O benefício fiscal dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tem gerado algumas discussões no mundo jurídico. Um dos focos é a estruturação das cooperativas como forma de geração de renda para catadores de materiais recicláveis.
A Lei 12.375/2010, regulamentada pelo Decreto n.º 7.619/2011, concedia aos estabelecimentos industriais o direito ao crédito presumido de IPI nas aquisições de resíduos sólidos utilizados como matéria-prima ou produtos intermediários na fabricação de produtos tributados pelo imposto.
O crédito estava condicionado à aquisição de resíduos sólidos adquiridos de cooperativas de catadores de materiais recicláveis constituídas de, no mínimo, 20 cooperados pessoas físicas, sendo vedada a participação de pessoas jurídicas.
Em relação a certos resíduos sólidos elencados taxativamente como o plástico, desperdícios e aparas de papel ou cartão, cacos e fragmentos de vidro, sucatas de fero ou aço, níquel, cobre, alumínio, chumbo e zinco, a maioria com conotação não tributado (NT) pelo IPI ou tributado com alíquota zero.
Entretanto, referido benefício fiscal vigorou até 31/12/2018 e não foi renovado. Teria o referido benefício perdido a sua finalidade? A finalidade do benefício era social ou ambiental, considerando a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010?
Andou mal o legislador desde o início, justificando a última prorrogação do benefício fiscal exclusivamente sob o argumento de uma política social. Esse viés fica claro na exposição de motivos da Medida Provisória n.º 656/2014, que havia prorrogado a vigência do benefício. A intenção do legislador era promover, por meio do benefício, a estruturação das cooperativas como forma de geração de renda para catadores de materiais recicláveis.
Quando a MP n.º 656/2014 foi editada, já vigia a PNRS, que trazia o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo da vida dos produtos, desde o fabricante até o consumidor, além do reconhecimento da importância dos catadores de materiais recicláveis na sua implementação. Essas noções, porém, não foram absorvidas pelo legislador. Talvez, por esta razão, o benefício não tenha sido prorrogado para além de 31/12/2018. Entendeu-se que a função social do benefício já tinha sido atingida, que as cooperativas já estavam estruturadas e que, por isso, não havia necessidade de continuá-lo.
A realidade, porém, é outra. Meio ambiente e comunidades são uma coisa só e os fatores sociais e ambientais estão indissociavelmente relacionados. Então, pode-se dizer que o crédito presumido do IPI na aquisição de resíduos sólidos têm duplo efeito: o social e ambiental. Andou mal o governo ao não prorrogar o benefício? Evidentemente!
Créditos de IPI nas aquisições de resíduos sólidos são incentivos à aquisição de produtos recicláveis, ao trabalho dos catadores e aos fins pretendidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305/2010.
Milton Fontes e Letícia Yumi Marques*
Fonte: O Estado de S. Paulo – 23 de junho de 2019
*Milton Fontes, sócio da área de impostos indiretos de Peixoto & Cury Advogados; Letícia Yumi Marques, consultora de direito ambiental em Peixoto & Cury Advogados.