A relação Fisco x contribuinte dá um importante passo em direção às soluções autocompostas.
Com foco na eficiência, redução da litigiosidade e morosidade e no diálogo entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e os contribuintes, a Medida Provisória 899/19, denominada MP do Contribuinte Legal, regulamenta o art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN), possibilitando a transação de débitos tributários federais, como método de resolução consensual de litígios tributários.
A regulamentação vem aclamada pois, muito embora o artigo 171 conste da redação original do Código, datada de 1966, somente em 2019 entra em vigor iniciativa legislativa para regulamentar o instituto.
Nesse artigo, procuradoras do Fisco e dos contribuintes se unem para comentar os importantes avanços da norma, que reflete a mudança de mentalidade na cobrança da dívida ativa da União, na busca de meios adequados e efetivos de solução de conflitos.
A dívida ativa da União é de quase R$ 2,2 trilhões e dados da PGFN evidenciam que cerca de R$ 1,4 trilhão é classificado como irrecuperável ou de difícil recuperação.Embora haja pouca (ou nenhuma) expectativa de arrecadação dessa parcela da dívida, um volume enorme de processos fadados ao insucesso segue pendente.
Diante desse grave cenário e da atual crise econômica, a transação indubitavelmente atende ao interesse público, eis que parte das medidas propostas visa à satisfação de débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação diante da capacidade contributiva e o padrão de comportamento dos contribuintes.
Tais débitos são de difícil satisfação porque o contribuinte muitas vezes não é encontrado, não possui bens ou possui bens com valores insuficientes para satisfação do débito. A situação dos devedores com dificuldades financeiras vai se agravando e as chances de recuperação ficam cada vez mais reduzidas. Com a possibilidade de transação com concessões mútuas, serão retirados do contencioso administrativo e judicial inúmeros processos que obstruem a justiça.
A possibilidade de transação em matéria tributária potencializa exponencialmente a eficiência da cobrança, somadas as medidas de desjudicialização já realizadas -como a implementação do Regime Diferenciado de Cobrança de Crédito, instituído pela Portaria PGFN nº 396, de 2016, que arquivou mais de 1.300.000.000 processos de execução fiscal que tramitavam por todo o país, e a implementação do ajuizamento seletivo e de estratégias administrativas de cobrança instituídos pela Portaria nº 33/2018. Assim, a PGFN poderá concentrar sua força de trabalho nos processos de execução fiscal que possuem reais chances de êxito.
A proposta de transação tributária de débito inscrito em dívida ativa da União poderá ser feita pela PGFN (ou pela PGF e PGU, conforme competência para cobrança), de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor. Eis importante inovação da Medida Provisória, pois não se está diante de situação na qual o contribuinte meramente “adere” ao programa de quitação de débitos proposto: os contribuintes passam a ter margem para ativamente buscar o Fisco para liquidar dívidas fiscais. Importante medida para incentivar o diálogo, há pouco praticamente inexistente, entre fisco e contribuintes.
Vedada a transação sobre o valor principal do débito inscrito em dívida ativa e das multas de lançamento de ofício e de natureza penal, também é proibida a oferta de transação por adesão nos casos em que há posicionamento definido na jurisprudência sobre o tema.
Favorecendo a transparência, a publicidade e a isonomia, a proposta por adesão será realizada exclusivamente por meio eletrônico e será divulgada na imprensa oficial e nos sítios dos respectivos órgãos na internet, mediante edital que especifique, de maneira objetiva, as situações fáticas e jurídicas da transação. Como haverá término do litígio, se espera redução dos muitos casos envolvendo dívidas fiscais.
Outra importante inovação se refere à possibilidade de haver transação não apenas com relação à liquidação do débito fiscal com descontos, mas também poderá haver negociação sobre prazo para pagamento de tributos e garantias aos créditos fiscais. A despeito de anteriores previsões em atos normativos internos da PGFN (Portarias 360 e 742, ambas de 2018), agora há amparo legal incentivando diálogo entre contribuintes e Fisco.
Outro avanço da MP se refere ao controle interno e externo a que se submetem os agentes públicos que participam da negociação: agentes só poderão ser pessoalmente responsabilizados, quando agirem mediante dolo ou fraude, visando à obtenção de vantagem indevida para si ou para outrem.
Com isso, os procuradores que vão atuar na linha de frente das negociações terão garantia de que, agindo lícita, moral e legalmente, não carregarão acusações infundadas e ameaçadoras, o que por vezes desincentiva iniciativas de diálogo com contribuintes.
Certamente a relação Fisco x contribuinte dá um importante passo em direção às soluções autocompostas, em linha com a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça e com a mentalidade reforçada pelo Código de Processo Civil de 2015, para que meios adequados sejam disponibilizados aos cidadãos brasileiros.
Valor Econômico – Por Rita Dias Nolasco e Priscila Faricelli – 25 de outubro de 2019