Lei Complementar nº 116/03 alterou critério espacial da hipótese de incidência, modificando recolhimento do ISSQN.
Dentre as mudanças ocorridas na Lei Complementar nº 116/03 por meio da Lei Complementar nº 157/16, cabe destacar a alteração do critério espacial da hipótese de incidência, o qual modificou o local do recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) dos serviços elencados nos itens 4.22, 4.23, 10.04, 15.01 e 15.09.
Onde, nos termos da Lista Anexa à LC nº 116/03 referem-se, respectivamente, aos serviços de: (i) Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres; (ii) Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário; (iii) Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring); (iv) Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congênere; e (v) Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).
Mencionada alteração afetou àqueles sujeitos passivos que prestam os serviços elencados nos supracitados itens da lista anexa à LC nº 116/03, especialmente no que se refere a operacionalização quanto ao novo critério espacial.
Cabe mencionar que o art. 3º da LC 116/03 previa que “o serviço considera-se prestado, e o imposto devido, no local do estabelecimento do prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador (…)“. No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial esposado pela Il. Ministra Eliana Calmon, do E. STJ, em seu voto proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.117.121:
“Assim, a partir da LC 116/2003, temos as seguintes regras: 1ª) como regra geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, compreendendo-se como tal o local onde a empresa que é o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas; 2ª) na falta de estabelecimento do prestador, no local do domicílio do prestador. Assim, o imposto somente será devido no domicílio do prestador se no local onde o serviço for prestado não houver estabelecimento do prestador (sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação); 3ª) nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, acima transcritos, mesmo que não haja local do estabelecimento prestador, ou local do domicílio do prestador, o imposto será devido nos locais indicados nas regras de exceção.” (Grifo Nosso)
Ou seja, anteriormente às mudanças promovidas pela LC nº 157/16, as exceções à regra geral quanto ao critério especial da hipótese de incidência tributária eram pontuais, sendo, na maioria das vezes, direcionadas para situações em que se verificava a existência de uma atividade substantiva, uma estrutura no local do município em que o serviço era prestado, como, por exemplo, a construção civil.
Por efeito, a atribuição da condição de sujeito ativo ao município do tomador de serviço, realizada pelo art. 1º da LC nº 157/16, se mostra como uma verdadeira distorção da hipótese de incidência tributária do ISSQN prevista no inc. III do art. 156, além de afrontar as disposições do art. 146, ambos da Carta Constitucional, promovendo a incidência tributária sobre a tomada do serviço pago ao município em prejuízo à própria prestação do serviço.
Tanto assim o é que, desde 2017, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.835, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Capitalização (CNSEG), questionam a alteração em comento, sendo que em Abril de 2018, o Min. Alexandre de Moraes suspendeu a eficácia das modificações promovidas pela LC nº 157/16 no que tange a nova modalidade de eleição do município como sujeito ativo, bem como, eventuais legislações municipais que regulem a matéria.
Para o Professor Gustavo Brigagão, dado o tamanho da Federação Brasileira, combinado com o costumeiro uso dos planos de saúde e cartões de crédito, sujeitar os sujeitos passivos prestadores destes serviços à subordinação de legislações e conteúdo, muitas vezes diversos entre si, em mais de 5.500 municípios, mostra-se como uma iminente ofensa aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, o qual possui vasta a jurisprudência nos tribunais superiores acerca da sua necessária observação.
Ademais, outra mudança promovida pela LC nº 157/16, objetivando amenizar o impacto das mudanças em comento (atualmente com efeito suspenso), temos o PLC nº 445/17, que dispõe sobre o padrão nacional de obrigação acessória do ISSQN, aprovado pelo Plenário do Senado, e, em 18 de dezembro de 2017, encaminhado para a Câmara dos Deputados, dando origem ao PLC nº 461/17, aprovado no último dia 03 de dezembro de 2019.
Desta forma, entre outras alterações, comentamos os dois pontos que, ao nosso sentir, demandam uma análise pormenorizada em relação as novas obrigações acessórias, previstas nos projetos de Lei Complementar:
Art. 6º. A emissão de notas fiscais de serviços de que trata o artigo 1º pelo contribuinte pode ser exigida, nos termos da legislação de cada Município e do Distrito Federal, exceto para os serviços previstos nos subitens 15.01 e 15.09, que ficam dispensados da emissão de notas fiscais.” (Grifo Nosso)
Em que pese a padronização em relação a parte das obrigações acessórias, em especial, ao envio das informações aos fiscos municipais através de uma declaração uniforme em âmbito nacional, a faculdade aos entes municipais em determinar um padrão de leiaute e informações a serem contidas nas notas fiscais, que, eventualmente podem ser diferentes entre si, acaba, demasiadamente, aumentando o custo operacional, quando não, inviabilizando o atendimento a referida norma, nos casos em que o sujeito passivo opere em diversos municípios.
Art. 7º. O ISSQN de que trata esta Lei Complementar será pago até o décimo quinto dia do mês subsequente ao de ocorrência dos fatos geradores, exclusivamente por meio de transferência bancária no âmbito do Sistema Brasileiro de Pagamentos, ao domicílio bancário informado pelos municípios e pelo Distrito Federal, nos termos do inciso III do artigo 4º. (Grifo Nosso)
No que se refere ao pagamento do tributo, em substituição ao depósito bancário, proposto no referido Projeto de Lei, em analogia a utilização da GNRE (Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais), entendemos que seria ajuizado a utilização de uma metodologia semelhante para o recolhimento do ISSQN, com a totalização das operações praticadas no município em questão, contendo, entre outros campos na guia projetada, informações acerca do Código do Município, bem como, do Código do Serviço o qual o recolhimento se refere.
Isto posto, mesmo que os Projetos de Lei Complementar busquem operacionalizar metodologias de unificação no âmbito nacional, o contribuinte continuará sujeito ao cumprimento, ainda que da mesma obrigação acessória, a diversos Municípios com o qual pratique algum dos serviços elencados nos itens 4.22, 4.23, 5.09, 10.04, 15.01 e 15.09 da Lista de Serviços Anexa à LC nº 116/03, aumentando demasiadamente o já elevado custo com conformidade no Brasil.
Por fim, não se pode olvidar que de acordo com a decisão do Min. Alexandre de Moraes (ADI 5.835), os efeitos das mudanças promovidas pela LC nº 116/03 se encontram suspensos desde abril de 2018, fato este que não impediu que no dia 03 de dezembro de 2019, a Câmara dos Deputados aprovasse o PLC nº 461/17, o encaminhando ao Senado Federal.
Assim, além do fato visualizarmos a transgressão quanto aos ditames Constitucionais expressos acerca do ISSQN, identificamos ainda uma afronta aos já citados Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, bem como, a segurança jurídica, ao passo que o Poder Legislativo caminha em paralelo as decisões judiciais sobre a matéria objeto de sua deliberação.
Jota – Por Daniel Piga Vagetti – 23 de janeiro de 2020