A Constituição da República confere à União competência exclusiva para instituir contribuições especiais, entre elas as contribuições sociais (artigo 149). Além disso, não apenas autoriza, mas ordena a incidência dessas contribuições sobre a importação de mercadorias e serviços (artigo 149, parágrafo 2º, inciso II). A tributação é correta e impõe-se como medida de isonomia, protegendo a competitividade do mercado interno, que já se sujeita a essa tributação.
Por outro lado, por ser membro da Organização Mundial do Comércio e signatário do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, ou Acordo Geral de Tarifas e Comércio), o Brasil está obrigado a não impor às mercadorias e serviços estrangeiros tributação a que não se submetem as mercadorias e serviços provenientes do mercado interno. A regra está inscrita na cláusula terceira do GATT e é conhecida como princípio do tratamento nacional:
Os produtos do território de qualquer parte contratante, importados por outra parte contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais.
Ou seja, o Brasil se obriga, tanto por força de sua própria Constituição quanto de tratado internacional — que, uma vez firmado, exclui a competência das leis internas para regular a matéria, conforme dispõe o artigo 98 do CTN —, a instituir tratamento isonômico às mercadorias e serviços independentemente da sua origem nacional ou estrangeira, desde que provenham de países também signatários do GATT.
Entretanto, verifica-se que essa regra não tem sido observada no caso do PIS/Cofins-Importação. Em 2013, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 559.937, declarando a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS e das próprias contribuições na sua base de cálculo.
Por força dessa decisão, a Lei 12.865/2013 ajustou a base de cálculo desses tributos à jurisprudência então formada, adequando-a ao conceito de valor aduaneiro, sem o alargamento oportunístico que antes lhe promovia a legislação. Em seguida, a Lei 13.137/2015 elevou as alíquotas dessas contribuições na importação das mercadorias, justamente ao argumento de evitar a discriminação das mercadorias internas. A própria exposição da MP 668/2015, antes da sua conversão em lei, explicitou que a elevação das alíquotas se deu com “[…] o intuito de evitar-se que a importação de mercadorias passe a gozar de tributação mais favorecida do que aquela incidente sobre os produtos nacionais, desprotegendo as empresas instaladas no país”.
Ocorre que a inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita bruta também foi afastada pela corte suprema no julgamento do Tema 69 da repercussão geral. Por consequência, esvazia-se a motivação para a elevação das alíquotas incidentes na importação, que passam a sobrecarregar as mercadorias importadas em comparação com as nacionais. Além disso, foi reconhecida a repercussão geral do debate sobre a inconstitucionalidade do cálculo por dentro do PIS/Cofins “interno” (Tema 1.067). Se a tese for favorável ao contribuinte, mais razão ainda haverá para se reconhecer o excesso da alíquota na importação de mercadorias, por ofender a regra do tratamento nacional e o princípio da isonomia.
Vale destacar que o STF e o Superior Tribunal de Justiça possuem súmulas que reconhecem a aplicação imediata das cláusulas do GATT ao sistema tributário nacional (Súmulas 575 e 71, respectivamente), não sendo necessário o acionamento do sistema de solução de controvérsias da OMC.
A maior dificuldade, hoje, reside no fato de que a 2ª Turma do STJ, em caso análogo, não reconheceu a aplicação do princípio do tratamento nacional ao PIS/Cofins-importação[1]. O argumento principal foi o de que a norma exige identidade dos tributos comparados. Como as bases de cálculo do PIS/Cofins-importação e do PIS/Cofins “interno” não são as mesmas, esse não seria o caso.
Contudo, data venia, é notório que se exige tão somente a identidade das mercadorias, pois proíbe-se tratamento desigual direto ou indireto em relação ao similar nacional. Apesar do revés, tal entendimento pode ser superado pela 1ª Seção. Quiçá possa ser superado pelo STF em razão da violação à isonomia, por analogia ao Tema 1.047, que versa sobre a majoração da alíquota em casos específicos[2], ainda por ser julgado. É o que esperamos que aconteça.
[1] STJ, 2ª Turma, REsp 1.437.172, relator ministro Mauro Campbell Marques, relator para acórdão ministro Herman Benjamin, DJe 15 de fevereiro de 2016.
[2] “Constitucionalidade da majoração, em um ponto percentual, da alíquota da COFINS-Importação, introduzida pelo artigo 8º, parágrafo 21, da Lei 10.865/2004, com a redação dada pela Lei 12.715/2012, e da vedação ao aproveitamento integral dos créditos oriundos do pagamento da exação, constante do parágrafo 1º-A do artigo 15 da Lei 10.865/2004, incluído pela Lei 13.137/2015.”
Por André Mendes Moreira e Eduardo Campos
André Mendes Moreira é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, professor adjunto de Direito Tributário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).
Eduardo Campos é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados e doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Revista Consultor Jurídico, 11 de janeiro de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-jan-11/opiniao-piscofins-aumentado-importacao-mercadorias-ilegal