Previsibilidade das ações e transparência nas informações contribuirão para o incremento das operações.
É inegável que 2020 foi um ano de destaque para os debates relacionados ao direito aduaneiro. Apenas no Supremo Tribunal Federal foram julgadas, na sistemática de repercussão geral, ao menos seis teses que diretamente se relacionam às operações de comércio exterior. Tratam-se, em resumo, do Tema 520 e a definição do estado de destinado como competente para a cobrança do ICMS incidente na importação, o Tema 906 e a confirmação da possibilidade da dupla incidência do IPI (importação e revenda), o Tema 1094 e a incidência do ICMS-importação para consumidor final, o Tema 1047 e a constitucionalidade do adicional da Cofins-Importação, o Tema 1085 e o aumento da Taxa Siscomex via Portaria e, ainda, o Tema 1042 e a de interrupção do despacho aduaneiro até o pagamento dos tributos arbitrados.
Não foi apenas no âmbito judicial – um considerável marco se observados os períodos anteriores – que as discussões sobre o assunto avançaram. Pouco antes das restrições impostas pela pandemia alcançarem o Brasil, em 13 de março de 2020, foi promulgado o Decreto nº 10.276 veiculando o texto revisado da Convenção de Quioto, de 1999, e com ele o compromisso global assumido pelo país com a simplificação e a harmonização dos procedimentos aduaneiros. Dentre as medidas enunciadas, por exemplo, encontram-se o expresso comprometimento das Administrações Aduaneiras em evitarem arbitrar penalidades excessivas além do compromisso com a agilidade nos processos de conferência e desembaraço das mercadorias, independente da conclusão dos procedimentos fiscalizatórios.
Previsibilidade das ações e transparência nas informações contribuirão para o incremento das operações.
A Convenção de Quioto Revisada, movimento liderado pela Organização Mundial das Aduanas, possui atualmente a adesão de 124 países, dentre eles, inclusive, a China e os Estados Unidos. Diretamente relacionada com o Acordo sobre a Facilitação do Comércio, ratificado pelo Brasil, em 2016, junto à Organização Mundial do Comércio, e promulgado via Decreto nº 9.326, de 2018, refere-se à própria operacionalização dos ideais e compromissos ali assumidos. De fato, dentre as diretrizes do AFC, encontra-se, novamente, a facilitação e a desburocratização dos procedimentos para a liberação de bens importados, inclusive antes da determinação final acerca dos direitos aduaneiros, apuração de tributos ou encargos, confirmando um movimento global dos países signatários de ambos – Convenção de Quito e AFC – no sentido de se pautarem pela agilidade e desburocratização das operações mercantis transfronteiriças, sem prejuízo e ressalvados todo o direito nacional no que concerne a apuração posterior para fins regulatórios e fiscais.
Foi também no ano póstumo que a Secretaria da Receita Federal do Brasil finalizou, e amplamente divulgou, seu primeiro Estudo de Tempos de Liberação de Cargas, desenvolvido de acordo com a metodologia mundial do Time Release Study. Conforme anunciado pelo próprio Órgão, “um marco na Administração Aduaneira Brasileira”. O estudo, que quantificou o lapso de tempo calculado entre a chegada das mercadorias importadas até a entrega aos importadores, alcançou informações obtidas de 45 unidades da Alfândega nacional e alça nosso país à uma posição de comparabilidade e maior transparência quando comparado com demais países, uma vez que tais dados não eram quantificados via metodologia global e uniforme.
Soma-se a isso a implementação já em fase final – inicialmente prevista para 1º de janeiro de 2021, mas prorrogada ainda para este ano – do projeto “Portal Único de Comércio Exterior”, idealizado ainda em 2014. Com o objetivo de centralizar todas as interações entre os órgãos governamentais envolvidos (Fisco Federal, órgãos reguladores, intervenientes) e os operadores privados, o programa busca reformular os processos de exportações e importações, tornando-os mais eficientes e harmonizados. De vanguarda, tem sido objeto de estudos, elogios e replicação por diversos outros países.
É nesse contexto que o tema do direito aduaneiro vem inserido para 2021: com a concretização de uma série de ações iniciadas em anos anteriores e especialmente relacionadas ao processo de desburocratização e facilitação das operações mercantis globalizadas. Ganham corpo os estudos, cursos, debates e produções sobre o tema: artigos, livros e opiniões. Nada mais profícuo e a destempo, vez que o Brasil ainda carece de uma aproximação mais comprometida e especializada com o tema.
Em termos práticos, temos certo que a informatização dos sistemas e as trocas de informações quase que instantâneas entre as Aduanas Mundiais certamente implicarão no aumento de questionamentos, via procedimento fiscalizatório de revisões, relacionados à classificação fiscal de mercadorias, valoração aduaneira e medidas de defesa comercial, a exemplo de controles antidumping. De outra sorte, queremos crer que a previsibilidade das ações e a transparência nas informações, contribuirão para o incremento das operações de exportações e importações, na medida em que os agentes privados estarão cada vez menos suscetíveis a atos administrativos discricionários, a exemplo da paralisação do processo de conferência aduaneira sem justificativa legal.
Valor Econômico – Por Daniela Floriano, 15 de março de 2021