Com os olhos voltados para esse mercado, cresceram discussões acerca da forma de se tributar tais negócios.
Com um ano marcado pelo Covid-19, em que a quarentena predominou nas cidades do país, os sites de marketplace e os aplicativos de entrega “surfaram a onda” da vez. Tais plataformas hoje vivem um boom causado pelo isolamento social.
Com isso, as operações da incansável rotina de pedidos se tornaram vulneráveis aos “tentáculos” do Fisco.
Com os olhos voltados para esse mercado, cresceram discussões acerca da forma de se tributar tais negócios.
Isso porque, com os olhos voltados para esse mercado, cresceram discussões acerca da forma de se tributar tais negócios. Afinal, a atividade exercida por apps de entrega é serviço ou venda de mercadoria? Qual imposto deverá incidir sobre as taxas cobradas pelos aplicativos aos restaurantes? Quem responde pela emissão das notas fiscais, quando a venda é feita por intermédio de apps?
Fato é que a atual economia digital, acentuada na dependência de intangíveis, já não se dobra aos conceitos obsoletos que moldam o velho Sistema Tributário Brasileiro.
E não se trata aqui de debater a reforma, criação ou unificação de impostos, vale dizer, que o atual sistema tributário nacional conta com a separação constitucional das competências tributárias, que garante o equilíbrio arrecadatório da União, Estados e municípios. Vale a reflexão: O que seriam dos municípios sem a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS)? O que seriam dos Estados sem a arrecadação do ICMS? Como um novo imposto único poderia equilibrar a arrecadação sem ferir a autonomia fiscal dos entes federativos?
Essa discussão se torna inócua quando se ignora o cerne do atual desafio fiscal: como rastrear o fluxo financeiro na economia digital?
Com a mobilidade de capitais e transações digitais livre de fronteiras e diante da dificuldade em fiscalizar a constante evolução nas operações e a nova realidade econômica, o Fisco tem recorrido a uma conveniente prática: delegar ao contribuinte o dever de fiscalizar as operações, sob pena de responder pelo pagamento do imposto de terceiros.
Em 20 de abril deste ano, por exemplo, foi publicada a Lei Estadual nº 8.795/2020 no Rio de Janeiro, que regulamentou as operações com bens e mercadorias digitais e serviços realizados por pessoa jurídica detentora de site ou de plataforma eletrônica presente no Estado.
Dentre as mudanças, passou a ser responsável pelo recolhimento do ICMS, o proprietário de site ou de aplicativo que realize a oferta, captação de clientes ou venda, em razão de contrato firmado com o comercializador, quando operacionalizar a transação financeira e o acompanhamento do pedido, sem que seja emitida nota fiscal obrigatória pelo estabelecimento.
No caso dos apps, ao vender uma refeição via plataforma de entrega, o restaurante deve emitir nota fiscal de venda no valor integral do pedido, de modo que o pagamento será realizado através do aplicativo, que repassará o valor descontando a taxa cobrada aos estabelecimentos, emitindo nota fiscal de serviço no valor correspondente. Nesse caso, se o restaurante descumprir a sua obrigação fiscal, a plataforma de entrega passará a ser a responsável pelo pagamento do imposto a ele devido.
Isto é, os apps passaram a ter o ônus de fiscalizar os estabelecimentos que vendem por meio de sua plataforma, para garantir o cumprimento de suas obrigações tributárias, sob pena de ter que suportar a carga fiscal.
Além de aumentar os custos com compliance tributário, a prática é problemática, visto que tal operação já sofre com suas próprias imperfeições.
Isso porque, um restaurante que faz uma venda através de um app de entrega no valor de R$ 40,00, por exemplo, deverá emitir uma nota fiscal de venda na integralidade do respectivo valor. Já o aplicativo, realiza a entrega e repassa ao restaurante o valor pago, descontando a taxa de R$ 4,00 reais (num exemplo fictício de 10%), devendo emitir uma nota fiscal de serviço nesse montante.
Dessa forma, o restaurante realizou uma venda de R$ 40,00, mas faturou apenas R$ 36,00. Logo, o ICMS poderá incidir sobre o valor total da nota, qual seja, R$ 40,00, havendo um deságio de R$ 4,00, o qual não deverá ser incluído na base de cálculo do referido imposto. Parece simples, mas tal situação tem criado problemas aos estabelecimentos, que devem lançar essa diferença como despesa, para deduzir o imposto a ser recolhido, tendo que lidar com possível glosa do Fisco Estadual.
Imagina esse imbróglio, numa venda realizada pelo app, quando o estabelecimento não realiza a emissão da nota fiscal e não recolhe o imposto apurado. Nesse caso, de acordo com a Lei estadual do Rio de Janeiro, tal responsabilidade recairá sobre o app que intermediou e entregou o pedido. Imagine isso multiplicado por milhares de reais.
Já em São Paulo, a Secretaria do Estado da Fazenda passou a incluir as taxas de intermediação e de entrega cobradas pelos aplicativos na base de cálculo do ICMS.
Tal medida é questionável, visto que a taxa paga aos apps constitui o preço da atividade desempenhada por eles, que se enquadra no conceito de serviço de intermediação entre os restaurantes, presente na lista de serviços anexa à Lei
Complementar 116/03 (Lei do ISS) e, portanto, na esfera da competência tributária dos municípios, ensejando assim a bitributação da referida taxa.
Diante dessas situações, falar em reforma tributária parece utópico. Nesse caso, não resta alternativa senão conduzir a operação buscando soluções que contenham os anseios tributários nas relações digitais.
Valor Econômico – Por Luigi Terlizzi, 6 de novembro de 2020