Percebe-se que o STF, pelo menos em alguma medida, tem contribuído para o aumento da complexidade tributária.
Richard Bird, ex-chefe de política tributária do FMI e um dos idealizadores da reforma tributária do Canadá, em evento realizado pelo Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, afirmou, referindo-se ao sistema tributário brasileiro, que já tinha visto muitos problemas tributários em vários países do mundo, mas nunca todos esses problemas reunidos em um mesmo país. Esse tortuoso panorama foi novamente ressaltado no último relatório do Doing Business de 2020, estudo realizado pelo Banco Mundial, que colocou o Brasil, no quesito tributação, entre os dez piores países do mundo, ocupando o 184º lugar entre as 190 economias analisadas.
Sem dúvida, um dos entraves mais marcantes do sistema tributário brasileiro é a sua complexidade, causada, dentre outros fatores, pela existência de mais de cinco mil entes federativos legislando sobre tributos; pelo grande número de tributos e de obrigações acessórias; pelo excesso de normas e também de exceções às regras tributárias; pela existência de diferentes regimes de apuração e recolhimento de tributos etc.
Percebe-se que o STF, pelo menos em alguma medida,tem contribuído para o aumento da complexidade tributária.
Na prática, essa complexidade se revela, em considerável medida, pela incapacidade das pessoas de compreender o próprio direito tributário. Se a sociedade não sabe se é devido, o que é devido e para quem é devido, não consegue identificar a conduta que deve ser adotada e, portanto, é incapaz de cumprir corretamente as normas tributárias. De igual modo, não se consegue prever, com segurança, as repercussões fiscais futuras das condutas hoje praticadas.
Embora a tônica atual seja a tão almejada reforma tributária, há um ator, nesse enredo de complexidade tributária, que tem sido esquecido: o Supremo Tribunal Federal (STF).
Independentemente da reformulação do nosso modelo fiscal – que urge por mudança -, o STF tem uma função de destaque na formação de um sistema mais simples, pois a ele é conferida a missão de, em última instância, definir o sentido que devem ter as normas constitucionais que estruturam o sistema tributário nacional. Dessa forma, o tribunal acaba dizendo quais são os poderes tributários que o texto constitucional confere aos entes federativos e quais são os limites para o seu exercício.
Seus julgados exercem, também, uma função de orientação, considerando que os contribuintes e o Fisco passam a pautar suas posturas de acordo com o entendimento firmado, principalmente quando o julgamento ocorre em regime de repercussão geral, obrigando os demais juízes e tribunais a seguirem o posicionamento da Corte.
Por outro lado, a existência de uma jurisprudência vacilante causa desorientação e, consequentemente, mais instabilidade nas já instáveis relações tributárias.
Nesse contexto, recentemente, a comunidade jurídica foi surpreendida com uma mudança jurisprudencial concretizada pelo STF e pela possibilidade de alteração de um outro entendimento consolidado no tribunal.
No dia 15 de junho, o plenário do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1221330, superou a posição firmada no Recurso Extraordinário nº 439796, julgado em repercussão geral. Em novembro de 2013, a Corte havia decidido que a cobrança de ICMS, nas importações realizadas por contribuinte não habitual do imposto, somente poderia ser feita se a legislação estadual fosse posterior à Lei Complementar nº 104, de 2002. Com a mudança de entendimento, o tribunal passou a validar a exigência, nos casos em que a lei estadual for posterior à Emenda Constitucional nº 33, de 2001, independentemente de ser anterior à referida lei complementar.
Já nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 603624 e nº 630898, que se iniciaram, respectivamente, em 18 de junho e no dia 7 deste mês, há a possibilidade de alteração da posição adotada, de forma unânime, no Recurso Extraordinário nº 559937. Nesse último precedente, cujo julgamento foi concluído em março de 2013, em repercussão geral, firmou-se a orientação de que, a partir de 12 de dezembro de 2001, com a vigência da Emenda Constitucional nº 33, de 2001, as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico somente podem ser cobradas sobre o faturamento, receita bruta, valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.
Nos julgamentos iniciados neste ano, em que se discute a constitucionalidade das contribuições ao Sebrae, Apex e ABDI (RE 603624) e da contribuição ao Incra (RE 630898) sobre a folha de salários, os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes apresentaram votos pela validade das cobranças, sustentando que as contribuições podem ter outras bases de cálculo, inclusive a folha de salário. Por outro lado, votaram pela inconstitucionalidade das exações, aplicando a jurisprudência do tribunal, a ministra Rosa Weber, no RE 603624, e o ministro Fachin, no RE 630898.
Esses julgamentos, porém, foram retirados do plenário virtual, por pedido do ministro Gilmar Mendes, no último dia 12.
Diante desses eventos, percebe-se que o STF, pelo menos em alguma medida, tem contribuído para o aumento da complexidade tributária. A oscilação da jurisprudência promove mais desnorteamento para os intérpretes de um já confuso sistema tributário.
Se a Suprema Corte mantiver seus posicionamentos estáveis, sem mudanças abruptas e sem alterações em curtos espaços de tempo, certamente, haverá uma ordem tributária menos complexa, permitindo uma melhor compreensão por aqueles que a vivenciam.
FONTE: Valor Econômico – Por Túlio Terceiro Neto Parente Miranda – 27 de agosto de 2020