A economia digital tem apresentado desafios para as autoridades tributárias no mundo todo.
A mobilidade dos ativos intangíveis que geram valor causa prejuízos ao sistema tributário tradicional. As empresas não precisam estabelecer presença física nos países em que atuam para terem a acesso aos seus consumidores. Marcas, patentes e outros intangíveis (ex.: marketplace), elementos essenciais dos negócios digitais, não precisam se “fixar” ao território do país de localização do mercado consumidor.
O tributo mais afetado pela economia digital é o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Em regra cobrado na origem e baseado na presença física em cada jurisdição, o imposto sobre os lucros das empresas tem tido dificuldades em arrecadar recursos do mundo digital.
O programa Beps da OCDE (Action 1) sugeriu a implantação de diversas medidas no sentido de atribuir lucros desses negócios às jurisdições nas quais o consumo se efetiva ou àquelas nas quais o valor é de fato gerado.
A despeito de ser cobrado no local do consumo, o IVA também tem enfrentado alguns problemas com a economia digital.
Como reconhece relatório também de autoria da OCDE (Tax Challenges Arising from Digitalisation 2018), a economia digital não é mais um setor da economia. A digitalização está se espalhando por toda a economia e modificando a forma de se fazer negócios mesmo nos setores mais tradicionais. Exemplos deste tipo de transformação estão por toda a parte, desde sistemas de entregas de refeição, passando pelo transporte individual de passageiros, até a própria forma como contratamos serviços.
A despeito de ser cobrado no local do consumo, o IVA também tem enfrentado alguns problemas com a economia digital. Em alguns casos, a própria definição de local da operação/consumo apresenta alguns desafios, enquanto em outras situações existe dificuldade de se coletar o imposto incidente. Importante destacar que os problemas a que estamos nos referindo não aparecem em razão da instituição do IVA – eles já estão presentes no sistema tributário brasileiro.
Alguns modelos de negócios do mundo digital têm criado a necessidade de se repensar algumas regras do IVA. Vejamos alguns exemplos.
Em vários países, inclusive no Brasil, a importação de produtos de pequeno valor é isenta de imposto (no Brasil, o valor limite é de U$ 50,00). Tal regra foi implantada em época na qual estas importações representavam, no total, valores irrisórios. As plataformas internacionais de comércio eletrônico aumentaram exponencialmente a compra dos bens de pequeno valor, resultando em perdas de receita para os cofres públicos e competição desleal em relação aos negócios locais.
A solução para este problema não é simples. Acabar com a isenção seria somente a primeira etapa, mas uma dificuldade muito maior seria ter estrutura e funcionários suficientes para processar o desembaraço aduaneiro de todas as mercadorias em questão. Alguns países, encorajados pela OCDE, estão obrigando as plataformas eletrônicas internacionais a se inscreverem como contribuintes nos países nos quais auferem receita representativa (definição a ser criada por cada jurisdição). Desta forma, elas deveriam reter e pagar o IVA, que seria devido na operação de importação feira por consumidor. Esta solução, embora seja comum para o ambiente tributário brasileiro, não é tão simples assim. Muitas vezes o pagamento feito por meio destas plataformas são direcionados diretamente ao vendedor localizado em outro país, fato que dificulta a retenção do IVA pela plataforma eletrônica. Além disso, a cobrança do IVA sobre negócios viola um princípio importante do IVA, segundo o qual a carga tributária final não poderia onerar as empresas, mas sim os consumidores.
Outro exemplo de tecnologia disruptiva do ponto de vista tributário são as plataformas peer-to-peer. Os aplicativos que trabalham exclusivamente com entregas de comida e outras mercadorias cobram apenas comissão, a relação de prestação de serviço é direta entre o entregador e o consumidor. Os entregadores são pessoas físicas que, pela regra comum em vários países, não deveriam se inscrever como contribuinte, não sendo obrigados a recolher o IVA.
No entanto, a “indústria” de entrega cresce em volumes substanciais, devendo ser considerada a perda de receita gerada pela não tributação, assim como a competição injusta com outros modelos de negócios em relação aos quais a entrega não é contratada separadamente. Embora não seja o modelo ideal, a solução proposta é a mesma apresentada acima, isto é, atribuir à plataforma a responsabilidade pelo recolhimento do IVA.
Os aplicativos de hospedagem, transporte individual e contratação de serviços domésticos têm as mesmas características, ou seja, os prestadores não seriam contribuintes, pelo valor pequeno de faturamento.
Contudo, com as plataformas peer-to-peer, os volumes totais destas prestações de serviços afetam a arrecadação e a competição com concorrentes que adotam modelos de negócios diferentes. Sempre lembrando que o IVA, em tese, não deve impactar na forma como se estabelece o modelo de negócios.
A administração tributária brasileira, com sua ampla estrutura de coleta de dados e informatização (ex.: Sped e NF eletrônica), talvez tenha soluções mais eficientes para lidar com este problema. No entanto, devemos deixar claro que soluções potencialmente eficientes devem ser avaliadas, tanto do ponto de vista da administração tributária, quanto dos negócios. Qualquer solução que venha dificultar ou inviabilizar a realização dos negócios não é uma solução.
FONTE: Valor Econômico – Por Eduardo Fleury – 29 de agosto de 2019