O impacto é específico às empresas que estão no regime do lucro real – as que têm faturamento acima de R$ 78 milhões – e que recolhem IR e CSLL por estimativa. As companhias, nessa modalidade, antecipam os valores mês a mês ao governo, com base em uma previsão de lucro, e no fim do ano fazem o encontro de contas (se pagaram a mais ficam com crédito e se pagaram a menos podem fazer o complemento).
Até a publicação da Lei nº 13.670, elas podiam abater dos pagamentos mensais os valores que tinham a receber do Fisco. Esse crédito era gerado, por exemplo, com o recolhimento a maior, em outras ocasiões, do próprio IR e da CSLL e também de PIS e Cofins. Já depois da lei, com a compensação vetada, elas passaram a ser obrigadas a desembolsar os valores integrais dos tributos.
Esse é um assunto que tem gerado muita divergência entre o Fisco e os contribuintes. E, para advogados, o parecer publicado ontem pela Receita, coloca ainda “mais lenha” na discussão já superaquecida.
A Receita afirma no texto que as compensações feitas depois da data de vigência da lei serão consideradas – para fins de fiscalização – como não declaradas. São as situações em que o contribuinte tentou compensar valores em uma hipótese não prevista. E, para esses casos, as multas são muito altas.
O Fisco pode aplicar entre 75% e 150% sobre o valor que foi objeto do pedido indevido de compensação. E, além disso, existe ainda a possibilidade de cobrar mais 75% de multa de ofício, depois de encerrado o ano, em razão de o contribuinte não ter pago o total dos tributos devidos.
“Seriam dois autos de infração diferentes. Um específico para a compensação que foi considerada não declarada e um outro em decorrência dos valores que não foram pagos”, detalha o advogado Luís Alexandre Barbosa, sócio do escritório LBMF.
O especialista chama a atenção, no entanto, que esse assunto é bastante discutível. Há inúmeros casos tanto no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) como no Judiciário que tratam da aplicação de duas multas sobre um mesmo ato. “Tem decisões dos dois lados, permitindo e não permitindo a aplicação da duas multas. Em uma delas, do mês de setembro, no Carf, por exemplo, ficou entendido que nesses casos prevalece a mais gravosa.”
Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, destaca que no parecer da Receita consta também a possibilidade de aplicação das duas multas com relação ao período anterior à Lei 13.670 (ou seja, quando a compensação dos tributos recolhidos por estimativa ainda era permitida). Nesses casos, no entanto, a multa se dá em razão da compensação não homologada – o contribuinte tem o direito de pedir, mas a fiscalização verificou que há alguma inconsistência, por exemplo, quanto aos valores que poderiam ser usados.
A multa em decorrência da compensação, nesses casos, é de 50% sobre os valores devidos. E, depois, no ano seguinte, o Fisco ainda pode cobrar os mesmos 75% de multa de ofício em razão de o contribuinte ter recolhido menos do que deveria. “Só que já há manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. Qualquer tipo de multa que supere o valor do tributo devido é uma multa confiscatória”, diz.
Essa questão das multas deve fermentar as discussões, já acirradas, em torno das compensações dos tributos. A Lei nº 13.670 vem sendo alvo de contestações na Justiça desde que foi publicada. Para os contribuintes, o governo mudou as regras “no meio do jogo”. Isso porque a escolha da forma como vão recolher o imposto – se por estimativa, mês a mês, ou por trimestre – é feita no começo do ano e essa opção é irretratável.
“Se é irretratável para o contribuinte, tem que ser irretratável para o governo também”, entende o advogado Tiago Conde, do escritório Sacha Calmon. “O governo fez essa lei de forma abrupta e mexeu com todo o planejamento das empresas. O contribuinte fez essa opção porque ele poderia quitar as estimativas, mês a mês, com os créditos. Então, pelo menos até o fim deste ano, é o que deveria prevalecer.”
Não há ainda, no entanto, um entendimento consolidado da Justiça sobre esse assunto. Vários contribuintes obtiveram, em um primeiro momento, decisões liminares permitindo a compensação dos tributos até o fim do ano. Mas o governo conseguiu reverter uma boa parte delas na segunda instância, conforme advogados.
Desembargadores têm aceitado o argumento de que o poder público tem discricionariedade para determinar as regras e a forma como a compensação vai ocorrer e que, no caso específico, o governo não está vedando o crédito, mas sim vedando o pagamento, por meio da compensação, de um débito específico.
Por Joice Bacelo | De São Paulo