O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é um tributo de competência municipal, que tem como fato gerador a transmissão, ”inter vivos”, a qualquer título, de propriedade ou domínio útil de bens imóveis.
Entretanto, em operações de aporte de capital com imóveis temos a regra da não incidência como um fomento à economia e atividade empresarial. Assim, a Constituição Federal regula no art. 156, §2º, que não incide ITBI sobre a transmissão de imóveis incorporados ao patrimônio em realização de capital, nem sobre a transmissão decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante for a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil.
O CTN nos arts. 36 e 37 caracteriza a preponderância quando mais de 50% da receita operacional, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à transmissão, ou nos três anos subsequentes a constituição decorrer das receitas mencionadas acima.
As prefeituras e os tribunais, ao entenderem desta forma, ‘matam’ o instituto da não incidência
Assim, tem-se que a regra constitucional e legal é de não incidência, ou seja, toda integralização de imóvel, em regra, é isenta de tributação. A exceção que enseja incidência, somente ocorre quando a receita seja preponderantemente imobiliária. Não havendo comprovação, é indevida qualquer tributação, que, todavia, poderá ser cobrada, caso seja constatada a preponderância durante os períodos acima citados.
Verifica-se, portanto, que em nenhum momento a legislação constitucional e infraconstitucional aborda o valor do imóvel e diferenças de base de cálculo como requisitos para incidência ou não do tributo.
Entretanto, apesar da cristalinidade da norma, algumas prefeituras, com fundamento errôneo no RE nº 796.376/SC, entendem de forma diversa, fazendo incidir ITBI quando o valor venal do imóvel para fins de IPTU ou valor para fins de ITR é maior que o valor inserido no contrato social, sendo um erro grasso de interpretação normativa, uma vez que o próprio Regulamento do Imposto de Renda (IR) em seu artigo 142 dá aos sócios o direito integralizarem imóveis pelo valor histórico descrito na Declaração de Bens – Pessoa Física.
A CF e CTN regulam que a não incidência se dará sobre o valor subscrito a título de integralização, ou seja, se o valor subscrito é igual a valor do imóvel oriundo do custo histórico de aquisição listado no IR não há em que se falar em incidência de ITBI sobre a diferença, pois não houve diferença de valores, mesmo que a base de cálculo de IPTU e ITR seja maior.
O RE 796.376/SC, é uma situação totalmente diferente, pois, o sócio subscreveu o valor das quotas e confirmou a subscrição com imóveis que tinham custos históricos maiores declarados no IR. Na ocasião o sócio integralizou 4.000 quotas do valor de R$ 1,00 real cada, totalizando R$ 4.000,00, e confirmou a integralização com imóveis que estavam declarados no IR por R$ 40.000,00, ou seja, aqui sim houve uma diferença de R$ 36.000,00. Neste caso, a Prefeitura entendeu que sobre a diferença é devido o ITBI.
Por incrível que pareça em alguns julgados, até mesmo em segunda instância, a incidência é fundamentada da mesma forma.
No caso concreto, (TJ-SP Ag nº 2135897-73.2017.8.26.0000) o município concluiu que a “alteração contratual havida representaria simulação de integralização, com o fito de burla à atividade fiscal fazendária, motivo pelo qual limitou a imunidade ao limite do valor histórico atribuído aos bens imóveis para fins de integralização (R$ 1.303.388,00), pretendendo a cobrança do ITBI sobre a diferença deste valor em relação ao valor venal dos imóveis (R$ 10.227.070,82)”.
Tal entendimento causa uma insegurança jurídica sem precedentes e afronta um direito garantido pela CF, pois em casos como estes não há diferença de valores, uma vez que o valor das quotas é o mesmo valor dos imóveis. O valor venal pode até ser maior, mas é base de cálculo de tributos diferentes, e que não pode servir para fundamentar a cobrança de ITBI. Se o sócio integraliza imóvel pelo valor constante no IR não há o que se falar em diferença, pois estará procedendo de acordo com o permitido no Regulamento do Imposto de Renda, sendo que a única limitação imposta pela CF e CTN decorre da verificação de atividade preponderante.
Estender o entendimento para os outros casos de integralização de imóveis é “matar” a regra constitucional deixando-a sem eficácia social, extinguindo em muitos casos o aporte de imóveis, prejudicando muitas vezes operações societárias que demandem movimentação imobiliária.
Ao condicionar a não incidência somente quando a integralização se der pelo valor venal, cria-se automaticamente outra obrigação tributária para o contribuinte, uma vez que essa valorização é considerada ganho de capital, sendo tributado pela alíquota mínima de 15%. Ou seja, um gravame sem precedentes para sócios que pleiteiam integralizar imóvel no capital social.
Temos que os sócios estarão diante de um dilema: Para fazer jus a não incidência de um tributo, que possui alíquotas de 2% a 3%, terão que auferir um ganho de capital, com alíquotas de no mínimo 15%, o que verdadeiramente desestimula qualquer operação.
Moral da história: as prefeituras, e surpreendentemente os tribunais, ao entenderem desta forma “matam” o instituto da não incidência, e de forma quase que obrigatória, vinculam os sócios que optem pela integralização de imóveis a recolherem um tributo, que até o presente momento não é devido por força constitucional.
Por Diego Viscardi
Diego Viscardi é advogado no escritório Cipullo, Harada, Bezerra e Santos Advogados.
Fonte: Valor-07/02/2019