OPERAÇÃO INTERESTADUAL DE DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO PERMANENTE OU DE USO E CONSUMO ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. HIGIDEZ DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA CONSISTENTE NA EXIGÊNCIA DE NOTA FISCAL DOS BENS. IRRELEVÂNCIA INEXISTÊNCIA, EM TESE, DE OBRIGAÇÃO PRINCIPAL (NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS). FATOR VIABILIZADOR DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. ARTIGOS 175, PARÁGRAFO ÚNICO, E 194, DO CTN. ACÓRDÃO FUNDADO EM LEI LOCAL. CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL. 1. O ente federado legiferante pode instituir dever instrumental a ser observado pelas pessoas físicas ou jurídicas, a fim de viabilizar o exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Tributária, ainda que o sujeito passivo da aludida “obrigação acessória” não seja contribuinte do tributo ou que inexistente, em tese, hipótese de incidência tributária, desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos no ordenamento jurídico. 2. A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu (obrigação tributária principal), como ao conjunto de deveres instrumentais (desprovidos do timbre da patrimonialidade), que a viabilizam. 3. Com efeito, é cediço que, em prol do interesse público da arrecadação e da fiscalização tributária, ao ente federado legiferante atribui-se o direito de instituir obrigações que tenham por objeto prestações, positivas ou negativas, que visem guarnecer o fisco do maior número de informações possíveis acerca do universo das atividades desenvolvidas pelos administrados, o que se depreende da leitura do artigo 113, do CTN, verbis: (…) 4. Abalizada doutrina esclarece que: “Por sem dúvida que a prestação pecuniária a que alude o art. 3º, do Código, dá uma feição nitidamente patrimonial ao vínculo tributário, pois o dinheiro – pecúnia – é a mais viva forma de manifestação econômica. Esse dado, que salta à evidência, nos autoriza a tratar o laço jurídico, que se instala entre sujeito pretensor e sujeito devedor, como uma autêntica e verdadeira obrigação, levando-se em conta a ocorrência do fato típico, previsto no descritor da norma. Mas é inaplicável àqueloutras relações, também de índole fiscal, cujo objeto é um fazer ou não-fazer, insusceptível de conversão para valores econômicos . Ladeando a obrigação tributária, que realiza os anseios do Estado, enquanto entidade tributante, dispõe a ordem jurídica sobre comportamentos outros, positivos ou negativos, consistentes num fazer ou não-fazer, que não se explicam em si mesmos, preordenados que estão a facilitar o conhecimento, o controle e a arrecadação da importância devida como tributo. Tais relações são conhecidas pela designação imprecisa de obrigações acessórias, nome impróprio, uma vez que não apresentam o elemento caracterizador dos laços obrigacionais, inexistindo nelas prestação passível de transformação em termos pecuniários. São liames concebidos para produzirem o aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. É dever de todos prestar informações ao Poder Público, executando certos atos e tomando determinadas providências de interesse geral, para que a disciplina do relacionamento comunitário e a administração da ordem pública ganhem dimensões reais concretas. Nessa direção, o cumprimento de incontáveis deveres é exigido de todas as pessoas, no plano sanitário, urbanístico, agrário, de trânsito, etc., e, também, no que entende com a atividade tributante que o Estado exerce . (…) … no território das imposições tributárias, são estipulados inúmeros deveres, que possibilitam o controle, pelo Estado-Administração, sobre a observância do cumprimento das obrigações estatuídas com a decretação dos tributos. Esses deveres são, entre muitos, o de escriturar livros, prestar informações, expedir notas fiscais, fazer declarações, promover levantamentos físicos, econômicos ou financeiros, manter dados e documentos à disposição da autoridades administrativas, aceitar a fiscalização periódica de suas atividades, tudo com o objeto de propiciar ao ente que tributa a verificação do adequado cumprimento da obrigação tributária. (…) … Ele (Estado) pretende ver atos devidamente formalizados, para que possa saber da existência de liame obrigacional que brota com o acontecimento fáctico, previsto na hipótese da norma . Encarados como providências instrumentais ou como a imposição de formalidades, tais deveres representam o meio de o Poder Público controlar o fiel cumprimento da prestação tributária, finalidade essencial na plataforma da instituição do tributo.” (Paulo de Barros Carvalho, in “Curso de Direito Tributário”, 20ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2008, págs. 319/322) 5. Os deveres instrumentais, previstos na legislação tributária, ostentam caráter autônomo em relação à regra matriz de incidência do tributo, uma vez que vinculam, inclusive, as pessoas físicas ou jurídicas que gozem de imunidade ou outro benefício fiscal, ex vi dos artigos 175, parágrafo único, e 194, parágrafo único, do CTN, verbis: “Art. 175. Excluem o crédito tributário: I – a isenção; II – a anistia. Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente . (…) Art. 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação. Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal .” 6. Destarte, o ente federado competente para instituição de determinado tributo pode estabelecer deveres instrumentais a serem cumpridos até mesmo por não contribuintes, desde que constituam instrumento relevante para o pleno exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Pública Tributária, assecuratório do interesse público na arrecadação. 7. In casu: (i) releva-se incontroverso nos autos que o Estado da Paraíba, mediante norma inserta no RICMS, instituiu o dever instrumental consistente na exigência de nota fiscal para circulação de bens do ativo imobilizado e de material de uso e consumo entre estabelecimentos de uma mesma instituição financeira; e (ii) o Fisco Estadual lavrou autos de infração em face da instituição financeira, sob o fundamento de que os bens do ativo imobilizado e de uso e consumo (deslocados da matriz localizada em São Paulo para a filial localizada na Paraíba) encontravam-se acompanhados apenas de simples notas de remessa, elaboradas unilateralmente pela pessoa jurídica. 8. Deveras, é certo que: (i) “o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS” , máxime em se tratando de remessa de bens de ativo imobilizado, “porquanto, para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade” (Precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp 1.125.133/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 25.08.2010, DJe 10.09.2010), ratio igualmente aplicável ao deslocamento de bens de uso e consumo; e (ii) o artigo 122, do CTN, determina que “sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto”. 9. Nada obstante, subsiste o dever instrumental imposto pelo Fisco Estadual com o intuito de “levar ao conhecimento da Administração (curadora do interesse público) informações que lhe permitam apurar o surgimento (no passado e no presente) de fatos jurídicos tributários, a ocorrência de eventos que tenham o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, além da extinção da obrigação tributária ” (Maurício Zockun, in “Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória”, Ed. Malheiros, São Paulo, 2005, pág. 134). 10. Isto porque, ainda que, em tese, o deslocamento de bens do ativo imobilizado e de material de uso e consumo entre estabelecimentos de uma mesma instituição financeira não configure hipótese de incidência do ICMS, compete ao Fisco Estadual averiguar a veracidade da aludida operação, sobressaindo a razoabilidade e proporcionalidade da norma jurídica que tão-somente exige que os bens da pessoa jurídica sejam acompanhados das respectivas notas fiscais. 11. Consequentemente, não merece reforma o acórdão regional, tendo em vista a legalidade da autuação do contribuinte por proceder à remessa de bens (da matriz localizada em São Paulo para a filial da Paraíba) desacompanhados do documento fiscal pertinente. 12. Outrossim, forçoso destacar a incognoscibilidade da insurgência especial sob enfoque que demande a análise da validade da legislação local (Súmula 280/STF). 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. RECURSO ESPECIAL Nº 1.116.792 – PB, DJ 14/12/2010.