O número de temas tributários julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) disparou durante a pandemia na esteira da adoção de sessões virtuais. Desde abril de 2020, o STF julgou 45 ações relacionadas a temas tributários com repercussão geral – aquelas cuja amplitude e abrangência podem impactar centenas ou até milhares de outros casos similares. O total, levantado pelo escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, é maior que o somatório de todos os temas tributários julgados entre 2016 e o início da pandemia (32 ações).
Sócio-proprietário do escritório, Leonardo Gallotti Olinto atribui o aumento no julgamento de matérias tributárias relevantes pelo Supremo a uma certa “inação do Congresso Nacional”. O Supremo, segundo ele, estaria “desengavetando” temas parados no Congresso por serem pouco populares.
Ao todo, o STF julgou no ano passado o mérito de 135 processos com repercussão geral, quatro vezes mais do que em 2019. Em ambos os casos estão contabilizadas não só ações tributárias, mas também as de outras naturezas. Se forem consideradas apenas os temas tributários, o crescimento de um ano para o outro foi ainda maior – mais de seis vezes, de 7 para 44 na comparação entre 2020 e o ano anterior.
Olinto classifica como “uma reforma tributária silenciosa” a profusão de temas relevantes julgados virtualmente pelo Supremo durante a pandemia, especialmente na seara tributária. “De alguma forma a pandemia levou o STF a escoar por meio dos julgamentos virtuais uma série de temas tributários que, do contrário, teriam uma visibilidade maior para a sociedade”, diz o advogado.
Dos 45 temas tributários julgados no período da pandemia, 42 foram por meio de Plenário Virtual. Nesse formato, não há espaço para sustentação oral ou discussões entre os ministros. O julgamento difere do realizado por videoconferência. “Não há [no Plenário Virtual] a menor interação ou debate”, acrescenta o advogado.
O resultado tem sido desfavorável até agora ao contribuinte, se for considerado o período da pandemia. Pelas contas do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, do total de 45 temas tributários de repercussão geral julgados pelo STF desde abril de 2020, 31 tiveram decisões favoráveis ao Fisco, 12 foram pró-contribuinte e duas, neutras.
“Ninguém em sã consciência vai reclamar da celeridade. Mas a que custo? Se o custo for a insegurança jurídica e a ausência de debate em questões tributárias, não adianta”, diz o tributarista Henrique Corredor Barbosa, sócio do escritório Raphael Miranda Advogados. Os julgamentos sequenciais em Plenário Virtual se converteram, segundo ele, em fonte “insatisfação” no mercado da advocacia. “O STF tem alterado a jurisprudência pacífica em temas já consagrados.”
Introduzida em 2004, pela Reforma do Judiciário, a repercussão geral foi incorporada ao novo Código de Processo Civil, em vigor desde 2016. Foi concebida originalmente como um filtro qualitativo que permitiria ao STF analisar somente os recursos relevantes para a ordem constitucional. Isso porque, num primeiro momento, o Supremo avalia se o tema tem repercussão geral. Em caso negativo, a matéria não será julgada pelo tribunal.
A partir do julgamento dos processos de repercussão geral são consolidadas teses jurídicas que terão de ser necessariamente aplicadas por tribunais de instâncias inferiores em casos similares. As teses permitiriam, portanto, desafogar o Judiciário, explica José Guilherme Missagia, também sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados.
Entre as teses decorrentes de ações julgadas pelo STF durante a pandemia está, por exemplo, a de que é legítima a incidência de contribuição social, a cargo do empregador, sobre o valor pago ao funcionário com carteira assinada a título de terço constitucional de férias. “Foi uma decisão que alterou radicalmente os precedentes anteriores, sem qualquer mudança da lei ou dos fatos que justificassem a alteração”, diz Barbosa, do Raphael Miranda Advogados.
Em nota, o STF informa que o aumento no número de casos julgados ocorre não só na área tributária, mas em todas as demais. “Isso se deve à ampliação das competências de julgamento por meio do plenário virtual”, justifica a Corte no texto, acrescentando que qualquer ministro pode pedir “destaque” para julgamento presencial.
Para o STF, afirmar que a instituição é mais ou menos favorável ao Fisco apenas com base em número de ações julgadas “pode levar a conclusões equivocadas”, uma vez que seria necessário avaliar o teor de cada pedido específico e se as teses apresentadas pelas partes possuem amparo na Constituição Federal.
Valor Econômico – Por Rodrigo Carro, 26/04/2021