Governo vetou ampliação do prazo de benefício até 31 de dezembro.
A prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores, vetada pelo presidente Jair Bolsonaro na conversão da Medida Provisória nº 936, é considerada constitucional por especialistas e não contraria normas vigentes, ao contrário do que alegou o governo ao vetar a possibilidade.
O benefício seria extinto em 31 de dezembro, mas o Congresso, ao votar a medida,ampliou a validade da desoneração para até 31 de dezembro de 2021. A MP nº 936,dentre outros pontos, autorizou a redução de jornada e salário de funcionários em razão da crise provocada pela pandemia.
A desoneração da folha foi instituída em 2011 para estimular a geração de empregos formais. Setores favorecidos com a medida, substituíram a contribuição ao INSS, incidente sobre a folha de salários, por contribuição calculada sobre o faturamento da empresa.
Ao justificar o veto, Jair Bolsonaro alegou que só poderia existir renúncia de receitas e indicada medida compensatória e que o assunto era “estranho” à matéria tratada na MP. Outro argumento, levantado pela equipe econômica após o veto, é que a prorrogação do prazo de desoneração seria inconstitucional por contrariar a Emenda Constitucional 103/2019, que instituiu a reforma da Previdência.
A advogada Ariane Guimarães, do Mattos Filho, afirma que os argumentos do governo não se sustentam. Segundo Ariane, o artigo 30 da EC 103 prevê expressamente a manutenção das contribuições substitutivas à folha de salários instituídas anteriormente. “Prorrogação de prazo não equivale à criação de novo tributo”, diz, ao destacar que a desoneração (CPRB) foi criada em 2011.
Os dois pontos tratados no veto também não se mantêm, segundo ela. A MP 936 prevê, no artigo 34, adicional de 1% de Cofins nas importações até dezembro de 2021. Ou seja, haveria compensação de receita durante o período de prorrogação. A advogada ressalta que a MP trata de medidas trabalhistas e previdenciárias, não havendo motivo para se falar em “jabuti”.
De acordo com Cristiane Matsumoto, sócia do Pinheiro Neto Advogados, a desoneração surgiu em 2011 com base no artigo 195 da Constituição, dispositivo que permitia diferentes alíquotas e bases de cálculo de acordo com o setor econômico. Depois foi autorizada, no mesmo dispositivo, a cobrança sobre a receita bruta.
A advogada acrescenta que a lei de diretrizes orçamentárias já sofreu uma quebra de expectativa por causa da covid-19. “A renúncia fiscal que o governo já fez para suprimir a recessão da covid-19 é absurda. Não é só diferimento de tributo, mas também redução de alíquota ”, diz.
Ainda, diz Cristiane, a prorrogação da desoneração da folha não conflita com o artigo 30 da Reforma da Previdência, segundo o qual após sua vigência não é possível substituir a contribuição previdenciária sobre a folha por receita bruta.
“Prorrogar ou tornar permanente essa desoneração não viola o novo dispositivo que surgiu com a reforma da Previdência ”, acrescenta Chede Suaiden, sócio do Bichara Advogados. O Congresso ainda pode derrubar o veto, segundo o advogado,e o texto teria validade com a alteração realizada.
Um parecer da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados afirma que a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos é constitucional. O texto assinado por Roberto Carlos Pontes, secretário-geral adjunto, e respaldado por Leonardo Barbosa, o secretário-geral, está com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem dado sinais favoráveis à derrubada do veto presidencial.
De acordo com o documento, a emenda da reforma da Previdência não é impeditivo à renovação do benefício que hoje atinge 17 setores econômicos intensivos em mão de obra.“O certo é que a EC 103/2020 não vedou a prorrogação, mas apenas a instituição de novas desonerações e a inserção de novos setores da economia nesse benefício fiscal”, afirmam os autores.
O parecer reconhece que a sistemática da desoneração da folha de pagamentos é alvo de controvérsias, a “despeito das nobres intenções da medida”. E lembra que esse instituto vem sendo recorrentemente prorrogado ao longo dos anos. A diferença agora é que a proposta aprovada pelo Congresso e vetada por Bolsonaro foi feita após a reforma da Previdência.
Apesar de essa questão ter sido levantada, o veto presidencial não apontou inconstitucionalidade, mas levantou razões de ordem econômica, por conta da renúncia de receitas e da geração de despesa obrigatória, além de tratamento diferenciado entre setores.
Entre os segmentos beneficiados pela desoneração está o setor de transporte urbano, que afirma que se o veto não for derrubado, haverá alta no custo das passagens. Em nota, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), destacou que peso da mão de obra nos custos do setor que chega a atingir 50% do total. A entidade aponta risco de desemprego significativo no setor.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon, Joice Bacelo, Fabio Graner e Raphael Di Cunto – 17 de julho de 2020.