomina-se direito subjetivo público e é oponível ao Estado pro labore facto. Incorporado ao patrimônio do funcionário, pode ser exigido a qualquer época, a não ser que o texto expresso de lei lhe fixe o período de exercício. Do contrário, adquirido sob o império de uma lei, em razão do vinculum iuris, que liga ao Estado, é intocável, não obstante alteração introduzida por lei, posterior, podendo ser oponível ao Estado que, se o negar, fere direito subjetivo público, líquido e certo de seu titular, como, p. ex., pelo decurso do tempo, fixado em lei, o funcionário adquire direito (à aposentadoria, às férias, à licença-prêmio, ao estipêndio, aos adicionais) pro labore facto, ingressando-se em statur intocável, imume a qualquer fato ou lei que tente vulnera-lo, o que implicaria ofensa ao direito adquirido, com implicações patrimoniais e/ou morais.”
(In Enciclopédia Saraiva, verbete, p. 134)
Confira-se, também, o excerto do voto do Desembargador Federal Dirceu de Almeida Soares do TRF da 4ª Região, exarado no Mandado de Segurança nº 2005.70.00.000594-0/PR:
“Com a aquisição de bens e a inserção deles no ativo imobilizado, incorpora-se ao patrimônio jurídico do contribuinte o direito de aproveitar – integralmente – os créditos relativos à depreciação. O que se protrai no tempo é a fruição desse direito. O contribuinte, ao adquirir bens e computá-los no ativo imobilizado, preencheu o suporte fático da norma, adquirindo o direito subjetivo de aproveitar – integralmente, repita-se – os efeitos da depreciação, devendo o Estado suportar – e resguardar – a eficácia desse direito, ainda que a fruição se prolongue no tempo. A depreciação não é marco do surgimento do crédito, mas momento de exigibilidade de direito já nascido sob a lei anterior, porém exercitável, segundo essa mesma lei, em etapas sucessivas.”
A corroborar esse entendimento, sobreveio o §14 do artigo 3º da Lei nº 10.833/2003, introduzido pela Lei nº 10.865/2004, que previu a possibilidade de se calcular citado crédito em até quatro anos, porquanto a depreciação constitui um fator natural sem prazo certo para ocorrer, verbis:
§ 14. Opcionalmente, o contribuinte poderá calcular o crédito de que trata o inciso III do § 1o deste artigo, relativo à aquisição de máquinas e equipamentos destinados ao ativo imobilizado, no prazo de 4 (quatro) anos, mediante a aplicação, a cada mês, das alíquotas referidas no caput do art. 2o desta Lei sobre o valor correspondente a 1/48 (um quarenta e oito avos) do valor de aquisição do bem, de acordo com regulamentação da Secretaria da Receita Federal. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)
Assim, os créditos decorrentes da aquisição de bens para o ativo imobilizado, adquiridos até 30/04/2004, e as despesas referentes aos empréstimos e financiamentos, contratados até 30/04/2004, se tornaram patrimônio da empresa, de modo que o enunciado do artigo 31 da Lei nº 10.865/2004 não poderia extingui-lo, nem tampouco retroagir para alcançar situações jurídicas consolidadas, razão pela qual houve violação ao princípio da irretroatividade tributária. Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMÁTICA NÃO CUMULATIVA DO PIS E DA COFINS. CREDITAMENTO REFERENTE À DEPRECIAÇÃO DE BENS INCORPORADOS AO ATIVO IMOBILIZADO. ART. 31, CAPUT, DA LEI 10.865/2004. LIMITAÇÃO TEMPORAL. OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO E À IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. INCONSTITUCIONALIDADE.
1- A não-cumulatividade do PIS/COFINS depende, para sua efetivação, de um conjunto de deduções, previstas em lei, que digam respeito a determinadas operações realizadas pela empresa, que possam representar a incidência de contribuições em etapas anteriores da cadeia produtiva.
2- As deduções elencadas no art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 não figuram na ordem tributária como benesse fiscal, mas como pressupostos da não-cumulatividade, uma contrapartida ao aumento das alíquotas de PIS e COFINS. Outra não pode ser a interpretação, pois, pretendendo a lei criar um sistema não-cumulativo, deve estabelecer as hipóteses em que o contribuinte terá direito a créditos compensáveis, como uma decorrência da regra da não-cumulatividade.
3- A ocorrência de qualquer das hipóteses mencionadas no caput do art. 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 é por si suficiente para fazer surgir o direito de crédito em favor do contribuinte, que se incorpora ao patrimônio da empresa.
4- O art. 31, caput, da Lei 10.865/2004 limitou temporalmente o aproveitamento dos créditos decorrentes das aquisições de bens para o ativo imobilizado realizadas até 30 de abril de 2004.
5- No entanto, os créditos decorrentes da aquisição de bens para o ativo imobilizado se tornaram parte do patrimônio da empresa antes da edição da Lei 10.865/2004. Assim, as disposições do art. 31, caput, da referida lei, acabaram por atingir fatos pretéritos, ofendendo o direito adquirido e a regra da irretroatividade da lei tributária.
6- A vedação do aproveitamento de créditos, instituída por lei no curso da sistemática da não-cumulatividade, quando inúmeros contribuintes já haviam realizado investimentos em maquinário, equipamentos, entre outros, ofende o Princípio da Segurança Jurídica e a regra da não-surpresa, implícitos na Carta de 1988.
7- Declarada a inconstitucionalidade do art. 31, caput, da Lei 10.865/2004.
(TRF4, INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AMS 2005.70.00.000594-0/PR, rel. Des. Fed. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, j. 26/06/2008, DE 14/07/2008)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS NÃO-CUMULATIVOS. BENSINTEGRANTES DO ATIVO FIXO/IMOBILIZADO/PERMANENTE NA DATA DA ENTRADAEM VIGOR DOS REGIMES DE NÃO CUMULATIVIDADE. POSSIBILIDADE DECREDITAMENTO PELOS ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO E AMORTIZAÇÃO APURADOS JÁNA VIGÊNCIA DO REGIME. ARTS. 3º, § 1º, III e § 3º, III, DA LEI N.10.637/2002 E DA LEI N. 10.833/2003.
1. O fato gerador dos créditos escriturais de PIS e de Cofins previstos nos arts. 3º, VI, da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n.10.833/2003 ocorre no momento (“no mês”) em que são apurados os encargos de depreciação e amortização, na forma do art. 3º, § 1º, III e § 3º, III das mesmas leis, indiferente a data de aquisição dos bens. Isto é: “A apuração dos créditos decorrentes dos encargos de depreciação e de amortização dos bens mencionados nos incisos VI e VII do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, alcança os encargos incorridos em cada mês, independentemente da data de aquisição desses bens” (Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 2 de 14 de março de 2003).
2. Desse modo, sem adentrar à análise do art. 31, da Lein.10.865/2004, os bens existentes em 1o de dezembro de 2002 no ativo permanente das empresas estão aptos a gerar o creditamento pelos encargos de depreciação e amortização para a contribuição ao PIS/Pasep e os bens existentes em 1º de fevereiro de 2004 no ativo permanente das empresas estão aptos a gerar o creditamento pelos encargos de depreciação e amortização para a COFINS.
3. Recurso especial provido.
(STJ – REsp: 1256134 SC 2011/0122848-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 10/04/2012, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/04/2012)
RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ART. 535, CPC. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. PIS E COFINS NÃO-CUMULATIVOS. BENS INTEGRANTES DO ATIVO FIXO/IMOBILIZADO/PERMANENTE. CREDITAMENTO PELOS ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO E AMORTIZAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA NA FORMA DA SÚMULA N. 411/STJ, POR ANALOGIA.
1. Não merece conhecimento o recurso especial que aponta violação ao art. 535, do CPC, sem, na própria peça, individualizar o erro, a obscuridade, a contradição ou a omissão ocorridas no acórdão proferido pela Corte de Origem, bem como sua relevância para a solução da controvérsia apresentada nos autos. Incidência da Súmula n. 284/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.
2. Reconhecido o direito ao creditamento e a existência de dispositivos legais e normativos ilegítimos que o impedem (no caso o art. 31, da Lei n. 10.865/2004 declarado inconstitucional pela Corte de Origem), é de se reconhecer a correção monetária dos créditos escriturais de PIS e Cofins. Declarada a inconstitucionalidade, tanto a lei como todos os normativos que dela derivaram e obstaram o aproveitamento dos créditos pleiteados pelos contribuintes (in casu, art. 6º, II, da IN SRF n. 457/2004) são atos normativos estatais inconstitucionais, “ilegítimos”, portanto. Incidência, por analogia, do recurso representativo da controvérsia REsp.nº 1.035.847 – RS, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24.6.2009, e do enunciado n. 411, da Súmula do STJ: “É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco”.
3. No presente caso, o não reconhecimento da correção monetária implicaria juízo implícito a respeito da constitucionalidade do art. 31, da Lei n. 10.865/2004 (já afastada pela Corte de Origem) e dos normativos que o seguiram, o que não pode ser realizado em sede de recurso especial sob pena de invasão da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal.
4. Presente recurso extraordinário da Fazenda Nacional nos autos, acaso julgada a constitucionalidade do art. 31, da Lei n. 10.865/2004 no RE, automaticamente não haverá que se falar em correção monetária, pois sequer haverá creditamento, daí não haver prejuízo da coerência da prestação jurisdicional no julgamento do presente recurso especial.
5. Com as vênias de praxe, DIVIRJO DO RELATOR para conhecer parcialmente e, nessa parte, negar provimento ao recurso especial da FAZENDA NACIONAL, para manter o reconhecimento da incidência da correção monetária, nos moldes decididos pela Corte de Origem. RECURSO ESPECIAL DOS CONTRIBUINTES: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS NÃO-CUMULATIVOS. BENS INTEGRANTES DO ATIVO FIXO/IMOBILIZADO/PERMANENTE NA DATA DA ENTRADA EM VIGOR DOS REGIMES DE NÃO CUMULATIVIDADE. POSSIBILIDADE DE CREDITAMENTO PELOS ENCARGOS DE DEPRECIAÇÃO E AMORTIZAÇÃO APURADOS JÁ NA VIGÊNCIA DO REGIME. ARTS. 3º, § 1º, III e § 3º, III, DA LEI N. 10.637/2002 E DA LEI N. 10.833/2003. 1. O fato gerador dos créditos escriturais de PIS e de Cofins previstos nos arts. 3º, VI, da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003 ocorre no momento (“no mês”) em que são apurados os encargos de depreciação e amortização, na forma do art. 3º, § 1º, III e § 3º, III das mesmas leis, indiferente a data de aquisição dos bens. Isto é: “A apuração dos créditos decorrentes dos encargos de depreciação e de amortização dos bens mencionados nos incisos VI e VII do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, alcança os encargos incorridos em cada mês, independentemente da data de aquisição desses bens” (Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 2 de 14 de março de 2003). 2. Desse modo, sem adentrar à análise do art. 31, da Lei n.10.865/2004, os bens existentes em 1o de dezembro de 2002 no ativo permanente das empresas estão aptos a gerar o creditamento pelos encargos de depreciação e amortização para a contribuição ao PIS/Pasep e os bens existentes em 1º de fevereiro de 2004 no ativo permanente das empresas estão aptos a gerar o creditamento pelos encargos de depreciação e amortização para a COFINS. Precedente: REsp. n. 1.256.134 – SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10.04.2012. 3. Com as vênias de praxe, DIVIRJO DO RELATOR para dar provimento ao recurso especial dos contribuintes.
(STJ – REsp: 1232697 SC 2011/0017839-0, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 05/06/2012, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/11/2014)
Tanto a matéria tem relevância que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a sua repercussão geral no RE 599.316, que pende de julgamento:
PIS E COFINS – CREDITAMENTO – LIMITAÇÃO – ARTIGO 31 DA LEI Nº 10.865/2005 – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 31 da Lei nº 10.865/2005, mediante o qual limitada no tempo a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e COFINS decorrentes das aquisições de bens para o ativo fixo realizadas até 30 de abril de 2004.
(RE 599316 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 04/02/2010, DJe-067 DIVULG 15-04-2010 PUBLIC 16-04-2010 EMENT VOL-02397-05 PP-01357)
Assim, inequívoco o direito ao aproveitamento do crédito do PIS e da COFINS decorrentes da depreciação de bens do ativo imobilizado e das despesas financeiras relativas a empréstimos e financiamentos, adquiridos ou contratados até 30/04/2004, sem as limitações da Lei nº 10.865/2004.
Por fim, à vista da manutenção da sentença, cabível a condenação da União à restituição das custas pagas pelo impetrante.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo da União e à remessa oficial, bem dou parcial provimento ao apelo do impetrante, para condenar a impetrada à restituição das custas.
André Nabarrete
Desembargador Federal
RELATÓRIO
Trata-se de Remessa Oficial e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL e por (…), em face da v. sentença de fls. 673/685, que julgou parcialmente procedente o pedido, para assegurar a apuração de créditos de PIS e COFINS, no regime da não-cumulatividade, disciplinado pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, respectivamente, relativamente aos bens do ativo imobilizado, independente de serem ou não utilizados na produção de bens ou prestação de serviços, adquiridos e contabilizados entre 1º de dezembro de 2002 e 30 de novembro de 2005 (PIS), e a partir de 01 de fevereiro de 2004 (COFINS); assegurar, ainda, a apuração de créditos da COFINS, no regime da não-cumulatividade (Lei 10.833/2003), para quitação de despesas de financiamento ou empréstimo, relativamente aos pagamentos ou creditamento realizados até o nonagésimo dia da vigência da Lei nº 10.865/2004; bem como determinar que a Impetrada se abstenha de aplicar qualquer espécie de sanção em decorrência das referidas operações, e que os valores não utilizados deverão ser corrigidos pela SELIC, desde o inicio da eficácia da Lei nº 10.865/2004, observado o art. 170-A do CTN.
Em suas razões de apelo, a Impetrante sustenta possuir direito liquido e certo de aproveitar-se de créditos de PIS e COFINS, que deixou de realizar, a partir de 01/08/2004, mediante futuras compensações, calculados sobre os encargos mensais de depreciação e de amortização, relativo a bens integrantes do ativo imobilizado, independente da data de aquisição, bem como o direito à restituição das custas processuais antecipadas. Pede a reforma parcial da sentença (fls. 694/706).
A União Federal, em suas razões, sustenta que as contribuições para o PIS e COFINS, desde que instituídas, sempre incidiram de maneira cumulativa, tendo sido inaugurada uma espécie de incidência não-cumulativa pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que posteriormente foi alterada; que o regime da não-cumulatividade do PIS e da COFINS pode ser extinto por livre opção política do legislador, que pode, inclusive, vedar a utilização de determinado crédito presumido; que o direito de computar a própria depreciação dos bens não é um direito adquirido sujeito a termo, mas um direito de aquisição sucessiva, não passando de mera faculdade conferida pela legislação aos contribuintes; que não há direito adquirido a determinado regime tributário; que a vedação do art. 31 da Lei 10.865/2004 não implica em afronta aos princípios do direito adquirido, irretroatividade da lei ou segurança jurídica, e não incidiu em nenhuma espécie de inconstitucionalidade; e que, no presente caso, não existe direito algum a creditamento. Pede a reforma do julgado (fls. 709/715).
O representante do Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento do recurso da impetrante.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o Relatório.
VOTO
Sem preliminares, passo, então a análise do mérito.
O cerne da controvérsia travada nos autos refere-se ao aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS, calculados sobre os encargos de depreciação e amortização de bens integrantes do ativo imobilizado, independente de serem utilizados na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços, e da data de aquisição, ante a vedação prevista na Lei nº 10.864/2004.
Pois bem.
Afasto a declaração de inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº 10.865/2004, pois inexiste violação ao principio da não-cumulatividade, uma vez que a CF/88 deixou a cargo do legislador sua definição. Ademais, o direito ao aproveitamento dos créditos de despesas com depreciação/amortização configura-se verdadeiro benefício fiscal, que pode ser modificado ou revogado, também por lei, a qualquer tempo, como ocorreu no presente caso, sem que se configure retroatividade da lei revogadora, ofensa ao direito adquirido ou à segurança jurídica.
O § 12, do artigo 195, da Constituição da República dispõe:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.
Os artigos 3º, II, das Leis 10.337/02 e 10.833/03, por sua vez, prevêem que a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a bens e serviços, utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens.
Resta esclarecer que a Constituição não definiu o que seja não cumulatividade, deixando a cargo do legislador o estabelecimento de seus parâmetros.
As Leis 10.637/02 e 10.833/03 trataram da questão, e dispuseram que poderão ser descontados créditos calculados em relação a (artigo 3º, inciso II): bens e serviços, utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2° da Lei n° 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI.
Dessa forma, com relação às limitações impostas pela Lei 10.865/04, quanto ao desconto de créditos do PIS e da COFINS sobre despesas de depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos pelas pessoas jurídicas até 30 de abril de 2004, compete ao legislador dar concretude a não-cumulatividade do PIS e da COFINS. Ou seja, não decorre diretamente do texto constitucional o direito ao crédito, mas da legislação infraconstitucional, que estabelecerá seus critérios.
Com efeito, o direito de desconto de créditos apurados sob o abrigo das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, no que se refere à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados, adquiridos antes de 30 de abril de 2004, na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS, configura-se pleno benefício fiscal, de maneira que, diante de sua natureza, poderia ser modificado ou revogado também por lei, assim como ocorreu com a edição da Lei 10.865/04, sem que tal medida afrontasse suposto direito adquirido. Nesse sentido, esta Corte já se manifestou:
AGRAVO LEGAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTOS. PIS. COFINS. LEIS Nº 10.637/02, 10.833/03 E 10.865/04. NÃO CUMULATIVIDADE. CONCESSÃO DISCRICINÁRIA DO LEGISLADOR. CREDITAMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A decisão agravada foi proferida em consonância com o entendimento jurisprudencial do C. STJ, com supedâneo no art. 557, do antigo CPC, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder.
2. As normas que tratam da não-cumulatividade da COFINS e PIS, Leis nº 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, foram recepcionadas pela Emenda Constitucional nº 42/2003, pois o legislador tem autorização constitucional para delimitar quais setores da atividade econômica serão beneficiados pela não-cumulatividade, restringindo os créditos que poderão ser aproveitados. O E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o regime da não-cumulatividade não se aplica de forma irrestrita à COFINS e PIS.
3. O Constituinte derivado outorgou ao legislador a possibilidade de, segundo avaliações econômicas e políticas, estabelecer quais setores da atividade econômica serão beneficiados pela não-cumulatividade da COFINS e da contribuição ao PIS, diferentemente do que ocorre no IPI (art. 153, § 3º, II) e no ICMS (art. 155, § 2º, I), cujo aproveitamento dos créditos, mediante compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, não sofre qualquer restrição.
4. O regime de “não-cumulatividade” tem por escopo evitar a reincidência de tributação sobre a cadeia produtiva. Consiste na hipótese de autorizar o contribuinte a se creditar do tributo incidente na operação anterior e compensa-lo com tributo devido na operação subsequente. É o que se depreende do art. 153, §3º, II (IPI) e; art. 155, §2º, I (ICMS) da Constituição Federal.
5. A possibilidade de creditamento das contribuições questionadas decorrente da depreciação do ativo imobilizado tem natureza presumida, pois estimada a depreciação com base em percentual estabelecido na lei, sem a comprovação contábil da auferição de lucro, na hipótese de venda de bem que já integrava o ativo permanente. Portanto, trata-se de benefício fiscal deferido pelo legislador ordinário – o qual, pode a qualquer tempo restringir sua utilização conforme o critério de conveniência e oportunidade e no interesse da Administração Tributária, sem incorrer em ofensa ao regime da não-cumulatividade previsto em sede constitucional.
6. Agravo legal improvido. (grifamos)
(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AMS APELAÇÃO CÍVEL 322312/SP 0005549-81.2009.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA julgado em 21/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/07/2017)
Dessa forma, o direito ao creditamento pretendido pela Impetrante configura, em sentido estrito, benefício fiscal concedido pelas Leis nº 10.637/2002 e n° 10.833/2003, sem que tenha sido imposta qualquer contraprestação ao contribuinte, ou seja, o benefício não foi condicionado.
A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento pacífico, segundo o qual a isenção não condicionada poderá ser revogada a qualquer tempo, sem que haja ofensa a direito adquirido:
TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. LEI 4.239/63, ART. 14. ISENÇÃO NÃO-CONDICIONADA. REVOGAÇÃO. LEI 9.532/97. POSSIBILIDADE. 1. O art. 14 da Lei 4.239/63, ao dispor que “até o exercício de 1973 inclusive, os empreendimentos industriais e agrícolas que estiverem operando na área de atuação da SUDENE à data da publicação desta lei, pagarão com a redução de 50% (cinqüenta por cento) o imposto de renda e adicionais não restituíveis”, instituiu isenção especial não-onerosa ou não condicionada, uma vez que sua fruição não ficou subordinada ao cumprimento de encargo por parte do contribuinte, mas apenas à circunstância de fato da localização do estabelecimento na área de atuação da extinta SUDENE. 2. Tal espécie de isenção, justamente porque não condicionada a qualquer contraprestação por parte do contribuinte, consubstancia favor fiscal que pode ser reduzido ou suprimido por lei a qualquer tempo, sem que se possa cogitar de direito adquirido à sua manutenção. É o que se depreende da leitura a contrario sensu da Súmula 544/STF (“isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”), bem assim da norma posta no art. 178 do CTN, segundo a qual “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104”. 3. São legítimas, portanto, as graduais reduções da alíquota do benefício trazidas pela Lei 9.532/97. 4. Recurso especial provido.
(STJ. RESP 200302033983. Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI. DATA:05/10/2006).
Logo, a revogação do favor fiscal previsto nas Leis nº 10.637/2002 e n° 10.833/2003, ou sua limitação, por não ser condicionada, pode ocorrer a qualquer tempo, sem que se configure qualquer retroatividade da lei revogadora ou ofensa ao direito adquirido ou à segurança jurídica.
A Lei nº 10.865/2004 estabeleceu apenas um termo a partir do qual seria permitido o pleiteado creditamento (01/05/2004), assim como dispôs expressamente que antes de 30 de abril de 2004 seria vedado, revogando, portanto, o tratamento anteriormente previsto nas Leis nº 10.637/02 e n° 10.833/03.
Como não se cuida de benefício que exija o preenchimento de determinados requisitos pelo favorecido, tais como nas hipóteses de isenções condicionais, em que a revogação da lei concessiva não afeta o direito isencional, se este deflui não diretamente da lei, mas da satisfação, pelo destinatário da norma, dos requisitos nela postos, é possível sua revogação por lei posterior.
Os benefícios fiscais concedidos por prazo indeterminado, e sem condições, não dispõem de qualquer tipo de privilégio jurídico, ou seja, sua revogação não gera, para o contribuinte, qualquer direito adquirido.
Ressalto, ainda, que não merece prosperar o argumento de que a Lei nº 10.865/2004 retroagiu em ofensa ao princípio da segurança jurídica, pois, se a lei anterior previa certa dedução da base de cálculo do tributo, não se tem, em relação ao futuro, senão expectativa de direito, na medida em que é a lei vigente no momento do fato gerador, e quando da apuração da base de cálculo, que determina a forma de proceder a essa operação.
Nesse sentido, o julgado dessa Corte:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA INAFASTADOS. PIS E COFINS. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS POR DEPRECIAÇÃO DE ATIVO IMOBILIZADO . REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. ART. 31 DA LEI N. 10.865/2004.
1. Para o manejo do agravo previsto no art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil, é preciso o enfrentamento da fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve-se demonstrar, no caso, que a apelação interposta não estava em confronto com jurisprudência dominante do próprio Tribunal.
2. O entendimento desta turma é no sentido de que o direito de desconto de créditos apurados na forma das Leis ns. 10.637/02 e 10.833/03, rel ativo s à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativo s imobilizado s adquiridos até 30 de abril de 2004, na apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS, como benefício fiscal que era, poderia ser modificado ou revogado também por lei, como de fato ocorreu com a edição da Lei 10.865/04, sem que tal medida afrontasse suposto direito adquirido ou o princípio da segurança jurídica.
3. A agravante não trouxe qualquer elemento novo que afastasse a conclusão a que chegou a decisão recorrida.
4. A existência de repercussão geral da matéria no RE nº 599316/SC não obsta o julgamento do recurso interposto perante esta Corte, mormente pela falta de atribuição de efeito suspensivo pelo C. Supremo Tribunal Federal àquele recurso.
5. Agravo inominado a que se nega provimento.
(TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AMS 0002342-22.2005.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, julgado em 05/09/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2013)
Assim, há de ser reformada a r. sentença a quo, para afastar a declaração de inconstitucionalidade do art. 31 da Lei nº 10.865/2004, e julgar improcedente o pedido, ante a vedação legal ao aproveitamento dos créditos pleiteados, restando prejudicado o pedido de compensação.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da Impetrante, e dou provimento à Remessa Oficial e à apelação da União Federal, consoante fundamentação.
É o meu voto.
MÔNICA NOBRE
Desembargadora Federal
Post Views: 589