O PROBLEMA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE SIGNIFICADOS DOS TEXTOS DA LEI, POR JOÃO MAURÍCIO ADEODATO
Texto é uma forma de linguagem, expressão linguística. A lei é um texto. A constituição é uma lei. Então, temos que compreender o papel da linguagem, daí o papel do texto, daí da lei e daí da Constituição. Lógico, não é?
Vocês têm visto essas lutas entre os poderes executivo (aí incluídas instituições contidas nele como a polícia federal), legislativo, judiciário e ministério público.
E têm visto como a Constituição, que tem a função de servir de baliza nessa luta pelo poder, fica sujeita a tantos entendimentos diferentes. O cidadão fica perplexo. Se você estudioso do direito quer entender esse fenômeno
cientificamente, para além da ideologização do opinativismo, esta minha fala pode ser útil, inclusive para avaliar as palestras que virão ainda neste congresso.
Vamos começar com alguns dados triviais: o texto, como nenhuma outra forma de linguagem, não é portador de um significado correto. Tampouco o acontecimento, evento ou fato não é portador de um significado correto. O
conhecimento é a adequação entre a linguagem e os acontecimentos e por isso é sempre aproximativo. É a tentativa de reduzir os abismos entre linguagem significante (palavras, gestos, textos) e os acontecimentos do mundo, sempre únicos e que nunca se repetem exatamente. O conhecimento é o resultado temporariamente dominante dessa redução.
Para lidar com esse problema no direito atual, a dogmática jurídica desenvolveu o procedimento, que não é uma invenção de algum autor criativo, mas sim uma instituição social. Muito simplificadamente, ele se baseia no privilégio da validade formal. Lembrem da informação que consta de todo manual: a invalidade pode
ser formal e material. A formal se divide em duas vias: incompetência da autoridade que elaborou e defeito insanável no rito de elaboração. A inconstitucionalidade material é um conceito vazio, embora os constitucionalistas insistam nele. Vazio porque sempre é necessário haver uma autoridade e um rito
que decidam se há “inconstitucionalidade material”. Pois bem: autoridade competente e rito de elaboração constituem o procedimento. O quem decide e o como se decide. Claro que todo direito precisa dizer o que se decide, por exemplo, se a pena de morte é constitucional ou não.
Mas o que interessa é o procedimento, o conteúdo material é um resultado circunstancial do quem e do como. E o que se decidiu poderá ser depois modificado, também pelo procedimento.
Porém não podemos esquecer de que, dentro do rito de elaboração, o texto é parte integrante do procedimento. Sua importância no procedimento depende de sua maior ou menor institucionalização. Institucionalizar o texto implica institucionalizar a literalidade do texto, a história das palavras naquele momento.
Mas de nada adianta a perspectiva antiquada de que o texto tem uma única interpretação correta, nem a pregação missionária de que o texto deve ter uma única interpretação correta e claro que esta é a que o pregador defende. O Brasil atual é uma prova de que a interpretação dominante de um texto ou de um fato juridicamente relevante pode ser qualquer uma. Se quiserem, acrescento: infelizmente. Assim é a linguagem da Torre de Babel, assim é o fluxo eterno do rio de Heráclito.