PGFN evita perdas de R$ 727 bi para União; R$ 321 bi só no Carf
19/03/2025
Relatório “PGFN em Números” mostra aumento expressivo com relação ao conselho administrativo em comparação ao ano anterior. Acordos de transação tributária recuperaram R$ 34 bilhões
Fachada do prédio da PGFN. Crédito: Fernando Bizerra/Agência Senado
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) evitou R$ 727,1 bilhões em perdas em 2024. Desse montante, R$ 321,4 bilhões foram contabilizados com relação aos julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os números são do relatório “PGFN em Números”, divulgados nesta quarta-feira (19/3), e apontam aumento expressivo em comparação com 2023 (R$ 110,4 bilhões).
De acordo com o procurador-geral adjunto, Moisés de Sousa Carvalho, um dos fatores que contribuíram para o resultado no âmbito administrativo foi a volta do voto de qualidade, usado como critério de desempate no Carf. Carvalho também citou os julgamentos represados durante a pandemia da Covid-19, período no qual o conselho realizou os julgamentos por videoconferência e com limite de valor. Com isso, casos vultosos sobre ágio, por exemplo, ficaram travados.
Não à toa o relatório da procuradoria aponta dentre as teses mais relevantes os juros sobre capital próprio (JCP) em operações de ágio interno, cujos processos somaram juntos R$ 10,7 bilhões de crédito, além da aplicação das regras de preço de transferência na exportação de commodities minerais (R$ 6,9 bilhões) e a bipartição de contratos de afretamento no setor de petróleo (R$ 9,8 bilhões).
Já no contencioso judicial, o valor das perdas evitadas chegou a R$ 405,78 bilhões, sendo que parte desse número já estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), segundo a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida. O montante inclui as perdas evitadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Outros processos com impacto bilionário estão no radar do órgão em 2025, incluindo a discussão sobre a manutenção do limite de dedução de despesas educacionais do imposto de renda. Esta é uma discussão de R$ 75 bilhões, segundo a procuradora, que está em pauta no plenário virtual do STF desta semana . O placar já conta com 5 votos favoráveis à União.
Além da atuação nos tribunais, a PGFN também recuperou R$ 61,3 bilhões da dívida ativa e do FGTS, dos quais R$ 34,1 bilhões vieram de acordos de transação tributária. A procuradoria aposta na transação como um dos instrumentos mais efetivos para reduzir litígios e garantir a arrecadação. Entre as negociações bem-sucedidas, o relatório da PGFN destaca a transação individual para a regularização de dívidas de empresas do setor aéreo, como o da Varig, por exemplo, que superou R$ 900 milhões em discussão.
Desafios do contencioso
Mais cedo, a Procuradora-Geral e outros integrantes da PGFN participaram de um seminário na FGV em São Paulo que discutia o contencioso tributário. Dentre os diversos temas em debate, o procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS, João Grognet, chamou atenção para a necessidade de atuar antes da formação dos litígios. Para ele, não é possível prever o tamanho do contencioso gerado pela reforma tributária.
De forma otimista, Grognet disse acreditar que a tendência é de redução de litígios, considerando características como a alíquota única, poucos regimes diferenciados e a tributação no destino. Isso não significa, ponderou, que o contencioso deixará de existir, mas deve se concentrar principalmente em operações B2C ( business-to-consumer — quando uma empresa vende seu produto diretamente ao consumidor final), por conta do inadimplemento, e em fraudes.
Por essa razão, o procurador defendeu uma mudança na relação entre fisco e contribuinte. Segundo ele, o atual sistema vive um estado de desconfiança generalizada, no qual as partes atuam de forma defensiva, o que contribui para o aumento do contencioso.
Anelize Almeida também tratou dessa questão e afirmou que, uma vez instalado o conflito, deixa de ser uma questão de interpretações divergentes e se torna efetivamente um contencioso. Nesse cenário, a transação tributária assume um papel fundamental no novo modelo de relação entre o fisco e o contribuinte, justamente por permitir a resolução tanto do contencioso jurídico quanto econômico.
Segundo ela, o Programa de Transação Integrada (PTI) é um passo nessa direção ao viabilizar a negociação conjunta desses dois tipos de litígios. A procuradora também defendeu a ampliação do alcance da transação para além dos créditos inscritos em dívida ativa. Segundo a procuradora, a PGFN tem recebido pedidos nesse sentido e, na sua avaliação, já é “‘chegada a hora de levar a transação para todos os créditos”.
Estrutura de harmonização
Anelize também tratou da interpretação da lei tributária que, segundo ela, precisa ser construída de forma coletiva, sobretudo no contexto da reforma tributária, e não pode ficar concentrada nas mãos de um comitê gestor. Durante o seminário, a procuradora afirmou que uma parte do contencioso atual vem da falta de comunicação e excesso de informação, e não de divergências técnicas.
Almeida criticou a atual estrutura pensada para os comitês de harmonização e defendeu que a interpretação da lei tributária seja feita a muitas mãos como forma de diminuir o contencioso. “Não é possível tirar o jurídico da sala quando se fala de interpretação tributária, não é possível dizer que só um determinado organismo tem o poder ou o domínio da interpretação. Na minha opinião isso é inconstitucional”, declarou em referência à composição prevista para o Comitê e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias.
Pela Lei Complementar 214/24, a uniformização das normas e a interpretação da legislação relativa ao IBS e à CBS ficará a cargo do Comitê de Harmonização e do Fórum. O comitê contará com quatro representantes da Receita Federal e quatro representantes do Comitê Gestor do IBS, sendo dois dos Estados ou do DF e dois dos municípios ou do DF. Já o fórum será composto por quatro representantes da PGFN e quatro representantes das procuradorias, indicados pelo Comitê Gestor do IBS, sendo dois procuradores de Estado ou do DF e dois procuradores de municípios ou do DF.
Para a procuradora, o problema está em concentrar no comitê a função de uniformizar a interpretação da lei tributária de forma isolada, sem participação das instituições jurídicas e de controle. “Às vezes é uma palavra que muda complementarmente a lógica”, disse.
A conselheira do Carf Ana Claudia Borges, integrante da 1ª Seção, concordou com a ponderação da procuradora e defendeu a harmonização dentro do sistema tributário a partir dos precedentes qualificados e vinculantes. Para ela, “tem algo de muito errado” em novos instrumentos que tentam tirar essa vinculação.
Diane Bikel
Repórter
Mirielle Carvalho
Repórter
Fernanda Valente
Repórter