As consequências da pandemia de Covid-19 sobre os relatórios de demonstrações financeiras e compromissos de auditoria são complexas e resultaram em desafios para a administração, os responsáveis pela governança (TCWG) e, é claro, para os contadores e auditores. Especialistas apontam que existe um nível de incerteza sem precedentes sobre a economia.
Os lucros futuros e muitos outros dados que representam elementos fundamentais dos documentos financeiros se tornaram ainda mais difíceis de quantificar e os profissionais encarregados pelas demonstrações financeiras têm de encarar essa tarefa em meio a uma série de dúvidas.
No Brasil, a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus interferiu diretamente nos balanços financeiros trimestrais das companhias de capital aberto, fechados em 31 de março. Estudo do Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil) revela que, dentre 48 empresas listadas no índice IBRX-50, 98% apresentaram divulgação sobre os efeitos da pandemia. Este índice reúne os 50 papéis mais líquidos da B3 (a bolsa de valores brasileira). Contudo, do total apresentado pela pesquisa, apenas 19% forneceram conteúdo detalhado.
O presidente do Ibracon, Francisco Sant’Anna, destaca que as normas contábeis ainda não determinam exatamente os dados que devem ser apresentados. São obrigatórias, no entanto, as notas explicativas, que estavam presentes em praticamente todos os balanços. Para Sant’Anna, o primeiro trimestre foi um período de transição e de questionamentos. “Por isso, provavelmente as companhias optaram pela cautela”, complementa.
A maioria das notas explicativas mostrou que as companhias têm cuidado do bem-estar dos funcionários e utilizado os benefícios governamentais. Além disso, manifestam-se preocupadas com a geração de caixa e vêm trabalhando linhas de crédito adicionais. Referências sobre custos, realização dos estoques e impairment – redução do valor recuperável de um bem ativo – também apareceram nas divulgações, que revelam ainda precaução com os informes do segundo trimestre.
Contudo, nem todas apresentaram, de forma clara e objetiva, as implicações da Covid-19 nas contas. Das 48 empresas, apenas nove trouxeram nota explicativa sobre a pandemia, com dados quantitativos e qualitativos sobre a existência ou não de impactos no primeiro trimestre, descrevendo tudo o que analisaram (impairment, estoques, continuidade etc). Além disso, incluíram eventos subsequentes, comentando a influência do novo coronavírus até a data da publicação do documento.
Os balanços apontaram um pouco do comportamento do mercado, no qual ficou perceptível um destaque muito grande do setor de varejo, que aumentou sua participação no volume de transações das ações na B3.
“Aparentemente, havia uma preocupação com as lojas fechadas durante a pandemia, mas o e-commerce acabou expondo sua força”, explica Sant’Anna.
Para facilitar o acesso dos auditores aos registros mais relevantes para avaliação das demonstrações durante a pandemia e tendo em vista que esses efeitos devem perdurar no ambiente de negócios, o instituto criou o hotsite https://www.ibracon.com.br/covid-19/.
Nele, consta todo material divulgado no portal do Ibracon e em suas mídias sociais, assim como vídeos e apresentações. É possível conferir ainda as principais informações emitidas por órgãos reguladores, entidades de interesse e representativas da profissão contábil, nacionais e internacionais, que impactam a atividade de auditoria independente.
Resultados do segundo trimestre devem detalhar reflexos da pandemia
Não se pode dizer que as empresas brasileiras, principalmente as de capital aberto, tenham sido pegas totalmente de surpresa pela pandemia de Covid-19, que chegou ao País em março. O mundo já acompanhava, com receio, desde o final de 2019, a contaminação pelo novo coronavírus em grande escala na China e depois a expansão, já em janeiro, à Europa.
O mercado global teve de se adaptar rapidamente aos efeitos da doença e os relatórios das empresas também passaram a dar visibilidades aos reflexos nos balanços e demonstrações trimestrais. No Brasil não foi diferente.
As demonstrações do primeiro trimestre de 2020, principalmente daquelas empresas mais negociadas na bolsa, já trazem informações sobre aspectos relacionados ao novo coronavírus e como estão dando conta desses desafios para manter a liquidez do negócios. Porém, as notas explicativas ainda são bastante vagas. Nas demonstrações contábeis do segundo trimestre, finalizado em 30 de junho, o Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil) espera uma visão ampla dos impactos da pandemia.
“De janeiro a março, as divulgações foram, em geral, mais genéricas. Agora, nossa expectativa é que, tendo passado um pouco mais de tempo, as empresas façam análises mais completas”, diz a gerente técnica do Ibracon, Adriana Caetano. A especialista adianta que começou a analisar demonstrações trimestrais divulgadas pelas organizações e que é possível perceber avanços, principalmente nas projeções de cenários realizadas.
O presidente do Ibracon, Francisco Sant’Anna, diz que o esperado é que os relatórios comecem a transparecer uma melhor percepção das reduções de operações, questões de liquidez e impairment, uma vez que o segundo trimestre é o período em que efetivamente o Brasil vivenciou a pandemia com mais intensidade.
O dirigente defende que o primordial, neste momento, é que os impactos do novo coronavírus estejam refletidos nas demonstrações. “Mais importante do que fazer um cálculo, é a qualidade da informação: refletir se aqueles efeitos irão perdurar ou se são momentâneos; o quão impactantes as mudanças estão sendo e serão nos negócios.” Em caso de perdas calculadas, elas têm que estar no lançamento.
É essa transparência nas informações que permitirá a auditores e investidores ter acesso a todas as ferramentas necessárias para a tomada de decisão sobre como irão agir em relação aos resultados, tanto no relatório do auditor quanto na hora de investir.
Auditoria interna começa a ser acionada para auxiliar na retomada
A necessidade de retomada das atividades e a dificuldade em conseguir reduzir o número de casos confirmados e de mortes todos os dias têm feito com que muitas empresas precisem de ajuda para refletir sobre como irão retomar suas operações. Embora haja companhias que já anunciaram que aguardarão mais tempo para o retorno, muitas já iniciaram uma fase gradual de ativação do ambiente tradicional de trabalho. Porém, o medo não foi dissipado. E nesse cenário extremamente complexo a auditoria interna assume papel crucial.
O diretor-geral do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil), Paulo Gomes, diz que o auditor já está sendo acionado para avaliar e acompanhar a implementação de planos de riscos de retorno. “São amplas as esferas envolvem até um plano de comunicação integrado que informe corretamente a todos os colaboradores quais serão as medidas tomadas para esse recomeço. Eles chegarão repletos de anseios, temores e questionamentos e tranquilizá-los, com absoluta transparência, é fator vital que deve ser monitorado pela auditoria”, destaca Gomes.
Além disso, o auditor pode ajudar a fazer uma checagem minuciosa se todos os procedimentos como higienização, medição de temperatura e até a testagem recomendada dos funcionários, estão sendo cumprido. “Entra no escopo também o transporte utilizado pelos colaboradores. Ofertar ônibus privado por um período pode contribuir na minimização de riscos”, diz Gomes, e tudo isso pode se tornar uma nova atribuição dos auditores internos.
Cabe ao auditor, com o uso de ferramentas de inteligência artificial e Big Data, auxiliar na identificação de riscos e benefícios em adotar, por exemplo, um sistema híbrido, entre home office e presença na empresa. “Analisar perdas e ganhos e disponibilizá-los com transparência à direção da companhia também é incumbência do auditor interno”, explica.
Gomes lembra que de acordo com a Estrutura Internacional de Práticas Profissionais (International Professional Practices Framework – IPPF) é dever dos auditores aumentar e proteger o valor organizacional da empresa onde atua, seja pública ou privada, fornecendo avaliação, assessoria e conhecimentos preventivos baseados em riscos.
Considerada como a maior referência da profissão no mundo – elaborada pelo Instituto Global dos Auditores Internos (The IIA) – as regras podem e devem ser interpretadas no contexto da pandemia.
“O auditor vive um momento desafiador, de equilibrar seu rigor técnico na avaliação de procedimentos, com a necessidade de ser mais humano, tendo a consciência de que o mais importante é a proteção e valorização das pessoas”, diz Gomes.
Faturamento das empresas pode cair de 10% a 25% em função do novo coronavírus
A Pesquisa Nacional Sobre o Impacto da Covid-19 nos Negócio, realizada pela KPMG, revela que o impacto do isolamento social provocado pela Covid-19 pode gerar uma queda de 10% a 25% no faturamento deste ano, segundo aponta a maioria dos entrevistados (25,2%). Já para 18,6% deles, essa arrecadação deve se manter próxima a do ano anterior. Apenas 3,3% acreditam em um crescimento superior a 25%.
A pesquisa foi realizada em junho deste ano com representantes dos setores de agronegócio (6%), consumo e varejo (18%), energia e recursos naturais (12%), governo (4%), saúde e ciências da vida (2%), mercados industriais (11%), infraestrutura (8%), ONGs (2%), serviços (9%), setor financeiro (19%) e tecnologia, mídia e telecomunicações (9%).
Já a distribuição geográfica dos entrevistados foi 65,93% no Sudeste, 18,68% no Sul, 9,89% no Centro Oeste, 4,4% no Nordeste e 1,1% no Norte.
Com relação à receita, 26,3% dos dirigentes tiveram uma redução de 10% a 30% em maio na comparação com igual período do ano passado. Por outro lado, 17,5% registraram aumento de receita nesse mesmo mês.
“Os dados refletem o impacto da pandemia em mais de 10 setores. Alguns deles registraram queda significativa no faturamento e na receita, como os segmentos de consumo e mercado industrial, mas outros acabaram ganhando lugar de destaque, caso da tecnologia e das telecomunicações, em função do aumento da demanda gerado pelo isolamento social”, explica o sócio-líder de clientes e mercados da KPMG no Brasil e na América do Sul, André Coutinho.
Ainda com relação ao faturamento para 2021, a maioria dos participantes da pesquisa apresentou uma visão mais otimista: cerca de 34% deles esperam aumento de receita de 10% a 25%. Para 30,7%, esse crescimento deve ser de até 10%.
Fonte: Jornal do Comercio do RS – 19/08/2020