Como é de conhecimento público e notório, os impactos da disseminação desenfreada da Covid-19 já produzem efeitos não só na saúde dos cidadãos e nos sistemas de saúde, mas também na economia global.
A rápida disseminação do vírus e a falta de uma medida capaz de frear a pandemia obrigaram a adoção, por quase todos os países, de medidas de distanciamento social. Assim, diversas empresas foram fechadas e linhas de montagem foram paralisadas.
Além dos óbvios e terríveis efeitos para a saúde pública, como consequência econômica da pandemia, viveremos o raro choque de oferta e demanda, já que de um lado as cadeias de suprimento foram paralisadas, fábricas fechadas temporariamente, trabalhadores dispensados de seus serviços (impacto sobre a oferta) e, de outro lado, foram impostas restrições de circulação, fechamento de escolas, interrupção de eventos de massa, cancelamento de viagens, shoppings e lojas vazios, comércio sem clientes (impacto sobre a demanda).
Justamente dentro desse contexto de buscar alternativas visando a mitigar os efeitos nocivos dessa pandemia, em diversas esferas de poder (federal, estadual e municipal) foram adotadas medidas de emergência, extremamente nocivas do ponto de vista econômico, mas louváveis, necessárias e pertinentes sob o prisma da saúde pública. São os remédios amargos necessários para os tempos atuais.
Entre essas medidas, em quase a totalidade dos municípios brasileiros, destaca-se a suspensão de todas as atividades comerciais e industriais tidas como não essenciais.
Gestores e empresários de diversos segmentos, em busca da manutenção dos empregos, principalmente no papel fundamental em relação à saúde financeira das famílias de seus colaborares, bem como na confiança da perpetuidade do seu negócio, decidiram não demitir os colaboradores, mantendo os seus respectivos pagamentos, independentemente de inexistir qualquer contraprestação por parte deles.
Desse modo, o que deve se ter em mente é que os pagamentos realizados para os colaboradores que permanecem em casa, sem qualquer relação de trabalho, não contemplam os requisitos mínimos para serem considerados fatos geradores da contribuição previdenciária patronal, prevista no artigo 22, inciso I, da Lei n° 8.212/91.
Como se sabe, as contribuições previdenciárias (da empresa, do empregado e de acidente de trabalho — GILRAT) deverão ser recolhidas sobre a totalidade das remunerações pagas pelos empregadores a seus empregados, a qual deverá conter um caráter retributivo como regra matriz da incidência da referida contribuição. Vale dizer, apenas deve ocorrer fato gerador da contribuição previdenciária na hipótese de se verificar a efetiva prestação de serviço, em face da qual seja pago rendimento à pessoa física.
Nesse sentido, a reflexão que se busca fazer com o presente artigo é que quando não há efetiva prestação de serviço pelo trabalhador, não há como entender que o pagamento possuirá caráter retributivo. Portanto, a ausência desse caráter retributivo de imediato deve afastar tais pagamentos do campo de incidência da contribuição previdenciária patronal.
Atualmente, salta aos olhos que esse afastamento do colaborador não pode sequer ser considerado como “à disposição da empresa”, uma vez que, por razões de saúde pública e bem estar dos próprios empregados, as atividades foram completamente suspensas.
Nessa mesma linha, a própria administração pública, recentemente, com a edição da Medida Provisória nº 936/2020, entendeu que os valores pagos aos empregados que se encontram sem exercer as suas funções revestem-se de natureza indenizatória, não sendo fato gerador da contribuição previdenciária patronal (cf. artigo 9º, II, da MP nº 936/2020).
A referida medida provisória criou o instituto do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, que nada mais é do que a possibilidade de as empresas suspenderem os contratos de trabalho ou reduzirem a jornada dos seus empregados, mantendo um pagamento também reduzido a eles, reconhecendo expressamente que esses valores devem ser excluídos da zona de incidência da contribuição patronal.
Ora, não há como beneficiar o empregador que reduz o pagamento feito aos empregados com a exclusão desses valores da base de cálculo da contribuição patronal e, por outro lado, manter a tributação normal daqueles empregadores que, solidários com a situação enfrentada por toda a população, mantêm o pagamento integral aos empregados que se encontram sem exercer nenhuma função.
Por essa razão, há de se reconhecer que a manutenção dos pagamentos integrais aos colaboradores que estão sem exercer as suas funções não deve ser revestida dos elementos essenciais para se considerar fato gerador da contribuição patronal.
Por óbvio e em absoluta demonstração de boa-fé, deve o empregador se munir de todos os documentos capazes de comprovar: I) o afastamento integral dos respectivos colaboradores; II) a impossibilidade de exercer suas funções; e III) a manutenção dos pagamentos realizados enquanto perdurar o estado de calamidade pública causado pela Covid-19.
Por Pedro Tinoco
Pedro Tinoco é advogado tributarista e sócio do escritório Furtado Fernandes Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-mai-16/pedro-tinoco-contribuicao-previdenciaria-patronal-covid-19